Por Ethan Siegel
Publicado no Medium
A cada polegada extra de abertura, a cada segundo adicional de tempo de observação, a cada átomo que causa interferência atmosférica que você remove do campo de visão de seu telescópio, te torna capaz de ver o Universo melhor, mais profunda e claramente. Quando o Telescópio Espacial Hubble começou a operar em 1990, marcou o início de uma nova era na astronomia: o da astronomia observada diretamente do espaço. Já não precisamos lutar com a atmosfera; já não nos preocupamos com nuvens; a cintilação eletromagnética não é mais um problema. Tudo o que precisamos fazer é apontar nosso telescópio para o alvo, estabilizá-lo, e coletar fótons. Nos 25 anos seguintes, começamos a cobrir todo o espectro eletromagnético com nossos observatórios espaciais, obtendo nosso primeiro verdadeiro vislumbre de como o Universo realmente se parece em cada comprimento de onda da luz.
Nosso conhecimento aumentou assim como nossa compreensão sofisticada do desconhecido. Quanto mais olhamos para longe no Universo, mais para trás no tempo olhamos: a quantidade finita de tempo desde o Big Bang, juntamente com a velocidade da luz finita garante que existe um limite para o que podemos ver. Além disso, a expansão do próprio espaço atua contra nós, esticando o comprimento de onda da luz emitida pelas estrelas na medida em que ela viaja através do universo em relação aos nossos olhos. Até mesmo o telescópio espacial Hubble, que nos deu a imagem mais profunda e mais espetacular do Universo, é limitado.
O Hubble é um incrível equipamento, mas é fundamentalmente limitado de várias maneiras:
- Tem apenas 2,4 metros de diâmetro, o que limita seu poder de resolução quanto mais longe olhamos no espaço.
- Apesar de ser revestido de materiais refletores, ele passa todo o seu tempo na luz solar direta, que o aquece. Isto significa que o calor não permite observar comprimentos de onda de luz maiores que cerca de 1,6 micrômetros, devido aos efeitos térmicos.
- E a combinação dessas limitações permite que ela veja “apenas” galáxias que têm cerca de 500 milhões de anos.
Essas galáxias são bonitas, distantes e são de quando o Universo tinha apenas cerca de 4% de sua idade atual. Mas sabemos que as estrelas e galáxias existem desde muito antes.
Se quisermos vê-las, precisamos de maior sensibilidade. E isso significa observar comprimentos de onda mais longos, a temperaturas mais baixas e com um telescópio maior do que o Hubble, tudo isso do espaço. Essa é a maneira de conseguirmos. E é por isso que estamos construindo o Telescópio Espacial James Webb.
O Telescópio Espacial James Webb (JWST) foi projetado para superar exatamente essas limitações: com um diâmetro da área de captação de luz de 6,5 metros (coletando 7 vezes mais luz que o Hubble), a capacidade de fazer espectroscopia de altíssima resolução entre 600 nanômetros e 6 mícrons (cerca de 4 vezes o comprimento de onda que o Hubble consegue detectar), a capacidade de fazer que instrumentos para infravermelho médio funcione com mais sensibilidade que nunca, e tudo isso abaixo da temperatura de Plutão para manter a temperatura do infravermelho a -266°C, o JWST deve ser capaz de fazer o que nenhum outro foi capaz.
Em especial, isto significa:
- Observar as primeiras galáxias que surgiram;
- Ver através do gás neutro e sondar as primeiras estrelas e a reionização do Universo;
- Fazer análise espectroscópica das primeiras estrelas (População III) formadas após o Big Bang;
- E, possivelmente, algumas surpresas incríveis, como descobrir como os primeiros buracos negros supermassivos e quasares se formaram no Universo.
A ciência que iremos aprender com o JWST é diferente de qualquer outra coisa que já aprendemos, e é por isso que ele foi escolhido como o carro-chefe das missões da NASA desta década.
Do ponto de vista técnico, o JWST é uma obra incrível de trabalho. Aqueles de vocês que estão acompanhando o prejeto há um tempo, pode se lembrar de como o programa tropeçou no orçamento e se atrasou, correndo o risco de ser cancelado. Quando a nova administração entrou em cena, porém, tudo mudou. O projeto foi subitamente muito bem gerenciado, os subsídios foram feitas e orçamentado com folga para evitar enganos, erros, fracassos e desafios e, até agora, a equipe do JWST atingiu cada prazo e fez cada entrega dentro do cronograma e dentro do orçamento. Eles estão programados para lança-lo em 2018. Há quatro principais peças no JWST, e aqui está o status de cada uma.
