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Vulcões podem ter transformado Vênus em uma paisagem infernal

Traduzido por Julio Batista
Original de Evan Gough para Universe Today

Há algo de bom nos vulcões? Eles podem ser violentos, perigosos e imprevisíveis. Para os humanos modernos, os vulcões são principalmente uma inconveniência, às vezes uma exibição visual intrigante e, ocasionalmente, mortal.

Mas quando há o suficiente deles, e quando são poderosos e ativos por muito tempo, eles podem matar o planeta que os hospeda.

Vênus dos dias modernos é uma paisagem infernal escaldante. A temperatura está quase sempre acima de 464 °C (737 °K), que é, como os leitores do nosso site sabem, quente o suficiente para derreter chumbo (e espaçonaves).

É por isso que, de todas as missões que a Rússia enviou à superfície do planeta, apenas quatro conseguiram transmitir imagens antes de sucumbir rapidamente às condições extremas de Vênus.

Mas o planeta Vênus moderno pode ser dramaticamente diferente do plaenta Vênus antigo. Algumas pesquisas mostram que a antiga Vênus tinha uma atmosfera semelhante à da antiga Terra.

O planeta também pode ter tido quantidades substanciais de água em sua superfície. É possível que a vida simples tenha existido em Vênus ao mesmo tempo, mas ainda não há evidências suficientes para provar ou refutar isso.

Um novo estudo mostra que grandes erupções vulcânicas durante um longo período de tempo podem ser responsáveis ​​por transformar o planeta no que é hoje. Se havia vida simples na antiga Vênus, o vulcanismo a exterminou.

O estudo também mostra como a poderosa atividade vulcânica desempenhou um papel na formação da habitabilidade da Terra e como a Terra evitou por pouco o mesmo destino de Vênus.

O estudo é intitulado “Large-scale Volcanism and the Heat Death of Terrestrial Worlds” (Vulcanismo em grande escala e a morte térmica dos mundos terrestres, na tradução livre) e foi publicado no The Planetary Journal. O Dr. Michael J. Way, do Instituto Goddard da NASA, é o principal autor. Way vem pesquisando Vênus há anos e é autor e co-autor de vários papers sobre o planeta, especialmente sua antiga habitabilidade.

“Ao entender o registro de grandes províncias ígneas na Terra e em Vênus, podemos determinar se esses eventos podem ter causado a condição atual de Vênus”, disse Way em um comunicado à imprensa anunciando o estudo.

A Terra experimentou períodos prolongados de erupções vulcânicas sustentadas em sua história. As Grandes Províncias Ígneas (GPIs) são a evidência dos períodos, que podem durar centenas de milhares de anos – talvez até milhões de anos.

As GPIs podem depositar mais de 160.000 quilômetros cúbicos de rocha na superfície. É o suficiente para enterrar Mina Gerais, o Espírito Santo e o Rio de Janeiro a 800 metros de profundidade. Na Terra, conhecemos muitas GPIs, e sabemos que nos últimos 500 milhões de anos elas coincidem com períodos de mudanças climáticas e com extinções em massa.

O estudo sugere que Vênus passou por grandes erupções vulcânicas próprias que criaram a atmosfera moderna de Vênus, com suas temperaturas e pressões extremas. Mais especificamente, revela que erupções intensas em um período tão curto quanto um milhão de anos criaram um efeito estufa descontrolado.

O efeito estufa descontrolado ocorre quando uma atmosfera impede que o calor de um planeta irradie para o espaço. Sem ter como resfriar, a temperatura sobe a níveis extremos, como uma estufa com todas as saídas de ar fechadas.

O efeito estufa de Vênus é exacerbado por sua aparente falta de placas tectônicas. As placas tectônicas da Terra permitem que o calor do interior do planeta alcance a superfície abrindo periodicamente o cobertor do manto.

Ele também remove o dióxido de carbono da atmosfera e o transporta para as rochas por intemperismo e subducção.

Nosso planeta experimentou cinco extinções em massa, e todas elas estão associadas ao aumento da atividade vulcânica, de acordo com este estudo. (Alguns pesquisadores apontam para uma sexta extinção em massa que está apenas começando, pois a atividade humana causa maior perda de espécies.)

