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Pela primeira vez, enguias elétricas foram vistas caçando e eletrocutando presas em grupo

Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert

As enguias elétricas parecem não ser as solitárias que pensávamos que eram.

Em um pequeno lago nas profundezas da bacia do rio Amazonas, no Brasil, os cientistas registraram pela primeira vez os peixes não apenas vivendo juntos, mas trabalhando ativamente em equipe para forragear e abater suas presas.

Há até evidências de que a estratégia está funcionando. Das abundantes enguias elétricas de Volta (Electrophorus voltai, que não é uma enguia verdadeira, mas um tipo de peixe-faca) encontradas vivendo no lago, muitas tinham mais de 1,2 metros de comprimento e prosperavam.

“Esta é uma descoberta extraordinária”, disse o ictiologista Carlos David de Santana, do Museu Nacional de História Natural da Smithsonian Institution. “Nada parecido jamais foi documentado em enguias elétricas.”

Não se sabe muito sobre a enguia elétrica de Volta. O peixe foi descoberto recentemente em um lago ao longo do rio Iriri, e oficialmente descrito e reconhecido como uma espécie distinta no ano passado. Mas o peixe tem um golpe fatal, sendo capaz de descarregar um único choque superior a 860 volts – mais poderoso do que qualquer outra enguia elétrica já registrada.

Santana e sua equipe observaram pela primeira vez a caça de enguias elétricas em um grupo em 2012. Mais de 100 indivíduos pareciam trabalhar juntos para forragear e matar as presas para que todo o cardume pudesse se alimentar. Mas uma observação não foi suficiente para classificar a caça como um comportamento normal.

Em 2014, a equipe voltou e encontrou ainda mais enguias elétricas de Volta, para trabalhar na observação e registro dos animais. Ao longo de 72 horas de observação contínua, eles viram as enguias elétricas se envolverem em mais cinco caçadas. Isso não foi apenas suficiente para classificar o comportamento como normal, como também permitiu aos pesquisadores observar e registrar exatamente como esses “eventos de predação social” ocorrem.

Durante o dia e a noite, as enguias elétricas principalmente descansavam. Ao entardecer e ao amanhecer, no horário do crepúsculo, as enguias elétricas iam caçar. Isso, como notou a equipe em seu paper, é incomum: normalmente, as enguias elétricas de Volta só são observadas forrageando à noite e sozinhas.

A diferença aqui é impressionante. Em cada ocasião, mais de 100 enguias elétricas individuais se agregaram e começaram a nadar em círculos, efetivamente conduzindo grupos de peixes menores, principalmente caracídeos, em um “círculo de presas” que gradualmente se forma em águas mais rasas.

Então, uma vez que o círculo de presas estava firmemente encurralado sem nenhum lugar para ir, até 10 das enguias elétricas avançaram e lançaram um poderoso ataque conjunto, atordoando a presa – que saltavam para fora da água antes de caírem de volta, sem sentido.

“Se você pensar bem, um indivíduo desta espécie pode produzir uma descarga de até 860 volts – então, em teoria, se 10 deles descarregassem um choque ao mesmo tempo, eles poderiam estar produzindo até 8.600 volts de eletricidade”, disse Carlos de Santana. “Isso é aproximadamente a mesma voltagem necessária para alimentar 100 lâmpadas.”

Uma vez que a presa fosse atordoada, o cardume poderia ir em frente e se alimentar à vontade.

Cada caçada, a equipe descobriu, demorava cerca de uma hora e envolvia de cinco a sete ataques elétricos.

“A caça em grupos é bastante comum entre os mamíferos, mas na verdade é muito rara em peixes”, disse Carlos de Santana. “Existem apenas nove outras espécies de peixes conhecidas que fazem isso, o que torna essa descoberta realmente especial.”

No entanto, embora as caças possam ser normais, a equipe ainda acredita que elas podem ser muito raras de se ver. Em suas entrevistas com os moradores locais, a congregação das enguias elétricas e o comportamento de caça não foram mencionados. Portanto, se as enguias elétricas se reúnem para caçar ou se vão sozinhas, depende das condições certas, como grande abundância de presas e locais específicos com muitos abrigos para um grande número desses peixes.

Embora muito ainda seja desconhecido, a equipe acredita que as enguias elétricas provavelmente retornam ao lago anualmente. Eles lançaram um projeto de ciência cidadã chamado Projeto Poraquê, onde os moradores podem registrar observações; esses dados podem ser inestimáveis. E a equipe planeja retornar ao local na esperança de observar os animais novamente.

“Além de tentar localizar populações adicionais de enguias envolvidas no forrageamento em grupo, nossos futuros estudos baseados em laboratório e em campo investigarão a predação social das enguias elétricas com foco na ligação entre população, estruturas sociais, a genômica e a eletrogênese”, escreveram eles em seu paper.

“Resumindo, este caso oferece uma perspectiva única para estudos futuros sobre a interação evolutiva entre táticas predatórias e de fuga entre os vertebrados.”

A pesquisa foi publicada na Ecology & Evolution.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.