Artigo traduzido de Scientific American. Autor: Clara Moskowitz.
Ondas gravitacionais foram detectadas novamente. Os cientistas, que em fevereiro anunciaram a descoberta marco destas ondulações no espaço-tempo, revelaram nesta quarta-feira (15) que haviam detectado outras – mais uma vez causadas por um par de buracos negros em colisão. As gigantescas forças gravitacionais envolvidas quando dois desses objetos extremamente densos se chocam são tão catastróficas que deformam o espaço-tempo, o curvando em poderosas ondas que percorrem todo o cosmos. Esta segunda descoberta mostra que a descoberta inicial não foi um raro golpe de sorte, mas sim uma pré-visualização de muitas outras que virão, dando início a uma era onde os astrônomos podem usar ondas gravitacionais, em vez de luz, para “ver” buracos negros e outros componentes invisíveis do Universo.
Estas ondas foram previstas pela teoria da relatividade geral de Albert Einstein, mas nunca foram detectadas diretamente até a equipe do Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO) as observar em setembro do ano passado. A descoberta em sequência alimenta as esperanças dos físicos de que em breve poderão recolher resultados suficientes para estudar a frequência dos buraco negros e como eles se originam. Mais descobertas também vão ajudar os pesquisadores a usar ondas gravitacionais para testar a relatividade em ambientes extremos – possivelmente confirmando a teoria ou mesmo apontando para uma lei mais profunda da natureza.
“Nossa intenção não era apenas detectar a primeira onda gravitacional ou provar que Einstein estava certo ou errado – era criar um observatório”, diz a porta-voz do LIGO Gabriela González da Universidade Estadual de Louisiana. “Agora podemos realmente dizer que o objetivo do LIGO tem sido justificado.” A descoberta, aceita para publicação na Physical Review Letters, é a segunda detecção do LIGO; a equipe também encontrou um evento “candidato” que era fraco demais para confirmar, e havia relatado isso em fevereiro, juntamente com a primeira descoberta conclusiva. O sucesso do LIGO até agora é uma boa indicação de que seremos capazes de encontrar ondas gravitacionais a um ritmo constante. “Ele nos permite explorar literalmente o lado escuro do Universo”, diz o físico teórico Lawrence Krauss, da Arizona State University, que não está envolvido no LIGO. “A astronomia de ondas gravitacionais se tornará a astronomia do século 21.”
Pequenos buracos negros
As ondas gravitacionais recém descobertas se iniciaram há cerca de 1,4 bilhões de anos na fusão de dois buracos negros – um com cerca de 14 e o outro com cerca de 8 massas solares – que gradualmente orbitavam cada vez mais perto um do outro e, eventualmente, se fundiram, de acordo com cálculos dos cientistas. O acidente produziu um novo buraco negro que contém 21 massas solares – a massa em falta foi convertida em energia na forma de ondas gravitacionais. Em comparação com a primeira detecção do LIGO, que veio de dois buracos negros maiores se colidindo (cada um cerca de 30 massas solares), esta fusão criou ondas gravitacionais com uma frequência maior, “visíveis” por mais tempo que as ondas da descoberta inicial. Naquele caso, os cientistas testemunharam apenas uma ou duas órbitas dos buracos negros, mas dessa vez eles foram capazes de rastrear as últimas 27 órbitas dos objetos antes da fusão. “Isso permite um melhor teste da relatividade geral e uma melhor caracterização dos parâmetros dos buracos negros”, diz González.
Desta vez, os pesquisadores também foram capazes de medir as taxas de rotação dos buracos negros e descobriram que pelo menos o maior estava comprovadamente girando, provavelmente a cerca de 20% da rotação máxima teórica para um buraco negro. “Na primeira detecção parecia que os dois buracos negros poderiam não girar”, diz a membro da equipe do LIGO Vicky Kalogera, da Universidade Northwestern, “então essa é uma nova descoberta”.