O módulo óptico. Inclui todos os espelhos: dezoito espelhos primários segmentados de ouro que serão utilizados para recolher a luz das estrelas distantes e focá-la para os instrumentos poderem analisar. Esses espelhos estão completos e impecáveis, e estão bem no horário para a instalação (o espelho 14, mostrado acima, foi instalado 19 de janeiro). Quando estiver tudo completo, esses espelhos serão dobrados e guardados, e lançados a mais de um milhão de quilômetros da Terra para o ponto Lagrange L2, e depois roboticamente desdobrado para criar essa estrutura de favo de mel que reunirá a luz ultra-distante durante os próximos anos. É o resultado bem sucedido de um esforço hercúleo de muitos colaboradores.
Instrumentos científicos. Há quatro destes, e todos eles são 100% completos! Eles são:
- A Câmera de Infravermelho Próximo, principal câmera de imagem do James Webb. Estendendo-se da luz visível à luz laranja no infravermelho, ele deve ser capaz de nos dar uma vista sem precedentes das primeiras estrelas, das galáxias mais jovens em processo de formação, jovens estrelas na Via Láctea e nas proximidades galáticas, centenas de novos objetos no Cinturão de Kuiper, além de estar otimizado para gerar de imagens diretas de planetas em torno de outras estrelas. Esta será a principal câmera usada pela maioria dos observadores no JWST.
- O Espectrógrafo de Infravermelho Próximo que não só divide o luz de objetos individuais distante em seus comprimentos de onda, como pode fazer isso com mais de 100 objetos ao mesmo tempo em uma única imagem! Este cavalo de batalha será o espectrógrafo multiuso do Webb, capaz de três modos diferentes de espectroscopia. Foi construído pela Agência Espacial Europeia, mas com muitos componentes fornecidos pelo Goddard Space Flight Center/NASA. Este instrumento foi robustamente testado e está completo.
- O Instrumento de Infravermelho Médio será o mais útil para a geração de imagens de banda larga em todo o campo, o que significa que ele nos dará as imagens visualmente mais impressionantes de todos os instrumentos do Webb. Cientificamente, será mais útil para a medição de discos proto-planetários ao redor de estrelas incrivelmente jovens, medição/imagiologia dos objetos no Cinturão de Kuiper numa precisão sem precedentes, e poeira aquecida pela luz das estrelas. Este será o único instrumento criogenicamente resfriado: a menos de -266°C. Isso vai melhorar o que, por exemplo, o Telescópio Espacial Spitzer viu em cerca de 100 vezes.
- E o último dos quatro instrumentos, o Near-InfraRed Imager and Slitless Spectrograph (NIRISS), que permitirá que o Webb realize espectroscopia em um amplo campo de comprimentos de onda infravermelho próximo (1,0-2,5 microns); espectroscopia de único objeto sobre comprimentos de onda visíveis e infravermelhos (0,6-3,0 microns); abertura de mascaramento de interferometria entre 3,8-4,8 µm (onde esperamos ver as primeiras estrelas e galáxias); e imagiologia de banda larga em todo seu campo de visão. Este instrumento foi construído pela Agência Espacial Canadense, e depois de passar pelo teste criogênico, também está completo e integrado no módulo de instrumento.
Proteção solar. Esse é novo! Esta é uma das partes mais assustadoras de qualquer missão: o material novo. Em vez de resfriar toda a nave espacial com algum tipo de líquido de refrigeração descartável/consumível, o JWST usa uma nova tecnologia: uma proteção solar de 5 camadas, que desdobrará e bloqueará o calor do sol de toda a nave espacial. Essas cinco folhas de 25 metros de comprimento serão mantidas esticadas por hastes de titânio que se desdobrarão quando toda a nave espacial partir. A proteção solar foi testada intensivamente em 2008 e 2009, e os modelos de grande escala para testes laboratoriais passaram em tudo o que foram submetidos aqui na terra. É verdadeiramente uma coisa inovadora.
Este é também um conceito incrível: você não apenas bloqueia a luz do Sol e coloca o telescópio na sombra, você se certifica de que todo o calor é irradiado na direção oposta ao telescópio! A estrutura de cinco camadas no vácuo do espaço significa que cada camada fica progressivamente mais e mais fria, até se aproximar do equilíbrio. Enquanto a camada mais externa vai estar um pouco mais quente do que a temperatura da superfície da Terra – algo em torno de 76-86°C – quando chegar ao final da quinta camada, a temperatura deve ficar abaixo de -235°C, ou mais frio do que a superfície de Plutão durante a noite.
