Artigo traduzido de Slate. Autor: Phil Plait.
Melhor começar a polir algumas novas medalhas do Prêmio Nobel: cientistas relataram que, pela primeira vez na história, ondas gravitacionais foram detectadas.
E sim, isto é algo muito importante. Abrirá um campo totalmente novo na astronomia, uma nova maneira de observar o Universo. Sério mesmo.
Ondas gravitacionais (para não ser confundido com ondas de gravidade, que são uma coisa totalmente diferente) são ondulações no tecido do espaço-tempo, causadas quando um objeto de grande massa é acelerado. No momento em que chegam aqui, vindas de objetos astronômicos distantes, as ondas têm uma energia incrivelmente baixa e são fenomenalmente difíceis de detectar, levou um século para descobri-las, desde que foram previstas pela primeira vez pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Essencialmente, todas as outras previsões da RG foram encontradas, mas a existência das ondas gravitacionais foi irritantemente difícil de provar diretamente.
Até agora. E o que fez com que as ondas gravitacionais fossem detectadas pelo LIGO é tão incrível e alucinante quanto as próprias ondas: eles capturaram uma espiral mortal e seu resultado de dois enormes buracos negros a 1,3 bilhões de anos-luz da Terra que se fundiram em um titânico evento catastroficamente violento.
Lembre-se, nós tivemos algumas boas evidências que tais buracos negros binários existiam antes disso, mas este novo resultado basicamente prova que eles existem e que, ao longo do tempo, eles finalmente colidem e se fundem. Isso é fenomenal.
Os buracos negros tinham massas 36 e 29 vezes a massa do Sol antes de se fundirem. Depois que eles se fundiram, criaram um único buraco negro com uma massa 62 vezes a do Sol. Você pode perceber que essas massas não se somam corretamente: há 3 massas solares desaparecidas. Essa massa não desapareceu simplesmente! Foi convertida em energia: a energia das próprias ondas gravitacionais. E a quantidade de energia é impressionante: este evento único liberou tanta energia quanto o Sol liberaria em 15 trilhões de anos.
Eu sei. Tudo isso é incrível.
Para entender tudo isso melhor, você vai precisar ir um pouquinho mais a fundo. Tudo isso é de fundir a cuca, mas eu prometo que vale a pena.
O que é uma onda gravitacional?
Uma das conclusões da teoria da Relatividade Geral de Einstein é que o espaço e o tempo são dois aspectos de uma mesma coisa, que chamamos de espaço-tempo. Há muitas analogias para isso, mas você pode pensar nele como o tecido do espaço, uma tapeçaria de quatro dimensões (três espaciais e uma temporal) em que estamos todos encaixados. Lembre-se, não é literalmente assim; estamos usando uma analogia. Mas isso vai te ajudar a imaginá-lo.
Nós pensamos na gravidade como uma força, nos puxando em direção a um objeto. Mas Einstein a remodelou, a vendo como um resultado da deformação do espaço-tempo. Um objeto de grande massa distorce a forma do espaço, e um outro objeto em movimento através desse espaço curvo fica acelerado. Isso é a gravidade. Em outras palavras, a matéria diz ao espaço como se curvar e o espaço diz à matéria como se mover.
Outro resultado da matemática da RG é que se um objeto de grande massa for acelerado, ele irá causar ondulações, ondas, que irão se afastar do objeto. São realmente ondulações no próprio tecido do espaço-tempo! O espaço-tempo se expande e se contrai em formas complexas a medida que uma onda passa, parecido com a forma como ondulações surgem quando uma pedra cai numa lagoa, distorcendo a superfície da água.
Há muitas maneiras de gerar ondas gravitacionais. Quanto mais massivo e denso um objeto é, e quanto mais ele se acelera, mais nítida e mais enérgica as ondas são. A Terra se move em torno do Sol uma vez por ano, acelerada pela gravidade do Sol. Mas o movimento é muito lento e massa da Terra é demasiadamente baixa para termos a esperança de detectar as ondas emitidas.
Mas se você tem dois objetos muito mais massivos – como, por exemplo, estrelas de nêutrons, núcleos super-densos de estrelas que explodiram anteriormente – eles geram ondas que podemos ver.