O evento de impacto de Chicxulub foi o principal impulsionador da extinção do Cretáceo-Paleogeno que eliminou os dinossauros, mas a atividade vulcânica também desempenhou um papel importante. Embora a extinção dos dinossauros de Chicxulub seja bem conhecida e popularizada dramaticamente, a atividade vulcânica tem sido a principal causa de extinções na Terra.

A vida na Terra sofreu muito com a atividade vulcânica poderosa e contínua. Mas sempre se recuperou, e os vulcões nunca causaram um efeito estufa descontrolado, enquanto Vênus sofre até hoje com o efeito. Qual é a diferença?

A escala das erupções teve algo a ver com isso. A superfície de Vênus é 80% coberta por rocha vulcânica solidificada. O enxofre na atmosfera também é evidência de atividade vulcânica pronunciada. E a superfície de Vênus tem menos crateras do que o esperado, indicando atividade vulcânica abundante nas últimas centenas de milhões de anos.

Mas o estudo deve deixar qualquer um desconfortável. Embora a Terra tenha evitado o efeito estufa descontrolado, pode tê-lo evitado por pouco.

Desvendar a história do vulcanismo, impactos e extinções na história da Terra é um desafio porque as crateras são apagadas pelo tempo. Existem esforços científicos para entender as condições do manto da Terra que levam às GPIs, mas essa também é uma tarefa difícil.

Os eventos magmáticos que criam GPIs são tipicamente de curta duração na escala de tempo geológico, menos de 5 milhões de anos de duração. Eles também podem ser uma série de pulsos ao longo de algumas dezenas de milhões de anos. Embora eles empurrem muita rocha para a superfície, os produtos químicos que eles emitem na atmosfera são os que levam às extinções.

Quantidades maciças de CO2 aqueceram dramaticamente a atmosfera da Terra, e o dióxido de enxofre (SO2) agravou o aquecimento. Compostos tóxicos como sulfeto de hidrogênio (H2S) e monóxido de carbono (CO) também vêm de erupções, mas apenas em pequenas quantidades.

A atividade vulcânica da Terra é semelhante à de Vênus porque os planetas são “planetas irmãos”. Eles são muito próximos em tamanho e são ambos planetas rochosos no Sistema Solar interno.

Mas o fator crítico que eles compartilham quando se trata de vulcanismo é sua composição em massa. Como se formaram na mesma região do Sistema Solar, possuem composições muito semelhantes.

Em seu estudo, os autores recriaram a história vulcânica da Terra em simulações aleatórias com base no que se sabe sobre a atividade vulcânica da Terra e as GPIs. “Em uma abordagem, fazemos uma estimativa conservadora da taxa na qual conjuntos de GPIs quase simultâneos (pares, trigêmeos e quartetos) ocorrem em uma história aleatória estatisticamente igual à da Terra”, escreveram os autores.

“Descobrimos que as GPIs mais próximas no tempo do que 0,1–1 milhão de anos são prováveis; significativamente, isso é menos do que o tempo durante o qual os efeitos ambientais das GPIs terrestres são conhecidos por persistir”.

Isso significa que os eventos das GPIs se sobrepõem e, antes que o planeta possa remover o CO2 liberado em sua atmosfera de um evento, outro está ocupado liberando mais. Com o suficiente deles em um período relativamente curto de tempo, você obterá o efeito estufa descontrolado. GPIs separadas em diferentes partes do globo, mesmo sob os oceanos, exacerbam o efeito.

Uma parte fundamental de seu estudo diz respeito à variabilidade. As GPIs estão relacionados entre si de forma causal? Isso é importante porque, se a taxa de GPI for variável, isso aumenta a probabilidade de sobreposição ou eventos simultâneos, o que contribuiria para um efeito estufa descontrolado.

“Como a variabilidade na taxa de GPI ao longo do tempo afetaria as chances de eventos simultâneos?” escreveram os autores.