Além disso, existem algumas precauções para proteger o protetor contra o meio ambiente catastrófico do espaço profundo. Uma das coisas preocupantes para todo projeto espacial são as pequenas pedras – do tamanho de cascalhos, grãos-de-areia, ciscos e até mesmo menor – que voam através do espaço interplanetário a dezenas ou mesmo centenas de milhares de quilômetros por hora. Estes micrometeoritos podem rasgar e perfurar pequenos buracos, microscópicos, em tudo o que encontram: cascos de naves espaciais, os trajes dos astronautas, espelhos de telescópio e muito mais. Enquanto os espelhos só seriam ligeiramente prejudicados ou amassados, reduzindo a quantidade de “luz boa” disponível, o proteção solar poderia desenvolver uma ruptura de ponta a ponta, se tornando inútil. Então, eles fizeram algo brilhante para combater isso.
Eles compartimentaram cada pedacinho da proteção solar, de modo que se um pequeno rasgo aparecer em um, ou dois, ou mesmo três partes, não vai necessariamente tornar a camada inteira inútil por espalhamento, como uma rachadura no para-brisa de um carro pode se espalhar. Em vez disso, o corte deve manter a estrutura geral intacta, uma precaução importante contra a degradação. E finalmente…
Os sistemas de montagem e controle para ônibus espaciais. Este é o componente mais comum, todos os telescópios espaciais e missões científicas precisam deles. E isso também está pronto. Só falta terminar a proteção solar, concluir a instalação dos espelhos, montar tudo, fazer o teste apropriado, e vamos estar pronto para o lançamento em dois anos.
Se as coisas correrem bem, estamos indo para o próximo grande salto científico. A cortina de gás neutro – atualmente obscurecendo a nossa visão das primeiras estrelas e galáxias – será afastado por este telescópio com capacidade de infravermelhos e um enorme poder de captação de luz a partir do espaço. Ele será o maior e mais sensível telescópio ao longo de um comprimento de onda enorme, de 0,6 mícrons a cerca de 28 microns (onde o olho humano pode ver entre cerca de 0,4 a 0,7 microns), já construído. Se for lançado, desdobrado e operado corretamente, como esperamos, teremos uma década cheia de observações. De acordo com a NASA:
“O tempo de vida da missão do Webb após o lançamento será entre 5 anos e meio e 10 anos. A vida útil é limitada pela quantidade de combustível utilizado para a manutenção da órbita, e pela vida útil de todos os sistemas eletrônicos e dos hardwares no ambiente inóspito do espaço. O Webb vai transportar combustível para uma vida de 10 anos, o projeto vai fazer testes para garantir 5 anos de operações científicas a partir do final do período de de 6 meses de comissionamento após o lançamento”.
O fator limitante principal é a quantidade de combustível a bordo, necessário para manter o funcionamento do telescópio em órbita e apontando com precisão em seus alvos. Quando o combustível se esgotar, ele vai se afastar do ponto Lagrange L2, entrando em uma órbita caótica nas proximidades da Terra.
Outras coisas que podem falhar são:
- Degradações dos espelhos, que irá impactar na quantidade de luz captada e vai criar defeitos de imagem, mas que ainda permitirá que o telescópio seja utilizável;
- A falha de uma parte ou da totalidade da proteção solar, o que irá aumentar a temperatura do telescópio e estreitar as faixas de comprimento de onda utilizáveis para o infravermelho muito próximo (para apenas 2-3 microns);
- E o líquido de refrigeração no instrumento infravermelho médio ser consumido; isso tornaria o instrumento inutilizável, mas não afetaria os outros instrumentos (de 0,6 a 6 microns).
O cenário assustador é que o telescópio não inicie ou não seja implementado corretamente, e é exatamente contra isso que os testes sendo feito (e passando, por sinal) asseguram.
Se o JWST funcionar como esperado, irá transportar combustível suficiente para operar de 2018 até 2028, e embora nunca tenha sido feito, existe o potencial para uma missão de reabastecimento robótico (ou parafusado, se a tecnologia se desenvolver até lá), o que poderia aumentar a vida útil do telescópio em mais uma década. Assim como Hubble está em operação há 25 anos, o JWST poderia dar-nos uma geração de ciência revolucionária se as coisas funcionarem tão bem quanto podem. É o futuro da astronomia, e após mais de uma década de trabalho árduo, ele está quase na hora de ser concretizado. O futuro dos telescópios espaciais está quase aqui!