Na verdade, nós vimos! Mais ou menos. Em 1974, um sistema binário de estrelas de nêutrons foi descoberto pelos astrônomos Joseph Taylor e Russell Hulse. Estes dois objetos massivos orbitam um ao outro muito rapidamente uma vez a cada oito horas. Conforme eles se orbitam, eles emitem um pouco de energia na forma de ondas gravitacionais. Essa energia vem da energia orbital das próprias estrelas, de modo que toda vez que as ondas gravitacionais são emitidas, elas perdem energia orbital. A órbita encolhe, e o tempo gasto diminui drasticamente. Ao longo do tempo, esse “decaimento orbital” pode ser muito precisamente medido … e foi mesmo! Não só isso, se encaixou perfeitamente na previsão da RG.
Taylor e Hulse ganharam o Prêmio Nobel por isso. E eles só detectaram as ondas gravitacionais indiretamente. Eles viram a perda de energia pela emissão das ondas afetar as órbitas das estrelas. Mas eles não detectaram as próprias ondas.
Então, como o LIGO conseguiu?
As ondas gravitacionais vêm em muitas formas, mas o que todas eles fazem é distorcer a forma do espaço. Mas como se mede isso? Não é como se você segurasse uma régua-se entre dois objetos e medisse a mudança de sua distância…
… certo? Peraí. É sim.
Conheça o LIGO: O Laser Interferometer Gravity-Wave Observatory. O LIGO na verdade são duas instalações, uma localizada no Estado de Washington e outra em Louisiana (operados em conjunto pela Caltech e pelo MIT). Não é o que você pode pensar de um observatório astronômico: eles consistem de longos tubos dispostos em L. Na extremidade de cada tubo de quatro quilômetros de extensão tem um espelho.
Um laser muito poderoso fica perto do vértice do L, onde os tubos se encontram. Ele envia um pulso de luz para um espelho especial que divide o feixe, enviando metade para cada tubo. Cada espelho reflete o feixe e depois eles são recombinados dentro de um detector.
Aqui está um vídeo (crédito: NSF) que descreve como isso funciona:
Deixe-me acrescentar o que vai parecer um pouco estranho para ajudar a tornar isso claro: alguma vez você já agitou a água em uma bacia para fazer ondas na água? Você pode amplificar a onda de água inicial, que bate na borda da bacia e retorna para você, com uma segunda onda. Quando as duas se encontram, a primeira se anula.
Isto é chamado de interferência. Quando as ondas amplificam é a interferência construtiva, e se anulam anular é a interferência destrutiva.
A luz é uma onda. Se o laser e os dois espelhos no LIGO estiverem corretamente configurados, em seguida, os dois feixes irão interferir com outro quando alcançarem o detector. Os padrões de interferência, chamadas margens, podem ser vistas quando você faz isso, e o padrão visto depende, em parte, da distância exata entre os espelhos. Se um espelho deslocar só um pouquinho em relação ao outro, em seguida, o padrão das margens muda.
Vê onde isso vai dar? Se uma onda gravitacional passar através do LIGO, um espelho irá se mover levemente em relação ao outro, e isso criará uma mudança no padrão das margens. As margens são sensíveis a mudanças extremamente pequenas na posição do espelho, então esta é uma ótima maneira de olhar para as ondas gravitacionais.
Quão sensível? Uma onda gravitacional típica irá mover os espelhos em cerca de 0,0001 vezes o tamanho de um núcleo atômico! Então, sim, eles são sensíveis.
O LIGO tem duas instalações localizadas milhares de quilômetros de distância para ajudar a distinguir as fontes astronômicas reais das coisas como terremotos, caminhões e assim por diante. O LIGO entrou em operação em 2002. Ao longo de quase uma década não encontrou as ondas gravitacionais. Em 2010 foi fechado para um upgrade significativo, tornando-se muito mais sensível. Esta nova configuração começou a observar em setembro de 2015.
Aparentemente, todo esse tempo eles estavam bem no limiar da detecção. Uma vez que o equipamento mais sensível foi empregado, não demorou muito antes de acertarem em cheio: o sinal foi detectado em 14 de setembro!
O que eles viram?
Agora estamos prontos para reunir tudo.
Imagine dois buracos negros orbitando um ao outro numa órbita muito pequena. Ambos são enormes, e giram em torno um do outro a uma grande fração da velocidade da luz. Eles geram ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo viajando na velocidade da luz. O LIGO pode detectar algo assim, mas há muito mais sobre isso.
Conforme os buracos negros giravam loucamente e emitiam ondas gravitacionais, eles perdiam energia orbital. Assim como as estrelas de nêutrons que deram o Nobel à Taylor e Hulse, a órbita dos dois buracos negros encolheu. Eles giravam em torno um do outro cada vez mais rápido.
