Publicado por Joel Achenbach no The Washington Post
Traduzido por Jessica Nunes
Mais de 100 laureados do Nobel assinaram uma carta pedindo ao Greenpeace para deixar de se opor aos organismos geneticamente modificados (OGMs). A carta pede ao Greenpeace para cessar seus esforços para bloquear a introdução de uma cepa geneticamente modificada de arroz, que os defensores dizem que pode reduzir deficiências de vitamina A, que causa cegueira e morte em crianças no mundo em desenvolvimento.
“Insistimos que o Greenpeace e os seus apoiantes reexaminem a experiência de agricultores e consumidores em todo o mundo com culturas e alimentos aperfeiçoados através da biotecnologia, reconheçam os achados de organismos científicos competentes e agências reguladoras, e abandonem a campanha contra os OGMs em geral e contra o Golden Rice em particular”, afirma a carta.
A campanha da carta foi organizada por Richard Roberts, diretor científico da New England Biolabs, e Phillip Sharp, vencedor do Prêmio Nobel de 1993 de Fisiologia e Medicina pela descoberta de sequências genéticas conhecidas como íntrons. A campanha tem um site, supportprecisionagriculture.org, que inclui uma lista dos signatários, e o grupo pretende realizar uma conferência de imprensa nesta quinta-feira no National Press Club em Washington.
“Nós somos cientistas. Nós entendemos a lógica da ciência. É fácil ver que o que o Greenpeace está fazendo é prejudicial e é anticientífico”, Roberts disse ao jornal The Washington Post. “O Greenpeace surgiu, e, em seguida, alguns dos seus aliados deliberadamente saíram do caminho para assustar as pessoas. Era uma maneira de arrecadar dinheiro para a causa”.
Roberts disse que concorda com muitas outras atividades do Greenpeace, e disse que espera que o grupo, depois de ler a carta, “admita que está errado sobre isso [OGMs] e se concentre nas coisas que ele faz bem”.
O Greenpeace ainda não respondeu aos pedidos de comentário sobre a carta. Ele não é o único grupo que se opõe aos OGM, mas tem uma presença global forte, e os laureados em sua carta afirmam que o Greenpeace lidera o esforço para bloquear o Golden Rice.
A lista dos signatários subiu para 107 nomes na quarta-feira de manhã. Roberts disse que, pela sua contagem, há 296 laureados vivos.
O laureado do Nobel Randy Schekman, biólogo celular da Universidade da Califórnia em Berkeley, disse ao The Post: “É surpreendente que grupos favoráveis a ciência quando se trata de mudança climática global ou da valorização da importância da vacinação na prevenção das doenças humanas, podem desdenhar das opiniões gerais de cientistas quando se trata de algo tão importante como o futuro agrícola do mundo.”
A carta afirma:
Agências científicas e reguladoras em todo o mundo têm repetida e consistentemente encontrado cultivos e alimentos aperfeiçoados através da biotecnologia tão seguros quanto, se não mais seguros, do que os derivados de qualquer outro método de produção. Nunca houve um único caso confirmado de resultado negativo para a saúde dos seres humanos ou animais a partir de seu consumo. Seus impactos ambientais mostram-se repetidamente ser menos prejudiciais para o ambiente, beneficiando a biodiversidade global.
O Greenpeace tem liderado a oposição ao Golden Rice, que tem o potencial para reduzir ou eliminar grande parte da morte e doenças causadas pela deficiência de vitamina A (DVA), que tem maior impacto sobre os mais pobres na África e Sudeste Asiático.
A Organização Mundial de Saúde estima que 250 milhões de pessoas, sofrem de DVA, incluindo 40% das crianças menores de cinco anos no mundo em desenvolvimento. Com base em estatísticas da UNICEF, um total de um a dois milhões de mortes evitáveis ocorrem anualmente como resultado da DVA, pois compromete o sistema imunológico, colocando bebês e crianças em grande risco. A DVA é a principal causa de cegueira infantil que afeta globalmente 250.000 – 500.000 crianças a cada ano. Metade morrem dentro de 12 meses por perder a visão.
O consenso científico é que essa edição do gene em laboratório não é mais perigosa do que modificações através da reprodução tradicional, e que as plantas modificadas, potencialmente tem benefícios ambientais ou de saúde, como a redução na necessidade de pesticidas. Um relatório da National Academies of Sciences, Engineering and Medicine, lançado em maio, disse que não há provas fundamentadas de que os cultivos transgênicos adoecem pessoas ou prejudicam o meio ambiente, mas também advertiu que essas culturas são relativamente novas e que é prematuro fazer generalizações, positivas ou negativas, sobre a sua segurança.
Os oponentes dos OGM dizem que estas culturas podem não ser seguras para consumo humano ou animal, não mostram melhoras no rendimento das culturas, levam ao uso excessivo de herbicidas e podem potencialmente espalhar genes modificados além dos limites das fazendas.
O website do Greenpeace Internacional afirma que a liberação dos OGMs no mundo natural é uma forma de “poluição genética”. O site afirma:
A engenharia genética permite que os cientistas criem plantas, animais e microrganismos por meio da manipulação de genes de uma forma que não ocorre naturalmente.
Estes organismos geneticamente modificados (OGMs) podem se espalhar através da natureza e cruzar com organismos naturais, contaminando ambientes não “GE” e as gerações futuras de uma forma imprevisível e incontrolável.
Praticamente toda a agricultura e a pecuária foram geneticamente modificadas num sentido mais amplo; não há vacas selvagens, e os campos de milho dos Estados Unidos refletem muitos séculos de modificação da planta através da reprodução tradicional. Culturas geneticamente modificadas começaram a se tornar comuns em meados dos anos 1990; hoje, a maioria das plantações de milho, soja e algodão no país foram modificadas para serem resistentes a insetos ou tolerantes aos herbicidas, de acordo com estatísticas do governo.
Os oponentes dos OGM se concentram muito nas repercussões econômicas e sociais da introdução de culturas modificadas em laboratório. O Greenpeace alertou para a dominação corporativa do fornecimento de alimentos, dizendo que os pequenos agricultores vão sofrer. Na quarta-feira, um porta-voz do Greenpeace se referiu a uma publicação do Greenpeace intitulada “Vinte anos de falha: Por que as culturas geneticamente modificadas têm falhado em cumprir suas promessas”.
Este debate entre os principais cientistas e ativistas ambientais não é novo, e há pouca razão para pensar que a carta assinada pelos laureados do Nobel vai convencer os oponentes dos OGM a reverem sua posição.
Mas Martin Chalfie, da Universidade de Columbia, que dividiu o Nobel de 2008 em Química pela pesquisa sobre uma proteína verde fluorescente, disse que acha que os laureados podem influenciar a questão dos OGMs.
“Há algo de especial sobre os laureados do Nobel? Não tenho tanta certeza de que somos mais especiais do que outros cientistas que analisaram as evidências envolvidas, mas temos muito mais visibilidade por causa do prêmio. Eu acho que isso nos dá a obrigação de falar quando sentimos que a ciência não está sendo ouvida.”
Roberts disse que já trabalhou em campanhas anteriores que buscavam alavancar a influência de laureados do Nobel. Em 2012, por exemplo, organizou uma campanha para persuadir as autoridades chinesas a libertarem da prisão domiciliar o ativista de direitos humanos e Prêmio Nobel da Paz Liu Xiaobo. Roberts disse que decidiu assumir a questão dos OGM depois de ouvir de colegas científicos que suas pesquisas estavam sendo barradas pelo ativismo anti-OGMs do Greenpeace e outras organizações. Ele disse que não tem interesse financeiro na investigação de OGM.