Por Steven Novella
Publicado na Science-Based Medicine
Ainda mais interessante do que a questão de se a acupuntura é ou não eficaz para qualquer sintoma particular, é a meta-questão de como os proponentes da acupuntura conseguiram promover um tratamento com dados científicos sistematicamente terríveis. Um novo estudo fornece um exemplo disso.
Acho que o comportamento dos acupunturistas reflete o fato de que existem subculturas dentro da ciência, onde cada comunidade tem suas próprias normas, cultura e práticas típicas. Você vê isso refletido na forma como eles conduzem suas pesquisas e apoiam as suas alegações. Quiropráticos, por exemplo, tem o que na minha opinião é uma cultura muito anticientífica. Seus tratamentos não são baseados na ciência; a ciência é um adendo, escolhido a dedo, para apoiar sua filosofia.
A cultura da acupuntura
O mundo da acupuntura tem sua própria cultura também. Dentro deste mundo há regras especiais e muito permissivas da ciência, que permitem a acupuntura a trabalhar com quase tudo. Uma tendência é olhar para tudo o que acontece localmente na pele quando você espetar uma agulha nela e, em seguida, declarar que é um “mecanismo da acupuntura.”
As regras da cultura da acupuntura também permitem uma definição distorcida do que a acupuntura é realmente, permitindo que a definição se adeque a qualquer coisa que a evidência mostre. É um truque puro e sutil que permite aos proponentes da acupuntura subverter completamente a finalidade da ciência.
A definição mais comum dada à acupuntura, mesmo pelos próprios estudos que, em seguida, violam essa definição, é a prática de “espetar agulhas de acupuntura” em “pontos de acupuntura”. A definição pode também incluir a obtenção de “de qi”, que é uma sensação percebida quando a agulha alcança a profundidade adequada ou é manipulada. O site “evidencebasedacupuncture.org“, por exemplo, dá esta definição:
“Acupuntura é o método de tratamento baseado em influenciar o corpo através da inserção de agulhas em pontos específicos do corpo humano, chamados acupontos.”
O problema desta definição (para acupunturistas) é que os estudos científicos cuidadosamente controlados mostram consistentemente que não importa onde você espeta agulhas, acupuntura não funciona. Para apoiar ainda mais esta conclusão, a percepção da eficácia da acupuntura não depende do grau de treinamento ou experiência do acupunturista (assim, o que eles estão aprendendo não tem nenhum efeito), mas apenas sobre o quão agradável ele é para o paciente. Em suma, a acupuntura é um placebo elaborado.
Uma estratégia para contornar esta evidência científica incômoda é redefinir a acupuntura como necessária. Dependendo dos resultados de qualquer estudo em particular, a acupuntura simulada (agulhas nas posições “erradas”) ou acupuntura placebo (sem penetração da agulha), também pode contar como acupuntura.
Além disso, é prática comum agora redefinir a estimulação elétrica transcutânea do nervo (TENS), como acupuntura. TENS é um tratamento que envolve, como o nome sugere, proporcionar pequena corrente não-dolorosa de eletricidade para modular a dor e outros sintomas subjetivos. TENS é provavelmente eficaz para a dor.
O que a comunidade acupunturista tem feito é magicamente transformar TENS em acupuntura e chamá-lo de eletroacupuntura, fazendo estimulação elétrica através de agulhas que eles chamam de agulhas de acupuntura (que são apenas agulhas finas). Mais uma vez, os pontos de acupuntura não importam – porque eles não existem.
Acupuntura para “hot flashes”
“Hot flashes” ou ondas de calor, é um sintoma comum e debilitante em sobreviventes de câncer de mama e em mulheres em período de menopausa e consiste em sensação repentina de calor, geralmente com mais intensidade na face, pescoço e peito.
Um novo estudo enquadra-se perfeitamente na estratégia de propaganda enganosa que é muito popular entre os proponentes da acupuntura. Eles observaram sobreviventes de câncer de mama com “hot flashes” e compararam quatro grupos: “eletroacupuntura” (EA), acupuntura simulada (SA), gabapentina (GP), e pílula placebo (PP). Eles encontraram:
“Na oitava semana, SA produziu uma redução significativamente maior na HFCS [pontuação composta de hot flahses] do que PP (-2,39; IC 95%, -4,60 para -0,17). Entre todos os grupos de tratamento, a redução média de HFCS foi maior no grupo EA, seguido por SA, GP, e PP (-7.4 v -5.9 v -5.2 v -3.4; P = < .001). Os grupos de comprimidos tiveram mais eventos adversos relacionados ao tratamento do que os grupos de acupuntura: GP (39,3%), PP (20,0%), EA (16,7%) e SA (3,1%), com P = 0,005. Na semana 24, a redução de HFCS foi maior no grupo EA, seguido por SA, PP, e GP (-8.5 v -6.1 v -4.6 v -2.8; P = .002).”
