Nosso mundo é basicamente infestado com parasitas. Nós somos hospedeiros de centenas deles, e eles são tão comuns que em alguns ecossistemas, a massa total deles pode ser 20 vezes o peso de predadores do topo.
Até mesmo parasitas têm parasitas. É uma estratégia tão boa que mais de 40% de todas as espécies conhecidas são parasitárias. Eles roubam genes dos seus hospedeiros, tomam o controle dos corpos de outros animais, e geralmente “ferram” com as cabeças de seus hospedeiros. Mas há uma coisa que nós acreditávamos que eles não podiam fazer: pararem de ser parasitas. Uma vez que a maquinaria genética definiu a escolha de estilo de vida em movimento, eles não são supostos a voltar a viver livremente. Uma vez parasita, sempre um parasita. A menos que você seja um ácaro.
Na biologia evolucionária, a noção de irreversibilidade é conhecida como a Lei de Dollo em homenagem ao paleontólogo belga que pela primeira vez levantou essa hipótese em 1893. Ele estabeleceu que uma vez que uma linhagem tenha perdido ou modificado órgãos ou estruturas, eles não poderiam voltar o relógio e não desenvolver tais mudanças. Ou, como ele coloca: “um organismo é incapaz de retornar, mesmo parcialmente, pra um estágio anterior já realizado nas fileiras de seus ancestrais.”
Enquanto alguns animais parecem desafiar a Lei de Dollo, ela tem sido uma crença profundamente enraizada na área de parasitologia. Parasitismo é, em geral, um processo de redução. Se adaptar a sobreviver sobre ou dentro de outro animal é um empreendimento evolucionário severo, e muitos parasitas perdem órgãos inteiros ou mesmo sistemas corporais, se tornando inteiramente dependentes de seus hospedeiros para realizar funções biológicas como sintetizar o alimento ou locomoção. Livros de parasitologia frequentemente falam a respeito da irreversibilidade de se tornar um parasita em termos muito limitados.
“Parasitas como um todo são exemplos notáveis da marcha inexorável da evolução rumo a becos sem saída” diz o livro de 1976 Parasitologia: a biologia de parasitas animais, de Noble & Noble. Robert Poulin é ainda mais direto: “Uma vez que eles dependem do hospedeiro não há volta. Em outras palavras, especialização precoce para uma vida parasítica compromete uma linhagem para sempre.”
Agora, os parasitas estão provando que não só podem evadir sistemas imunes, enganar os outros animais, e usar os corpos de seus hospedeiros em centenas de maneiras nefastas, alguns podem voltar a viver livremente. Isso e exatamente o que os cientistas acreditam ter ocorrido com o Pyroglyphidae – o ácaro da poeira.
Ácaros, como um todo, são um grupo de organismos assustadoramente bem sucedidos frequentemente esquecidos. Mais de 48.000 espécies já foram descritas. Esses parentes minúsculos das aranhas podem ser encontrados mundialmente em praticamente todo habitat que você puder imaginar. Muitos são de vida livre, mas há também um número de espécies parasitas, incluindo pragas muito familiares como o Sarcoptes scabiei, o ácaro que causa sarna. Exatamente como os diferentes grupos de ácaros estão relacionados entre si, no entanto, tem sido um grande tema de debate entre biólogos de ácaros.
Embora os parentes mais próximos dos ácaros da poeira sejam os Psoroptidia, um grande e diverso grupo de ácaros parasitas, muitos têm argumentado que ácaros da poeira vieram de ancestrais de vida livre – “fósseis vivos” de uma espécie, a única linhagem sobrevivente de ácaros ancestrais de vida livre que mais tarde deram origem a parasitas. De fato, Pavel Klimov e Barry O’Connor da Universidade de Michigan conseguiram encontrar 62 hipóteses diferentes de como os ácaros de vida livre se encaixaram na árvore genealógica dos ácaros. Sessenta e duas, a equipe decidiu, foram simplesmente demais. Então, eles se voltaram pros genes dos ácaros.
