Por Jonathan O`Callaghan
Publicado na IFL Science
O filme “Perdido em Marte” foi anunciado como um dos filmes de ficção científica mais cientificamente precisos de todos os tempos. Nós vimos o filme, e nós temos que admitir, é incrível o quão longe chegamos desde “Armageddon”. A NASA ficou tão impressionada, que usou o filme como uma campanha de marketing para suas reais missões tripuladas a Marte em 2030.
Baseado no livro de mesmo nome por Andy Weir, em si elogiado por sua precisão, o diretor Ridley Scott pediu a NASA para checar o filme e garantir que tudo saiu correto. Mas será que eles conseguiram? Aqui nós escolhemos alguns erros e acertos através da ciência no filme, com a ajuda de alguns especialistas, para ver se “Perdido em Marte” é mesmo merecedor de seus elogios.
Esteja avisado, no entanto, que existem alguns spoilers neste post. Então, se você ainda não leu o livro ou viu o filme ainda, corra esse risco.
A tempestade de poeira
A tempestade de poeira que define tudo no início do filme não é precisa. Embora Marte tenha as tempestades de areia, a pressão atmosférica é tão baixa que o vento é insignificante, apesar do próprio pó ser prejudicial.
“As tempestades de poeira certamente ocorrem em Marte, que recebe ventos de mais de 160 km/h” diz Dave Lavery, do Programa Executivo de Exploração do Sistema Solar na sede da NASA e um consultor para o filme. “Mas um vento de 160 km/h em Marte, com a atmosfera tão fina, tem a mesma inércia e pressão dinâmica para baixo na superfície como um vento de 18 km/ h na Terra. Não vai ter o tipo de energia para mover grandes objetos da maneira que é retratado no livro e no filme”.
Para ser justo, Andy Weir prontamente admite que a tempestade de poeira foi usada simplesmente para mover a trama e deixar Mark Watney encalhado em Marte. Mas não vamos deixá-lo sair impune.
Fato ou ficção? Ficção.
Dinâmica orbital
Talvez um dos melhores aspectos factuais do filme é a precisão do tempo de viagem entre a Terra e Marte. Enquanto alguns filmes de ficção científica têm os personagens que passam zunindo de ponto a ponto, “Perdido em Marte” revela a realidade brutal do voo espacial: levaria cerca de oito meses para chegar em Marte com a tecnologia atual.
“Esta não é apenas uma história, o autor fez cálculos reais”, diz Rudi Schmidt, gerente de projeto da ESA para a Mars Express e também um consultor no filme.
Fato ou ficção? Fato.
Solo marciano
No filme, depois de ficar encalhado na superfície, Watney usa uma combinação de seus próprios excrementos, água e solo marciano para fazer crescer as batatas. Mas será que o solo marciano, na verdade, é de alguma utilidade? Não é estéril e morto?
“Em termos de conteúdo mineral básico e conteúdo químico, sim, seria possível cultivar plantas em solo marciano”, disse Lavery. “Na verdade, temos experiências acontecendo agora usando um simulado do solo de Marte, e isso indica que é uma ideia muito realista”.
Fato ou ficção? Fato.
Radiação
Gastar qualquer quantidade de tempo prolongado no espaço, como meses ou anos, aumenta o risco de desenvolver uma doença relacionada com a radiação, como o câncer. Astronautas modernos ficam nos limites seguros da magnetosfera da Terra, enquanto os astronautas da Apollo passaram apenas alguns dias na Lua.
Mas em Marte, cada tripulação Ares estava gastando até um mês na superfície. É provável que o habitat como retratado no filme possa ser um pouco diferente em uma futura real missão a Marte; pode ser até necessário submergir parcialmente no solo, fornecendo proteção natural contra a radiação.
“A realidade é que eu acho que as pessoas vão ir para o subterrâneo, para se proteger contra a radiação do Sol”, disse Schmidt. “As estruturas estarão na superfície, mas as máquinas serão usadas para protegê-las com a areia de Marte”.
E o que dizer de Watney, que gasta mais de um ano na superfície, muitas vezes com nada mais do que seu traje espacial para a proteção? Bem, apesar de os níveis de radiação em Marte serem menores do que o esperado, é possível que ele tenha consideravelmente aumentado seu risco de câncer, embora fosse pouco provável que tivesse quaisquer efeitos imediatos durante sua estadia. Vamos tratar esse quesito como um empate.
Fato ou ficção? Empate.
