Há alguns dias, no curso pré-vestibular que frequento, meu professor de História, Ciro Linhares, fez um questionamento interessante acerca de duas postagens de conteúdos discrepantes no Facebook feitas em nossos perfis (uma em cada), partindo da obsolescência de uma em contrapartida ao alto grau de informação da outra. A frase, com as mesmas palavras, proferidas pelo professor foi: “Enquanto eu posto um artigo científico sobre ditadura militar e consigo 3 curtidas, Josik posta uma foto com Orácio e consegue 400 curtidas.” [Para quem tiver curiosidade, Orácio é um frango de borracha, posto na imagem abaixo, que tenho e uso para tirar foto e irritar pessoas].
A situação foi colocada em pauta de forma enunciativa para facilitar a explicação da “revolução” do modo pelo qual as pessoas se comunicam, em uma aula focada no período da pós-modernidade e em Zygmunt Bauman (um dos maiores sociólogos da contemporaneidade). O professor, ao falá-la, discorria sobre a ânsia pela informação rápida, efêmera, que não requer conhecimento prévio nem leitura aprofundada para ter o entendimento. O entretenimento tornou-se mais importante que o conhecimento. Quando a circunstância veio à tona, senti uma imensa vontade de escrever um texto sobre, dando o devido aprofundamento ao relacionar tal desejo pelo cômodo com a dificuldade de promover o entendimento da ciência, mas havia um empecilho à inspiração (o ENEM) e, portanto, demorei a elaborar o artigo.
Ainda assim, descartando os obstáculos, a conclusão foi efetuada, mas, talvez, posteriormente, eu adicione mais algumas falas. Coincidentemente, um desses obstáculos, supracitado, é, talvez, algo que dificulte o entendimento da ciência e a busca pelo saber. Construir um conhecimento vira algo obsoleto, em detrimento do condicionamento de um aluno para passar em um teste, entrar na universidade com mínima noção de epistemologia e tornar-se apenas mais um estudante que preza pela quantidade de artigos publicados (mesmo que de exímia redundância) e adota pseudociências de forma cega – engolindo qualquer proposta sem nenhum ceticismo organizado -, mesmo que essas contradigam o conhecimento passado ao aluno dentro de seu próprio curso (como vários biólogos que apoiam o criacionismo científico ou médicos que recomendam remédios homeopáticos), ou anarquizam o conhecimento, sendo cético até mesmo àquilo que lhe sejam apresentadas as evidências. Passar em vestibular, pois, não é pressuposto para determinação de intelectualidade (nem mesmo em medicina, conforme muitos pensam). Porquanto ainda ache que deva haver um filtro de alunos para determinado curso, ainda acho que o sistema atual não é tão satisfatório; no entanto, esse não é a problemática que venho abordar.
O que quero destacar, neste texto, é a compreensível aversão ao conhecimento científico que alguns possuem simplesmente pelo fato dele ser complexo. Em contraposição, acabam acatando, algumas vezes, pseudociências. O leitor concorde, talvez, comigo nesse ponto e responda, provavelmente, às primeiras opções das seguintes perguntas: É mais fácil entender a engenharia genética, com suas construções e cruzamentos, ou sair proliferando cartazes apelativos repletos de ignorância falando que os transgênicos fazem mal? É mais fácil admitir que os astros não nos influenciam e saber os processos físico-químicos de seu interior ou simplesmente dar a desculpa da atração gravitacional para dizer que eles exercem algo relevante sobre nossos corpos? É mais fácil aceitar que a homossexualidade e a identidade de gênero são naturais (com muitos fatores biológicos) ou dizer que é uma construção social simplesmente porque já viu alguém “virar homem”? É mais fácil saber que o aquecimento global existe ou fazer conspirações contra grandes empresas? É mais fácil entender o método científico meticulosamente ou acusar a ciência de parcialidade simplesmente porque você quer que ela seja assim? É mais fácil dizer que um deus criou tudo ou que, se não criou, guiou a evolução das espécies ou entender a seleção natural? É mais fácil colocar o peso da ignorância nas costas, admitindo-a, e sair em busca do conhecimento ou proferir sentenças apedeutas que não requerem nenhum saber significante prévio para serem faladas? Não posso ter tanta certeza ao afirmar isso, mas creio que a última opção seja escolhida pelo massageamento do próprio ego, através da sensação falsa de que o conhecimento que muitos cientistas demoraram para estruturar foi atingido sem nenhum esforço, chegando ao ponto até de refutá-los.
O leitor deve ter percebido onde quero chegar. A informação (ou desinformação) rápida, simples, sucinta e acolhedora, embora errada, é mais confortante que a complexidade do conhecimento científico. Poderia dizer que ela é mais confortante que a própria verdade. Não que a ciência seja uma verdade (uma vez que “a verdade não é uma coisa, portanto, não pode ser alcançada; o que a ciência faz é procurar discursos verdadeiros sobre a realidade”, bem como já dizia meu amigo Douglas Rodrigues, fundador deste site) nem que os indivíduos abordados não estejam querendo alcançar a verdade. O que eles fazem é sim tentar alcançar a verdade (assim como creio que toda pseudociência faz), no entanto, de uma forma mais simples.
Possa ser uma tendência humana ou não o comportamento citado. Mas, considerando que a mesma situação foi repetida na comparação feita pelo meu professor quanto aos compartilhamentos de nossas postagens, posso, no mínimo, inferir uma causa ao problema do entendimento científico atual. Vi um texto, recentemente, sobre uma afirmação do cineasta Fernando Meirelles, a qual dizia, para alguns cientistas, que “ninguém liga pro seu sapo”, ao falar sobre uma espécie desse animal ameaçados de extinção. Realmente, não há população leiga que se importe com animais em extinção. “Cientistas precisam aprender a se comunicar com o público por meio de histórias, não de estatísticas, disse o cineasta […] Não adianta falar que um sapo está ameaçado de extinção se a pessoa que está ouvindo não sabe nada sobre a história daquele bicho.” Como solução, o cineasta propôs, também, o apelo à emoção. Não creio que seja a proposta mais viável; prefiro que a informação científica seja “descomplexificada” e que o sujeito interessado nela busque a complexidade gradativamente, na forma conveniente. Caso isso não seja feito, teremos de lidar, ainda por muito tempo, com pessoas do tipo e, sinto muito, enquanto ainda preferirem um frango barulhento a um artigo da ditadura militar (sei que não são fatores excludentes e nem foram as mesmas pessoas, mas a situação é bem clara e exemplar), o pessimismo estaria apenas sendo confirmado.