Por Thiago M. Guimarães
Publicado na Simetria de Gauge
Se você estiver em uma discussão sobre misticismo quântico, possivelmente nas redes sociais, utilize esse texto para que você não perca seu precioso tempo tentando discutir com os mesmo argumentos de sempre. Mãos a obra:
10 [+ 1] argumentos que você não deve usar ao discutir assuntos sem evidências científicas com físicos:
1. Apelo à autoridade
Um dos argumentos mais utilizados é uma falácia clássica do apelo à autoridade.
“Amit Goswami é (SIC) físico de Havard”
“Fulano de Tal, diretor do departamento de física de Cambridge, acredita no Capra”
“Laércio Fonseca tem mestrado na UNICAMP”
“O renomado físico do departamento de mecânica quântica de Skirym faz meditação transcendental”
“Walter White tomou homeopatia contra o câncer”,
“Einstein disse…”, “Heisenberg falou…”, “Homer Simpson provou…”
….clap, clap.
Se você está discutindo com um físico/estudante/ser humano normal e você pensa em usar um argumento parecido, semelhante ou que lembre alguma dessas frases acima, nem perca seu tempo. O fato de qualquer pessoa acreditar, ter falado ou “achar” algo não significa absolutamente NADA, não importando o quão graduada seja essa pessoa, pois existe um abismo entre opinião pessoal e uma evidência científica. A opinião não significa nada além de uma interpretação baseada unicamente nas experiências de vida e preconceitos de uma pessoa, não necessariamente passando por qualquer analise critica, o que é bem diferente de uma evidência científica. Então não adianta colar frases de Einstein ou dizer que fulano acredita nisso, se não existem evidências a respeito à opinião pessoal de Einstein é tão relevante quanto à do seu padeiro.
Ah, pra falar a verdade seria legal se você não usasse esse argumento nunca, não importa com quem ou o que você discuta, pois sem dúvida essa é uma das falácias mais babacas que existem.
2. A ciência provou
Ahhh… esse é desesperador, quando eu leio isso tenho vontade de jogar meu computador pela janela. Antes de dizer a “ciência provou”, que por si só já não é epistemologicamente muito correto, você deve saber quais foram os cientistas envolvidos nessa “prova”, onde o trabalho foi publicado, quantas vezes ele foi citado, etc. Sair dizendo que a “ciência provou” algo é simplesmente um argumento estúpido e vazio. Sem você mostrar como isso foi “provado” é impossível discutir sobre o assunto, então, por favor, encontre as publicações que “provem” o que você está dizendo, mas não vá pegar elas em livros como “Alma Quântica”, “Xacra Quântico”, “Saúde Quântica da Madame Satan” e muito menos em documentários. Documentários são simplesmente a mais baixa categoria informativa sobre descobertas científicas¹. Então encontre publicações científicas de verdade, se você não sabe como fazer isso é só assinar os feeds desse blog que em breve vou escrever um texto sobre como pesquisar por artigos.
3. Apelo à ignorância
“Universo é muito complexo, nossa ciência é muito primitiva, portanto, tudo é possível e não sabemos nada”.
Novamente essa é uma falácia muito usada para defender qualquer tipo de crença. Acho que sempre que posto algo relacionado à Mecânica Quântica esse é o ponto que mais marcam em cima. Mas serei razoável, pois realmente a mídia adora destacar que sabemos pouco do universo e que por isso tudo é possível.
a) O fato de não sabermos nada sobre um assunto não é prova de que você está certo, é no máximo um motivo para não descartarmos o que você está alegando.
b) Antes de você afirmar que não sabemos nada, pare um pouco e reflita. O que você sabe sobre a forma que a ciência agrega conhecimento, como ela lida e aplica e ele? Olhe para esse monte de tecnologia a sua volta, o que possibilitou isso tudo? Para construir essas tecnologias nos precisamos entender “corretamente” como o universo funciona? Para mandar corretamente nossas sondas para Marte, nossas teorias sobre gravitação têm que estar corretas? Para fazer seu iPhone, notebook, as leis da quântica que descobrimos podem estar erradas?
Eu, particularmente, não gosto de atrelar a tecnologia como justificativa para a ciência, mas acredito que, no momento, esse exemplo seja o mais palpável. Para termos toda essa tecnologia precisamos que nossa ciência esteja, mesmo com boa aproximação, correta. Nós compreendemos bem muitas leis do nosso universo, muitas forças, muitas interações, muitas partículas. Você pode ver isso facilmente, nós prevemos eclipses, máximos solares, prevemos a existência de planetas e depois descobrimos de fato, conseguimos mandar sondas para os mais diversos lugares e com grande precisão. Conseguimos fazer tratamentos médicos baseados na física moderna e mais uma infinidade de coisas que não seriam possíveis se nossas teorias estivessem erradas ou se nós não soubéssemos nada sobre o universo. São as mesmas teorias que nos permitem levar alta tecnologia a casa de vocês que também nos permitem, por exemplo, estudar assuntos mais abstratos como o bóson de Higgs, teoria do Big Bang, matéria escura. Felizmente existem muitos e muitos mistérios no universo a serem descoberto ainda, mas nós estamos trabalhando nisso e sabemos como prosseguir, não somos um bando de macacos em um laboratório fazendo coisas aleatórias para saber seus resultados.
