Texto original de Frederick L. Coolidge – Psychology Department, University of Colorado.
Artigo originalmente publicado no How To Think Like a Neandertal pela Psychology Today.
Tradução de Jerônimo Gregolini Pucci. Revisão de Natália Brambatti Guzzo.
Recentemente, Chomsky e colegas (Bolhuis, Tattersal, Chomsky, & Berwick, 2014) publicaram um artigo intitulado How Could Language Have Evolved? (“Como a Linguagem Poderia Ter Evoluído?”, em tradução literal). A grande ironia do título é que seus autores argumentaram, essencialmente, que a linguagem não evoluiu. De acordo com a Tese Minimalista Estrita (Strict Minimalist Thesis) destes autores, a linguagem apareceu repentinamente cerca de 70.000 a 100.000 anos atrás, e eles afirmam que ela parece não ter se modificada desde então. Em suas mentes, a linguagem humana moderna é tão especial e tão única que estudos sobre comunicação animal são inúteis à compreensão da faculdade humana da linguagem, além de também serem inúteis os estudos sobre aprendizagem auditiva e vocal. Como eles argumentam, estudos auditivos e vocais podem ser úteis para a compreensão da fala, mas não da linguagem. Hauser, Chomsky, e Fitch (2002) definem linguagem de duas maneiras: FLS = Faculdade de Linguagem Stricto Sensu (somente humanos a possuem), e FLL = Faculdade de Linguagem Lato Sensu. Esta última maneira pode ser utilizada para referir-se à comunicação animal. Sendo assim, a FLS é um subconjunto da FLL.
Chomsky e colegas são espertos e evasivos, em minha opinião. Os colegas de Chomsky dependem do absurdo argumento chomskyana que dita que a linguagem apareceu “do nada” em um humano, provavelmente por expressão de um gene (ou combinação genética?), cerca de 70.000 a 100.000 anos atrás. Esta extraordinária forma de comunicação resultante foi tão incrível e maravilhosa a ponto de perpassar toda a raça humana existente e voilà, aqui estamos com o sistema cognitivo hierarquicamente estruturado que une todos nós. Primeiramente, a contenda de Chomsky tem pouco ou nenhum suporte genético. Um gene não causa, repentinamente, linguagem hierarquicamente estruturada. Mas este é um dos argumentos espertos e evasivos: É possível que alguma mutação genética tenha alterado a FLL naquele tempo, mas estes autores raramente, se alguma vez, invocam a teoria cognitiva de qualquer outra pessoa (e.g., memória de trabalho, um modelo cognitivo predominante nas últimas 4 décadas). Ademais, uma vez que Chomsky pronunciou que a linguagem não evoluiu, segue-se logicamente, então, que ela não poderia estar sujeita à seleção natural. Note bem que Chomsky não deu detalhes sobre o motivo de a linguagem não estar sujeita à seleção natural e, além disso, ele apresenta o argumento críptico de que ela não evoluiu para propósitos comunicacionais. Chomsky e seus colegas propõem, todavia, que a linguagem pode ter se desenvolvido para a navegação espacial, mas com pouca ou nenhuma elaboração sobre o tema (veja Hauser, Chomsky, & Fitch, 2002, e Fitch, Chomsky, & Hauser, 2005).
