Pular para o conteúdo

Onde está a grande descoberta da psicologia?

Texto original de Phil Banyard – Reader in Psychology, Nottingham Trent University.

Artigo originalmente publicado no The Psychologist pela British Psychological Society.

Tradução de Jerônimo Gregolini Pucci.

Se te pedissem para listar as cinco maiores conquistas em Psicologia, o que você iria dizer? Seja honesto, é provável que, por um instante, você fosse atrapalhadamente esboçar algumas palavras para então tentar desviar da questão. Fiz essa pergunta a alguns colegas e eles apresentaram sugestões como a teoria do apego, o modelo multiestágios da memória, ou até mesmo TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental). Eu não considero esta lista impressionante. Na verdade, para mim ela sugere uma terrível verdade – mesmo com todo barulho sobre ciência, todo equipamento extravagante e milhões de libras em financiamentos, nós não descobrimos nenhuma nova compreensão ou tecnologia sobre nosso principal assunto – nós mesmos.

Sim, nós produzimos estudos e papers que citam e excitam nossos colegas. Quando tratada da maneira correta, a Psicologia pode ser interessante para novelas e noticiários. Mas será que alguma coisa em Psicologia é mais do que meramente trivial? Uma definição padrão de Psicologia é que esta é “o estudo científico das pessoas, da mente e do comportamento”. Então quais são as manchetes das descobertas sobre pessoas, a mente e o comportamento? E será que esses achados igualam-se às descobertas das outras ciências?

Olhe para a Física. Ela dividiu o átomo, ela tem a gravidade, ela tem a teoria quântica, o Large Hadron Collider e o bóson de Higgs. Ela tem a teoria do Big Bang, que oferece uma explicação de como nosso universo foi formado. A Química tem a tabela periódica dos elementos, uma classificação de todas as substâncias no universo. A Biologia tem a evolução, uma teoria robusta de como nós viemos a estar aqui. Eu poderia continuar a elencar as ciências e suas descobertas.

“A Psicologia é uma ciência nova”, nós dizemos para nos desculpar da falta de grandes descobertas. Mas 150 anos não é tão pouco. Há ciências mais novas que têm muito mais a mostrar: a Eletrônica tem o microchip, a Genética mapeou o genoma humano.

O problema central concerne como nós desenvolvemos conhecimento em Psicologia. Para começar, as outras ciências têm teorias testáveis; a Psicologia tem hipóteses testáveis. Qual é a diferença? A teoria da relatividade geral proposta por Einstein fora apresentada pela primeira vez em 1915 e então espetacularmente testada em 1919, quando a luz mostrou-se curvar ao redor do Sol durante um eclipse solar como fora previsto pela teoria. A existência do bóson de Higgs foi prevista em teoria nos anos 1960, como um teste crucial do Modelo Padrão da física de partículas. Sua existência foi finalmente confirmada em 2013.

Qual teoria psicológica produz predições que podem ser testadas desta forma? Ou para ser mais desafiador, qual coleção de ideias em Psicologia que podemos chamar de teoria testável? Qual é o Big Bang da Psicologia?

Tratando-se do conhecimento em Psicologia, não estamos tanto descobrindo ele, mas sim inventando ele. Parecemos utilizar o método básico da ciência ao observar e categorizar o comportamento da mesma maneira que biólogos e médicos. Porém há uma diferença, e em nenhum outro lugar esta diferença é tão óbvia quanto no diagnóstico. Para diagnosticar-se catapora nós procuramos por três sintomas: febre, marcas no corpo que coçam e perda de apetite. É isto. Entretanto, se quisermos diagnosticar TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) nós procuramos por qualquer um dos 19 sintomas organizados em quatro categorias. Para fazer o diagnóstico de TEPT você precisa julgar que o paciente demonstra no mínimo oito destes sintomas ao longo das quatro categorias. Em outras palavras, duas pessoas podem não ter sequer um sintoma em comum e ainda assim terão o diagnóstico da mesma condição. Existem, na verdade, 636,120 maneiras de se ter um diagnóstico de TEPT (Galatzer-Levy & Bryant, 2013). Não estamos descobrindo transtornos, estamos os inventando e este processo nos dá os vários transtornos de conduta, problemas de fase da vida, problemas relacionais entre irmãos e tantos outros que vão surgindo enquanto nós, lentamente, mas certamente, patologizamos todo comportamento humano.