Para testar qual das hipóteses tinha o maior mérito, Klimov e O’Connor recrutaram uma equipe de 64 biólogos em 19 países para obter mais de 700 espécimes de ácaros, que eles então usaram para construir uma árvore genealógica de ácaros. Eles sequenciaram cinco genes nucleares de cada espécie, então aplicaram análises estatísticas para construir uma árvore de relações chamada de filogenia. E foi aí que eles viram: profundamente aninhados dentro de um grande grupo de parasitas estavam nossos cotidianos, não parasitas, causadores de alergia, ácaros da poeira.
“Esse resultado foi tão surpreendente que nós decidimos contatar nossos colegas para obter seus comentários antes de enviar esses arquivos para publicação” disse o autor principal Pavel Klimov. “Parasitas podem rapidamente desenvolver mecanismos altamente sofisticados para exploração dos hospedeiros e podem perder sua habilidade de ‘funcionar’ longe do corpo hospedeiro.” ele explicou. “Muitos pesquisadores na área percebem tal especialização como evolucionariamente irreversível.” Mas, seus arquivos eram claros. “Todas as nossas análises conclusivamente demonstraram que ácaros da poeira domésticos abandonaram um estilo de vida parasitário, secundariamente se tornando de vida livre.”
Seus arquivos também lançaram luz em como esses ácaros poderiam ter realizado tal reversão. A equipe descobriu que os traços parasitas na verdade pode ter facilitado a troca de volta à vida livre. Os parentes mais próximos dos ácaros da poeira possuem muitos traços em comum: eles são capazes de tolerar baixa umidade, possuem enzimas digestivas que podem digerir materiais duros como pele e queratina, e são menos específicos sobre em qual hospedeiro eles vivem do que outros ácaros. É provável que os primeiros ancestrais de vida livre dos ácaros da poeira eram capazes de usar esses traços para trocar viver sobre animais para viver em seus ninhos, eventualmente encontrando seu caminho para dentro de nossas casas.
A noção de que ácaros da poeira foram uma vez parasitas também explica porque eles são um agente alérgico tão forte. “Seria de se esperar que esse recurso esteja presente apenas em verdadeiros parasitas, ter um contato direto com o sistema imunológico do hospedeiro”, explicam os autores. Os autores esperam que localizando adequadamente os Pyroglyphidae na árvore genealógica dos ácaros irá informar outros cientistas que estejam estudando sua importância à saúde pública. ” Nosso estudo é um exemplo de como fazendo uma pergunta puramente acadêmica pode resultar em amplas aplicações práticas”, disse O’Connor. “Conhecendo as relações filogenéticas dos ácaros da poeira domésticos pode fornecer aprofundamentos nas propriedades alergênicas de suas proteínas desencadeadoras de resposta imune e a evolução dos alérgenos codificadores de genes”. A esperança é que tal pesquisa poderia levar a tratamentos melhores para alergias, o que seria bemvindo pelas mais de um bilhão de pessoas que sofrem de alergias ligadas ao ácaro da poeira. Ácaros da poeira são a causa número um de sintomas alérgicos mundialmente, e são particularmente ruins para pacientes asmáticos, com mais de 90% deles sensíveis às criaturas microscópicas.
Embora esta não seja a primeira vez que a Lei de Dollo é questionada, é a primeira forte evidência que o parasitismo pode não ser o “beco sem saída” evolucionário que nós tendemos a descrevê-lo como. Quanto mais os cientistas usam a genética para estudar as relações evolucionárias entre organismos, mais eles descobrem que a Lei de Dollo é menos lei do que uma vez imaginado, ampliando a nossa compreensão de evolução como um todo e desafiando nossas suposições sobre como ela funciona. O que é, na verdade, o brilho e a beleza da ciência – assim como a vida na Terra, a nossa compreensão do universo está constantemente se adaptando e evoluindo.
Citação: Klimov P.B. & OConnor B. Is Permanent Parasitism Reversible? – Critical Evidence from Early Evolution of House Dust Mites, Systematic Biology, DOI: 10.1093/sysbio/syt008
Imagem: Dust mite courtesy of G. Bauchan and R. Ochoa.
Fonte: Discover – The Magazine of Science, Technology, and The Future.