Decolando de Marte
Para deixar o planeta vermelho, cada tripulação Ares utiliza uma Mars Ascent Vehicle (MAV). No livro, ele explicou como ela arranca metano da atmosfera marciana para criar combustível. Depois disso, o foguete acelera até uma velocidade orbital que permite o encontro e o encaixe com a nave espacial Hermes, que então traz os astronautas de volta à Terra. Factível?
No momento, não. NASA admite que este é um dos maiores obstáculos para futuras missões a Marte. Eles simplesmente não sabem a logística de decolar de Marte, e todas as incógnitas que traz consigo. Basta pensar em decolar da Terra; embora existam centenas de lançamentos a cada ano, alguns terminam em fracasso. Marte tem 30% da gravidade da Terra e uma atmosfera considerável, por isso não vai ser fácil. “Decolar de Marte é um dos maiores problemas que estamos trabalhando no momento”, disse Lavery.
Para descobrir como isso pode ser feito, a NASA está planejando uma missão de retorno de amostras nos anos 2020. O plano experimental no momento é para os atualmente anônimos 2020 Mars rover, que irão coletar amostras e deixá-las na superfície, o que vai ser pego por uma sonda mais tarde e lançado de volta à Terra. “Isso iria formar a nossa base para a mesma tecnologia e técnicas para uma missão humana”, disse Lavery.
Portanto, este quesito é ficção, no momento – mas apenas porque ainda não sabemos como fazer a decolagem.
Fato ou ficção? Ficção.
Tornados em Marte
No filme, você pode se surpreender ao ver tornados gigantes aparentemente rasgando da superfície para o céu. Se a atmosfera marciana é tão fina, eles podem realmente se formar? Sim é mais ou menos possível.
Marte tem tornados na forma de diabos de poeira, redemoinhos que chicoteiam detritos na superfície. Eles podem ser de até meia milha de altura, embora ainda relativamente finos, de modo que podem não se parecer tão dramáticos como no filme. Mas são impressionantes: em 2005 o rover Spirit realmente conseguiu capturar um em ação na superfície.
Fato ou ficção? Fato.
Comunicando-se com a Terra
Quando o sistema de comunicações no habitat de Watney é destruído na (questionável) tempestade, ele não tem nenhuma maneira de se comunicar com a Terra até furtar a sonda Pathfinder e o rover Sojourner, que pousaram em Marte em 1997. Eles ficaram em silêncio sobre a superfície depois de apenas alguns meses, mas poderia realmente Watney reaproveitá-los e fazer contato com a Terra de novo?
“Teoricamente, seria absolutamente possível”, disse Lavery, e ele deve saber como, já que trabalhou na missão Pathfinder. “A sonda está parada por lá desde 1997, e deixou de operar porque as baterias finalmente drenaram e cederam. Mas se você substituí-las e recarrega-las, todo o resto ainda deve estar funcionando. “
Houston, nós temos a solução.
Fato ou ficção? Fato.
Gravidade em Marte
Watney se move de uma forma semelhante à Terra em Marte, mas na realidade o Planeta Vermelho tem cerca de 30% da gravidade que nosso próprio planeta tem, ou seja, o movimento seria um pouco diferente. A NASA prevê que a forma mais eficiente para andar em Marte será uma marcha em algum lugar entre alguns movimentos aleatórios e pulos. Podemos apreciar por qual razão isso não foi retratado desta forma no filme, mas hey, uma vitória é uma vitória para a ficção.
Fato ou ficção? Ficção.
O habitat
Muito preciso. A ideia de usar um habitat inflável, que é o que é usado no filme, é aquela que está sendo seriamente considerada. Com efeito, logo um módulo inflável da empresa Bigelow Aerospace será ligado ao ISS, e um descendente do que poderia ser usado em Marte.
Se um habitat inflável poderia lidar com o piso liso em Marte é uma outra questão; como as coisas infláveis tendem a querer formar uma bola, na atmosfera marciana fina a pressão em um habitat com um ambiente parecido com a Terra dentro pode ser demais. Mas é possível.
Fato ou ficção? Fato.
Conclusão
No geral, marcamos cinco para fatos, três para ficção e um para empate. E apenas “escovamos a superfície” – havia muitas outras coisas que podiam ser avaliadas, incluindo a estética em Marte, os trajes espaciais, o uso de painéis solares, a nave espacial Hermes, os sistemas de apoio à vida, e assim por diante. Por outro lado, não há coisas muito erradas, além de talvez a velocidade com que os astronautas vão da nave espacial Hermes para o espaço sem a preparação adequada.
Claro, também deixamos de fora algumas queixas, mas são coisas triviais. E em comparação com outros filmes (*cof cof* “Armageddon” * cof cof *), elas são triviais. Nós temos que dizer “Perdido em Marte” é merecedor de seus aplausos científicos.