É claro, outra grande ironia do pensamento chomskyano é que parte de sua fama desenvolveu-se no início da década de 1970 por criticar a teoria behaviorista de B. F. Skinner e sua confiança em estudos empíricos e observações. Enquanto isto, Chomsky evita estudos empíricos sobre a aquisição da linguagem na infância e ignora virtualmente todos estudos acerca das fundações da linguagem. Interessantemente, naquele tempo, ele endossava o uso de evidências neurofisiológicas as quais ele dizia faltar a Skinner, enquanto, hoje, sua atual hipótese não possui tais evidências. Na verdade, no artigo de Bolhuis et al., a Figura 2 (“A crude plot of average hominid brain sizes over time”) (“Uma rude demarcação dos tamanhos médios de cérebros de hominídeos ao longo do tempo”, em tradução literal) combina o tamanho do cérebro Neandertal com o cérebro do Homo sapiens em uma única imagem. Suponho que devemos perdoar tal superimposição porque a figura tem a legenda “A crude plot…”, mas, ainda assim, isto parece imperdoável já que paleoneurologistas têm mostrado repetidamente não somente um cérebro cerca de 10% maior em Neandertais quando comparado ao cérebro dos existentes Homo sapiens, como também um engrandecimento parietal nestes últimos (Homo sapiens), mas não nos primeiros (Neandertais) (e.g., Bruner, 2004, 2010). O fato de haver evidências empíricas “neurofisiológicas” para o envolvimento do lobo parietal na memória de trabalho espacial, apreciação numérica, senso de si mesmo, e várias outras funções cognitivas me parece ser consequência disso.
Até mesmo a evidência de Bolhuis et al. para o comportamento simbólico há cerca de 80.000 anos é questionável. Miçangas e ocre gravado podem indicar pensamento simbólico, mas uma hipótese mais simples é que eles marcavam alguma coisa. Se eles eram usados como uma correspondência um-para-um a fim de que se realizasse a contagem algo ou se as miçangas significavam uma aliança entre grupos é algo provocativo, mas alegar que estes objetos são evidência “indireta” para o repentino aparecimento da linguagem é enganador e insincero. Todavia, meus argumentos seriam insinceros se eu simplesmente criticasse ao invés de oferecer alternativas. Elas são as seguintes:
Era uma vez a FLL. Esta ampla forma de comunicação provavelmente evoluiu por propósitos sociais, especialmente nos primatas há cerca de 80 milhões de anos. As comunicações verbais deles provavelmente os ajudaram a competir com outros animais por frutas nutritivas, o que os ajudou a abastecer cérebros maiores. Quando os australopithecines (“Lucy”) fizeram a transição completa para a vida terrestre há aproximadamente 2 milhões de anos (tornando-se Homo erectus), cérebros maiores foram mais uma vez naturalmente selecionados por seus usos sociais em grandes grupos (i.e., a hipótese do cérebro social) e por extrair mais recursos do ambiente (i.e., a hipótese do forrageamento extrativo). Então, um evento genético (epigenético ou através de outra maneira) ocorreu nos recentes ancestrais do Homo sapiens, tais como o Homo idaltu há cerca de 200.000 anos. Este evento genético foi pequeno, mas significativo, e pode não ter ocorrido diretamente na faculdade da linguagem per se, mas em algum mecanismo cognitivo importante e relacionado, tal como a capacidade de memória de trabalho (veja Baddeley, 2002; Wynn & Coolidge, 2010). Meu colega Thomas Wynn e eu chamamos o resultado deste evento geneticamente influenciado de “memória de trabalho aprimorada” (MTA). Entretanto, aqui é onde, reconhecidamente, ficamos evasivos. Nós apresentamos um número de possibilidades sobre a sua natureza. Por exemplo, a MTA ocorreu devido ao fato de que o armazenamento fonológico tornou-se maior, i.e., nós poderíamos manter mais informações em nossa memória acústica? Quais seriam as vantagens desta hipótese? Primeiro, ela pode permitir recursão, isto é, embutir uma frase dentro de outra frase. Segundo, ela pode ter ocorrido no componente visuoespacial da memória de trabalho. Dados a existência de evidência empírica para uma expansão recente do lobo parietal e o papel demonstrado deste último na memória visuoespacial, esta hipótese faz sentido. Ou, então, este pequeno, mas significativo, evento genético ocorrido há aproximadamente de 200.000 anos afetou um domínio geral da capacidade de memória de trabalho? Infelizmente, parece ser muito difícil mensurar a capacidade de memória de trabalho fora de um domínio específico. Mas esta é outra história…