Bem, as coisas não vão nada bem para a teoria. Talvez nós tenhamos produtos transformacionais: coisas que nós inventamos que mudaram vidas? Se você fizer uma busca na Internet pelas maiores invenções científicas você terá sugestões como penicilina, telefones, baterias, ervilhas congeladas, lasers, pianos, radar, a própria Internet e, minha favorita, a frigideira antiaderente. Em nenhuma das listas eu achei uma invenção que você poderia reivindicar como sendo psicológica. Não estou clamando por uma invenção com o impacto dos antibióticos, contraceptivos, o avião, o motor de combustão interna… Mas certamente nós temos algo para corresponder à frigideira antiaderente, certo?

Isto não quer dizer que psicólogos não tenham nada a mostrar pelos seus esforços. Todavia, é certamente preocupante que para toda TCC nós temos uma terapia de memórias recuperadas, para toda teoria da atribuição nós temos uma testagem de QI feita em massa que oferece suporte a teorias e ações eugenistas.

Entretanto este não é um tratado de desespero, porque eu penso que a Psicologia contribui, sim, à nossa vida cotidiana – somente não da mesma maneira que as outras ciências. Em sua desafiadora palestra à APA (American Psychological Association) em 1969, George Miller pareceu chegar à mesma conclusão. Ele argumentou que nós estamos olhando para o lugar errado se estivermos esperando por grandes descobertas e aplicações. Ele sugeriu que a revolução virá em como pensamos sobre nós mesmos: “Acredito que o verdadeiro impacto da Psicologia será sentido não através de produtos tecnológicos que ela põe às mãos de homens poderosos, mas através de seus efeitos no grande público, através de uma nova e diferente concepção do que é humanamente possível e humanamente desejável” (Miller, 1969, p. 1066).

O brilhantismo da Psicologia é que ela proporciona uma explicação secular para nossa existência, nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos. Ela é uma extensão do Iluminismo, revertendo a neblina da superstição, misticismo e religião para promover compreensões sobre nós mesmos que não dependam de seres ou eventos sobrenaturais. E como o país se tornou mais e mais literato em Psicologia, essas compreensões se tornaram parte da maneira pela qual nós explicamos o mundo.

Portanto é ótimo que quando há uma atrocidade ou um crime de ódio são aos psicólogos, e não aos bispos, a quem comumente se pedem comentários. Talvez tenhamos muito pouco a dizer ou fazer, mas ao menos estamos olhando para nós mesmos para responder. Todavia eu continuo a invocá-los: Por favor, apenas me mostrem nossa frigideira antiaderente.

Nota do Editor

Quando Phil e eu discutimos sobre isto em uma noite na Society’s Annual Conference, eu sugeri moedas de uma libra e sinais de consciência de velocidade; Vaughan Bell sugeriu chocolates Black Magic e policiamento de multidões; e Tom Stafford sugeriu um simulador espacial para o pouso na Lua. Phil disse: “Sem ser estes.”

Vaughan desde então mencionou o botão Iniciar do Windows. Devem existir outros produtos físicos que poderiam achar lugar em um museu demonstrando a contribuição da Psicologia para a sociedade… Vocês me digam!

Referências

Galatzer-Levy, I.R. & Bryant, R.A. (2013). 636,120 ways to have posttraumatic stress disorder. Perspectives on Psychological Science, 8(6), 651–662.

Miller, G. (1969). Psychology as a means of promoting human welfare. American Psychologist, 24, 1063–1075.

Jerônimo Gregolini Pucci

Jerônimo Gregolini Pucci

Aluno do curso de graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, é diretor científico e membro fundador da Liga Acadêmica de Estudos e Pesquisa em Análise do Comportamento (LAEPAC), tendo também atuado como monitor da disciplina Epistemologia da Psicologia durante dois anos. Seus principais interesses são Epistemologia da Psicologia, Filosofia da Mente e Psicologia Experimental. Currículo na plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3641844837244839