Por favor, não use nossa ignorância para tentar corroborar assuntos que nem sequer a ciência trata. Nossa ignorância existe e é muito grande, porém existem muitas coisas que sabemos e são justamente essas coisas que sabemos que nos permite, com prudência, descartar hipóteses absurdas.
4. Humanização da ciência
Essa é até um pouco nova para mim, mas me deparei com um argumento desse tipo há pouco tempo aqui no blog.
“Considerar temas como “a mente colapsa a função de onda” são importantes porque humanizam a ciência e assim a gente não vai sair por aí jogando bombas nas cabeças uns dos outros.”
Ok, para mim não faz sentido, mas se pensa em usar alguma coisa nessa linha argumentativa mude de ideia. A ciência por si só já é uma coisa humana e ela não vai deixar de ser menos humana por não aceitar hipóteses sem evidência alguma. O mau uso da ciência em nada tem a ver com a forma que procedemos em aceitar alguma hipótese, têm a ver com ética profissional tanto de cientista, engenheiros, políticos, etc.
Eu enquadraria facilmente esse tipo de argumento em uma falácia non sequitur, pois não faz sentido associar o mau uso da ciência com uma suposta “não humanização” da mesma que nem ao menos existe. Afirmar uma desumanização da ciência é não ter conhecimento algum sobre como ela funciona, dê uma lida nesse breve texto: A Ciência Exata é Social.
5. Nós não conhecemos nada da mecânica quântica e ela permite tudo
Esse argumento é muito semelhante ao terceiro, mas ele tem um adicional. Geralmente as pessoas acham que a física quântica é naturalmente sem leis, ou que apenas a estatística a rege. Os argumentos mais comuns nessa linha de pensamento são:
“Ninguém compreende a mecânica quântica de verdade, pois as leis são muito bizarras”
“Feynman falou que se você acha que entendeu mecânica quântica é porque você não entendeu nada”
“A mecânica quântica é uma terra sem lei.”
“A mecânica quântica dá margem a tudo”
Esses argumentos não procedem, e o segundo ainda vem com um adicional de apelo a autoridade. A mecânica quântica é uma teoria muito bonita que não funciona pra tudo, tem leis bem definidas que nós conhecemos muito bem, mas claro que existem alguns paradoxos ou efeitos que não conseguimos ainda explicar com perfeição, como o emaranhamento quântico, por exemplo. Em alguns casos nós até conhecemos bem as leis e sabemos como trabalhar com elas, mas não entendemos direito o porquê delas existirem exatamente. Ainda sim nada disso dá margem a interpretações místicas ou embasa afirmações de que a Mecânica Quântica é incompreendida, ou que tudo pode acontece.
A quântica menos ainda dá margem a “tudo”, na verdade ela até restringe algumas coisas bem mais do que a física clássica. Quantizar significa atribuir valores discretos a algo, e por valores discretos compreenda como “não contínuos”. Assim se na mecânica clássica uma partícula pode ter momento angular (a,b,c,d), quanticamente pode ser que a partícula só possa ter momento (a,b), por exemplo. De forma mais palpável, imagine que a física clássica seja nossas leis de trânsito², por lei você sabe que em determinados lugares você deve atravessar sobre a faixa de pedestre apenas. Uma versão quântica das nossas leis de trânsito poderia dizer que você só pode atravessar na faixa de pedestre e pisando apenas sobre as faixas brancas. Dessa forma a nossa “lei quântica de transito” restringiu ainda mais as possibilidades de atravessar a rua, agora além de ser apenas na faixa de pedestre você só pode pisar na faixa branca. Da mesma forma acontece na quântica, muitas vezes ela é mais limitante do que a própria mecânica clássica.
6. Opinião pessoal
Muitas vezes quando estamos discutindo com alguém sempre caímos em um impasse legal, de um lado nós defendendo um ponto de vista que é um consenso na ciência e do outro a pessoa defendendo o que ela acha que é verdade. Aí surgem os argumentos:
“Ah, mas essa é a minha opinião”
Serei categórico e mal educado: Foda-se sua opinião! Se você não sabe nada de física, nada de ciência e quer discutir um assunto tão complexo quanto esse, a sua opinião simplesmente não tem peso algum. Se você se matou de estudar mecânica quântica e descobriu que o pensamento cura quanticamente as pessoas, então pare de perder seu tempo com discussões, escreva um paper e o submeta a uma revista científica que possua revisão por pares, que tenha um bom fator de impacto, espere ser citado muitas vezes e que comprovem ou refutem o que você está alegando.
7. Tipo diferente de ciência
Esse é ótimo e vem em várias versões. Tem a versão:
“Colchão quântico é uma ciência nova desconhecida”
E também a famosa:
“Ah, crochê quântico é um tipo de ciência milenar chinesa/indiana que nasceu no Tibet” (que?)