Esta mudança na taxa orbital foi afetada pelas ondas que eles emitiam. A frequência das ondas depende de quão rapidamente os dois objetos orbitam entre si. Conforme a órbita dos buracos negros encolhia, elas giravam em torno de si mais rapidamente, e a frequência das ondas gravitacionais subiu. Mas, uma vez que os buracos negros se moviam mais rapidamente, eles emitiam ainda mais ondas, que fazia com que eles perdessem energia mais rapidamente e emitissem ainda mais ondas.
Este é um efeito runaway. Os buracos negros se aproximaram mais, girando mais rápido, emitindo ondas gravitacionais mais fortes com uma frequência mais elevada … até que os buracos negros se fundiram tornando-se um buraco negro maior.
Aqui está uma animação mostrando este fenômeno (usando anãs brancas em vez de buracos negros):
O que o LIGO viu quando isso aconteceu foi a assinatura das ondas gravitacionais, com a frequência subindo o tempo todo. O som também é uma onda e a frequência das ondas sonoras é o que nós interpretamos como a sua altura. Um som de frequência superior tem um tom mais alto; é uma nota mais alta, se você preferir.
Conforme os buracos negros se aproximavam da fusão, sua frequência subiu rapidamente. Na analogia do som, é como se eles estivessem cantando uma nota, e à medida que se aproximavam, a nota ficou mais forte e mais alta. No final, o aumento da altura foi extremamente rápido: emitindo um sinal sonoro.
Literalmente, um sinal sonoro é um som em que a frequência aumenta rapidamente (ouça um aqui). Portanto, a assinatura de dois buracos negros (ou estrelas de nêutrons, ou mesmo anãs brancas) girando e se fundindo é um sinal sonoro nas ondas gravitacionais. Se você conseguiu capturar esse sinal, você testemunhou os buracos negros no momento em que se tornam um.
E uma última informação que aumenta a certeza da detecção: o sinal dos buracos negros se fundindo foi detectado primeiro no detector de Washington e, em seguida, 7 milésimos de segundo mais tarde no detector de Louisiana. Esse atraso foi devido às ondas que se deslocam à velocidade da luz através do espaço!
Esta fusão é simplesmente surpreendente. É um dos eventos mais catastróficos no universo, e até o ano passado não conseguíamos vê-lo.
O LIGO abriu nossos olhos.
O que vem a seguir?
Com esta detecção do LIGO, uma nova era na astronomia começa. Em muitos casos, as ondas gravitacionais são emitidas a partir de objetos que não podemos ver diretamente, como os buracos negros se fundindo, ou estrelas de nêutrons binárias. Às vezes, porém, esses objetos emitem luz visível. A supernova – uma explosão estelar – pode emitir ondas gravitacionais. De forma ainda mais acentuada, quando duas estrelas de nêutrons se fundem e formam um buraco negro, elas liberam não apenas ondas gravitacionais, mas também um enorme clarão de energia sob a forma de raios gama e até mesmo luz visível. Estas explosões de raios gama ocorrem no Universo todos os dias, e nós as vemos o tempo todo. Se pudermos detectar as ondas gravitacionais emitidas por elas, isso vai ajudar os astrônomos a entender esses fenômenos bizarros e incrivelmente violentos.
Melhor ainda, não estamos começando do zero. No ano passado, a Agência Espacial Europeia lançou a LISA Pathfinder para o espaço. LISA significa Laser Interferometer Space Antenna, e é basicamente um super-LIGO espacial. A LISA Pathfinder é uma missão de referência para testar a tecnologia muito sofisticada envolvida. Se ela funcionar, em seguida, um upgrade da LISA pode ser lançado nos próximos anos, que será composto por três detectores separados no espaço por milhões de quilômetros. Sua sensibilidade vai ser muito maior do que a do LIGO e vai escancarar o campo da astronomia de ondas gravitacionais.
Sempre que encontramos uma nova janela para o Universo – ondas de rádio, raios gama, mesmo a invenção do telescópio em si – nossa recompensa têm sido imensas maravilhas. Na grande maioria dos casos não tínhamos ideia do que estava à espera quando olhamos pela primeira vez para o espaço de uma maneira nova. Quantidade de estrelas além da imaginação, galáxias unidas em todo o cosmos, planetas, nebulosas, e até mesmo um eventual entendimento de como o universo surgiu, como ele muda, e como ele irá evoluir no futuro.
Os tesouros, a beleza, o conhecimento, mudaram fundamentalmente a forma como os seres humanos veem a si mesmos e seu lugar no Universo. E aqui estamos, com a mão em outra janela, prontos para abri-la.
O que veremos através dela?