“Durante os períodos de aumento da taxa, a probabilidade de eventos simultâneos aumenta em relação à taxa média. Por outro lado, durante os períodos de redução da taxa, essa probabilidade diminui em relação à média. Não é óbvio qual desses efeitos predomina.”

Um ponto interessante em tudo isso diz respeito às GPIs mais duradouras da Terra. Quanto mais tempo durar, maior a probabilidade de se sobrepor a outra.

“[Nós] descobrimos que a probabilidade da maior GPI registrado na história da Terra se sobrepor a um evento de tamanho semelhante (em área) é de aproximadamente 30%. Múltiplas GPIs simultâneas podem ser importantes impulsionadores da transição de uma superfície habitável calma para um estado de estufa para mundos terrestres, assumindo que eles têm geoquímica e dinâmica de convecção do manto semelhante à da Terra”, afirma o paper.

Há um ponto em que tudo isso diverge. Embora tenhamos dados bastante completos e confiáveis ​​sobre as GPIs da Terra, não temos nem perto disso para Vênus. Mas a pesquisa mostra que, mesmo com nossa falta de dados detalhados, é provável que Vênus tenha sofrido de eventos de GPIs sobrepostos que levaram à sua destruição.

Felizmente, as próximas missões a Vênus ampliarão esta investigação com melhores dados.

A missão VERITAS (Venus Emissivity, Radio Science, InSAR, Topography, and Spectroscopy ou Emissividade, Ciência de Rádio, InSAR, Topografia e Espectroscopia de Vênus, na tradução livre) de Vênus é um orbitador desenvolvido pela NASA. Sua data de lançamento ainda não está marcada, mas será uma missão de três anos para obter imagens da superfície de Vênus em alta resolução usando radar e espectroscopia de infravermelho próximo.

Ele fornecerá informações detalhadas sobre a história de impacto do planeta, vulcanismo, geoquímica e muito mais.

A missão DAVINCI (Deep Atmosphere Venus Investigation of Noble Gases, Chemistry, and Imaging ou Investigação Química e de Imagem na Atmosfera Profunda de Gases Nobres de Vênus, na tradução livre) também é uma missão da NASA, mas terá uma sonda atmosférica junto com um orbitador. Uma vez que os cientistas tenham informações mais detalhadas sobre a atmosfera de Vênus e sua superfície, eles podem começar a desvendar o passado do planeta.

“Um dos principais objetivos do DAVINCI é definir a história da água em Vênus e quando ela pode ter desaparecido, fornecendo mais informações sobre como o clima de Vênus mudou ao longo do tempo”, disse Way.

DAVINCI e VERITAS serão lançados no final da década de 2020, com DAVINCI sendo lançado primeiro.

A ESA também está planejando uma missão orbital para Vênus. Chama-se EnVision e deve ser lançada no início dos anos 2030. A EnVision também estudará a atmosfera de Vênus, mas irá cavar mais fundo, usando seu pacote de instrumentos para investigar a estrutura interna do planeta.

Esses resultados também desempenharão um papel na compreensão dos exoplanetas. Os exoplanetas são uma área de pesquisa em expansão, e o Telescópio Espacial James Webb (JWST) está começando a fornecer dados melhores sobre as atmosferas dos exoplanetas.

Mas será difícil para os cientistas interpretar as descobertas do JWST sem melhores modelos gerais, e uma compreensão mais detalhada da história de nosso planeta irmão definitivamente refinará nossos modelos para atmosferas planetárias.

Por alguma razão, a Terra permaneceu habitável por bilhões de anos e Vênus está cada vez menos habitável. Se Vênus já hospedou uma vida antiga e simples, ela já se foi há muito tempo (peço desculpas às pessoas que pensam que a vida pode prosperar nas nuvens de Vênus).

Embora possamos nunca ter uma compreensão completa de todos os fatores que tornaram a Terra e Vênus tão diferentes um do outro, a atividade vulcânica claramente desempenhou um papel. Depois que VERITAS, DAVINCI e EnVision fizerem seu trabalho, devemos entender o caminho divergente de Vênus com mais detalhes.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.