É até complicado tentar começar a falar sobre isso, pois é muito absurdo. Tipo, os caras pegam todo nosso jargão científico, falam de experimentos que fizemos, misturam isso em uma salada com misticismo oriental e vem falar que é outro tipo de ciência. Gostaria muito de saber que tipo de ciência é essa que não produz nada além de livros de auto-ajuda e quinquilharias quânticas que você pode comprar por um preço absurdo no Ebay.
Resumindo, um tipo misterioso de ciência oriental que não segue os mesmo métodos da ciência ocidental se apossa dos nossos jargões, aplicam em outro contexto que não tem relação nenhuma e a coisa ainda está certa?! É tipo como recortar a peça de outro cabeça para fazer ela se encaixar no seu?! Vou aproveitar para inventar um tipo diferente de misticismo que considera isso tudo um embuste!
8. A Ciência não é dona da quântica nem da ciência
Esse me faz chorar de rir:
“A Ciência não é dona da quântica”
“A Ciência não é dona da Ciência”
Que? Como assim? Alguém poderia explicar isso direito? A ciência constrói a teoria quântica e ela não é “autoridade” no assunto? Se um grupo de cientistas provarem algo e um monge lá do Tibet baseado em sua filosofia de vida disser que está errado, ou se o grande mestre Samael Aun Weor, em seu veículo astral, for até o Sol e os habitantes de lá disserem a ele que os cientistas estão errados então nós teremos que levar isso em consideração? é isso?
Esse argumento é altamente estúpido, pense bem antes de usar ele.
9. Argumento da paralisia mental filosófica
Esse é péssimo por inúmeros motivos. O principal deles é que uma conversa com uma pessoa que usa esse tipo de argumento simplesmente não chega a lugar nenhum. Pois não importa o que você diga, essa pessoa nunca vai mudar de ideia e você sempre será o cartesiano positivista da história. Então argumentos do tipo:
“Ah, mas a dialética….”, “Filosoficamente tudo pode existir”, “defina definir”, “Você está com um pensamento muito atomista”
Aqui a minha dica vai para o físico/estudante que está na discussão; não perca seu tempo, vá estudar que você ganha mais.
10. A evidência anedótica e o placebo
Um clássico que deve ter nascido com a humanidade. Em um belo momento da discussão a pessoa resolve usar ela própria como prova:
“porque eu senti, então existe”
“porque uma vez um ET quântico massageou minhas costas”
“Porque a cura quântica me curou”
Esses argumentos são clichês a máxima potência e não podem simplesmente ser levados em consideração, pois a forma que interpretamos experiências pessoais está diretamente relacionada há muitos fatores que ponderamos com extrema dificuldade. Duas pessoas que passam pelas mesmas experiências de vida nunca possuem exatamente os mesmo pontos de vistas e interpretações. Outro problema são os diversos efeitos que nosso psicológico causa na nossa percepção de mundo, mais intrigante ainda são efeitos que podem acometer até grupos inteiros de pessoas, como a histeria coletiva. Por si só, esses efeitos psicológicos e sociopsicológicos já são suficientes para enfraquecer esse tipo de argumento, fazendo que ele caia no problema do ponto do vista que já falamos. Nem vou tocar no ponto de que você pode ter algum tipo de esquizofrenia ou outro transtorno social/neurológico que dificulta um julgamento mais conciso e lúcido de suas experiências.
Se você foi curado ou não pela cura quântica, vodu relativístico ou qualquer outra dessas coisas, simplesmente é impossível dizer, pois não podemos distinguir se foi efeito placebo ou não. A forma mais segura de verificar se realmente a cura quântica funciona é fazendo testes sérios com vários grupos, comparando placebos controles, etc. Então não adianta você falar o quão maravilhosa é a cura quântica, o ativismo quântico, ou qualquer coisa assim baseado apenas em sua vida, portanto não use esse argumento.
11. Comparação com teorias físicas ou…. “É só uma teoria”
De brinde, você ganha essa assustadora falácia. Ela funciona mais ou menos assim:
“A teoria do Big Bang também era absurdo”
“A mecânica quântica parecia pseudociência”
Esse tipo de argumento geralmente me faz encerrar a conversa na hora, pois demonstra o total desconhecimento da pessoa de como a ciência é feita. Todas essas teorias vieram de bases solidas e de interpretações científicas e matemáticas de outras teorias bem sucedidas que já tínhamos, não foi algo tirado do chapéu ou misturado com misticismo oriental. Esse argumento é bullshit total, evite isso!
Podemos resumir tudo que foi dito acima com “aprenda a discutir e a julgar racionalmente as informações, evitando ao extremo usar suas paixões”. Obviamente, esse assunto deve ser discutido, mas de forma séria e responsável, ou seja, sempre respaldando nossas afirmações com base em estudos científicos e revisões sistemáticas.
Notas
1. Documentários quase sempre cumprem função de divulgação científica, o que é bem diferente da função de um periódico. Então, note essa leve diferença no que falei.
2. É, acho que acabei de criar a legislação quântica de trânsito, se alguma editora tiver interesse podemos publicar algum livro de autoajuda, ensinando as pessoas a serem felizes quando estão dirigindo, usando as leis quânticas de trânsito.