Este texto traduz a resposta de Steven Pinker às críticas que John Horgan fez ao movimento cético internacional. Recomendo a leitura da tradução do texto original de Horgan e a leitura dos outros textos do debate, a crítica de Steven Novella e a tréplica de Horgan.
Você também pode encontrar as quatro traduções do debate Horgan, Novella e Pinker neste único pdf que fiz com todas as referências para citação.
Steven Pinker destrói a visão de John Horgan sobre a Guerra
Tradução por Thomas Victor Conti a partir do texto de Steven Pinker, 22 de Maio de 2016, Why Evolution is True Blog, URL: https://goo.gl/dnEFI2
John Horgan diz que ele “odeia” a teoria da raiz profunda da Guerra e que ela “o deixa louco”, porque “ela encoraja o fatalismo diante da guerra.” Mas o que John Horgan odeia não tem nada a ver com o que é verdadeiro, e seu hábito de décadas de deixar seu ódio guiar seu pensamento deixou um rastro de falácias e distorções.
Horgan tem incansavelmente reforçado o non sequitur de que se a guerra tem raízes profundas na pré-história humana, seria fútil tentar reduzi-la. Isso é um óbvio engano, porque nós podemos reduzir todo tipo de coisas que têm raízes profundas na pré-história (analfabetismo, doenças, poligamia, etc.). De toda forma, a história não contém nenhum exemplo de um líder justificando a guerra pela citação da história evolucionária humana, para não falar dos chimpanzés.
Horgan escreve, “A maioria das pessoas – a maioria de vocês, provavelmente – rejeita a paz mundial como um devaneio. Talvez você acredite na teoria da raiz profunda. Se a guerra é antiga e inata, ele também deve ser inevitável, certo?” Mas ele sabe que isso é um absurdo. Ele me cita como um defensor da teoria da raiz profunda, e ele está bastante ciente que eu, de todas as pessoas, não desconsidero a paz mundial como um devaneio: eu repetidamente fui a público (mais recentemente mês passado) dizendo que nós estamos indo precisamente nessa direção. O historiador militar Azar Gat (com o qual Horgan tem familiaridade) também documentou tanto a raiz profunda quanto o recente declínio da guerra.
Tendo se acorrentado à falácia de que a raiz profunda da guerra implica guerra permanente, Horgan teve que advogar pelo argumento de que a guerra é uma “invenção cultural” sob a pena de ser um provocador de guerra (war-monger). 16 anos atrás, em uma resenha para o New York Times, ele apoiou uma perversa e fraudulenta calúnia contra o antropólogo Napoleon Chagnon, que documentara as altas taxas de guerras entre os Yanomamö. Hoje Horgan reivindica que a evidência sobre a guerra ser uma invenção cultural é “avassaladora” (itálicos dele). É de se perguntar como o esparso registro arqueológico de bandos humanos finamente espalhados poderia em alguma situação constituir “evidência avassaladora” para qualquer coisa. Horgan cita a duvidosa Margaret Mead (que infamemente descreveu os a tribo caçadora de cabeças Chambri como amante da paz) e os “antropólogos para a paz” Brian Ferguson e Douglas Fry, que por décadas martelam a mesma falácia moralista que Horgan (Fry escreve, por exemplo, “Se a guerra é vista como natural, então há pouco sentido em tentar preveni-la, reduzi-la, ou aboli-la.”)
Nos anos desde que eu providenciei uma revisão das estimativas quantitativas das taxas de violência não-estatais em The Better Angels of Our Nature, Gat e Richard Wrangham publicaram suas próprias revisões, que adereçam os argumentos de Ferguson e Fry (veja também o novo volume editado por Mark Allen e Terry Jones, Violence and Warfare among Hunter-Gatherers). Gat mostra que as evidências têm aos poucos forçado os “antropólogos da paz” a recuar da negação de que os povos pré-estatais participavam de violência letal, para a negação de que eles participavam da “guerra”, para a negação de que eles participavam delas muito comumente. Assim, em um livro recente Ferguson escreve, “Se há pessoas por aí que acreditam que a violência e a guerra não existiam até depois do advento do colonialismo ocidental, ou do Estado, ou da agricultura, esse volume prova que estão equivocados.” Gat e Wrangham apontam que se pode excluir, por definição, a guerra pré-histórica da existência apenas pela exclusão de conflitos (feuds), invasões e homicídios individuais. Mas é comum que um homicídio seja vingado por mais um parente da vítima, iniciando vingança por vingança, que pode facilmente crescer em um ciclo de conflitos. Se isso conta como “guerra” torna-se uma questão semântica.
Assim como “invenção cultural”. Ao contrário de claras invenções culturais como a agricultura e a escrita, que se originaram em um pequeno número de berços há alguns milhares de anos e se espalharam para o resto do mundo, a violência coletiva tem sido documentada em um número grande de tribos independentes sem contato entre si e, mais cedo neste ano, em um sítio arqueológico de caçadores-coletores de 10.000 atrás no Kenya. Se a guerra é uma “invenção cultural”, ela é uma que nossa espécie é particularmente propensa a inventar e reinventar, tornando sem sentido a dicotomia entre “nos nossos genes” e “invenção cultural”.
E falando de falsas dicotomias, a questão de se deveríamos culpar o “fanatismo muçulmano” ou os Estados Unidos como “a maior ameaça à paz” é dificilmente um jeito sofisticado para cientistas analisarem a guerra, tal como Horgan estimula que eles o façam. Certamente as imprudentes invasões americanas do Iraque e do Afeganistão levaram a governos incompetentes, Estados falhos, ou total anarquia que permitiram a explosão da violência Sunita-vs-Xiita e outras violências internas – mas isso é verdadeiro apenas porque essas regiões abrigavam ódios fanáticos que nada aquém de uma ditadura brutal era capaz de reprimir. De acordo com o Uppsala Conflict Data Project, das 11 guerras em curso em 2014, oito (73%) envolveram forças muçulmanas radicais como um dos combatentes, outras duas envolveram milícias apoiadas pelo Putin contra a Ucrânia, e a 11ª era uma guerra tribal no Sudão do Sul. (Os resultados para 2015 serão similares). Jogar a culpa por todas essas guerras, junto com as atrocidades do ISIS, nos Estados Unidos pode ser purificante para aqueles com certas sensibilidades políticas, mas dificilmente é uma forma de cientistas entenderem as complexas causas da guerra e da paz hoje no mundo.
Sequência dos textos:
Você também pode encontrar as quatro traduções do debate Horgan, Novella e Pinker neste único pdf que fiz com todas as referências para citação.
Parte 2: Steven Novella, “John Horgan é “Cético com os Céticos””
Parte 3: Steven Pinker, “Steven Pinker destrói a visão de John Horgan sobre a Guerra”
Parte 4: John Horgan, “Respostas à Steven Pinker, David Gorski e Steven Novella”