Os valores de p são para o resultado primário, que foi SA vs. PP. Eu pensei que era uma escolha estranha para o resultado primário – essencialmente uma competição entre dois placebos. No final o que este estudo mostra é que espetar agulhas em alguém tem um efeito placebo maior do que tomar uma pílula. Isso é algo que já sabíamos. Em geral, quanto mais invasivo o procedimento, maior o efeito placebo. Vale também salientar que você não pode alocar às cegas acupuntura ou pílula – os indivíduos sabem se eles estão sendo espetados ou tomando uma pílula.
A comparação entre a EA e SA não foi significativa. Mais uma vez então, sempre que você controla as variáveis que realmente definem acupuntura (pontos de acupuntura e inserção da agulha) não há nenhum efeito significativo.
Uma revisão sistemática de 2013, sobre acupuntura para “hot flashes” mostra essencialmente a mesma coisa:
“Não encontramos evidências insuficientes para determinar se a acupuntura é eficaz para controlar os sintomas vasomotores da menopausa. Quando comparamos acupuntura com acupuntura placebo, não houve evidência de uma diferença significativa no seu efeito sobre os sintomas vasomotores da menopausa. Quando comparada a acupuntura com nenhum tratamento, pareceu haver um benefício de acupuntura, mas acupuntura se mostrou menos eficaz do que a TH (terapia hormonal). Estes resultados devem ser tratados com muita cautela já que a evidência foi a baixa ou de baixa qiualidade e os estudos comparando acupuntura versus nenhum tratamento ou TH não foram controlados com TH placebo ou acupuntura placebo. Ainda faltaram os dados sobre os efeitos adversos.”
Esta conclusão é muito comum na literatura sobre acupuntura. Você quase poderia copiar e colar na conclusão de qualquer revisão sistemática sobre acupuntura e simplesmente substituir o nome da condição a ser tratada. Não há diferença entre a acupuntura e acupuntura simulada. Ao comparar a acupuntura com a não acupuntura há uma diferença, porque a comparação não é ocultada e a inserção da agulha tem um efeito placebo conhecido. No geral, a qualidade dos dados é fraca com elevada heterogeneidade.
Mais uma vez, o que é mais interessante é por que os autores decidiram gastar os recursos no estudo atual dado o status da literatura.
Conclusões: Por que, de fato?
A ciência médica progride através da concepção e realização de estudos mais e mais rigorosos, do controle de variáveis específicas, até que possamos dizer com um alto grau de confiança quais os riscos e benefícios de uma intervenção específica em um subconjunto específico de pacientes. A palavra-chave é “específico”.
A literatura da acupuntura inclui ocasionalmente algum estudo bem elaborado e conduzido. Um estudo sobre acupuntura para dor nas costas, publicado na revista “The Archives of Internal Medicine”, publicado em 2009, foi um desses estudos – excelentes grupos de controle isolando variáveis específicas. Contudo, em seguida, os autores estragaram tudo ao interpretarem seus próprios dados de forma completamente errada, confundido acupuntura com acupuntura simulada e acupuntura placebo.
Mais frequentemente vemos um estudo semelhante ao atual – que não foi projetado para realmente responder à questão se existe ou não qualquer eficácia específica para acupuntura. Nós já temos um monte de estudos de baixa qualidade, e agora temos mais um para jogar na pilha.
Quase parece que estes tipos de estudos são projetados não para perguntar se a acupuntura funciona, mas para mostrar que ela funciona. Os estudos parecem manipulados para ser positivo – é claro que haverá diferença na comparação entre inserir agulha e tomar uma pílula.
Há uma função para estudos preliminares em medicina. Eles nos dizem onde concentrar os nossos recursos e como projetar ensaios mais seguro e melhor. Eles não respondem se um tratamento funciona ou não.
Existem hoje milhares de estudos de acupuntura olhando para todas as indicações de que você pode imaginar. Já passamos há tempo dos estudos preliminares. Apesar de milhares de estudos, não há uma única indicação em que a acupunctura se mostrou eficiente com um alto grau de confiança. Neste momento eu diria que a acupuntura deve ser abandonada como um conceito científico. É uma hipótese que não adicionou nenhum conhecimento real para a nossa compreensão sobre saúde e doença.
Se, no entanto, você vai gastar recursos para fazer um estudo sobre acupuntura, certifique-se que seja rigoroso o suficiente para adicionar novas informações, e não apenas mais um estudo preliminar para jogar na pilha e obter uma nova rodada de manchetes enganosas sobre como a “acupuntura” funciona. Claro que uma pessoa cínica poderia suspeitar que este é o verdadeiro objetivo desses estudos.