As ondas gravitacionais anunciadas nesta quarta-feira atingiram o LIGO em 26 de dezembro de 2015 – pouco menos de três meses após o observatório detectar o seu primeiro sinal em 14 de setembro. O LIGO utiliza dois detectores – um em Louisiana e outro no estado de Washington – para capturar a compressão e expansão do espaço-tempo que ocorre quando uma onda gravitacional passa através da Terra. Ambos os detectores são em formato de “L” gigantes, com duas “pernas” com quatro quilômetros de extensão. Os cientistas usam espelhos para refletir feixes de laser e medem quanto tempo leva para fazer a viagem de uma perna a outra. Sob circunstâncias normais, as duas pernas possuem o mesmo comprimento e os tempos de viagem dos dois feixes de luz tem exatamente a mesma duração. Mas, se uma onda gravitacional passa, o espaço entre os espelhos irá expandir e contrair minuciosamente num sentido e as duas pernas perpendiculares terão comprimentos brevemente desiguais, fazendo com que um dos feixes de laser chegue uma fração de segundo mais tarde do que a outra.
A mudança é infinitesimal – o Ligo deve ser capaz de medir uma diferença de comprimento menor do que um décimo de milésimo do diâmetro de um próton para conseguir detectar as ondas. O experimento de US$ 1 bilhão, agora oficialmente chamado Advanced LIGO, é uma versão atualizada de um projeto do anos 1960, e foi ligado pela primeira vez em 2002. Sua descoberta inicial no início deste ano eletrizou a comunidade científica, bem como o público, e os fundadores do experimento ganharam o Prêmio Kavli 2016 em Astrofísica e o Prêmio Breakthrough, assim como muitos outros reconhecimentos. Ela inspirou dezenas de trabalhos teóricos que analisam todos os aspectos da descoberta, da exploração de uma possível ligação entre os buracos negros e a matéria escura a uma discussão sobre se eles na realidade nem eram buracos negros e sim buracos de minhoca. “O trabalho mais interessante foi feito fora do LIGO”, diz o membro da equipe do LIGO Szabolcs Marka, da Universidade de Columbia. “É assim que a ciência deve funcionar.”
Após a aurora da astronomia gravitacional
O Advanced LIGO já terminou sua temporada inicial de observações, que durou de setembro a janeiro. Seus detectores estão atualmente desativados para atualizações, e os cientistas planejam um teste em julho. Se isso der certo, a segunda corrida, com duração de aproximadamente seis meses, poderia começar no final do verão (hemisfério norte). Enquanto isso, os investigadores continuam a analisar os dados da primeira corrida. Além de colisões de buracos negros, os físicos esperam encontrar ondas gravitacionais produzidas por estrelas de nêutrons – os cascos extremamente pequenos e densos de ex-estrelas em que todos os prótons e elétrons foram esmagados com tanta força que eles essencialmente se fundiram para formar nêutrons. Se duas estrelas de nêutrons colidissem, elas teoricamente desencadeariam ondas gravitacionais, que também podem resultar de uma estrela de nêutrons giratória levemente desequilibrada, possivelmente com uma protuberância de um lado. “Não é um evento explosivo, como a colisão de buracos negros – isso iria produzir ondas gravitacionais que são muito mais fracas”, diz a física Laura Cadonati, do Georgia Institute of Technology, que preside o Conselho de Análise de Dados do LIGO. “Essa é uma pesquisa de longo prazo – é preciso tempo – ela ainda está sendo executado.”
À medida que a equipe reúne mais dados, os pesquisadores esperam ser capazes de aprender mais sobre como o buracos negros binários se originam. Talvez a maioria venha de estrelas que estavam originalmente em pares e depois morreram, tornando-se buracos negros que permaneceram em órbita em torno um do outro. Outro cenário sugere que os binários nascem em aglomerados estelares apertados, onde os buracos negros que podem ter começado como estrelas individuais, antes de morrer, foram capturados pela gravidade do outro. “Este é o meu principal interesse – podemos dizer como esses buracos negros binários realmente se formaram?”, pergunta Kalogera. “Existe um mecanismo dominante ou é mais uma mistura?”
E quanto mais ondas gravitacionais o LIGO encontrar, melhor será para testar se elas se encaixam nas previsões de relatividade geral. Embora a maioria dos cientistas esperam que elas provavelmente se encaixem – afinal, a teoria passou em todos os testes até agora – os físicos gostariam de ver algum tipo de desvio da relatividade que aponta para uma verdade mais sutil sobre o Universo. Uma discrepância assim pode fornecer uma pista que ajuda a elaborar uma teoria da gravidade compatível com a mecânica quântica, as regras do reino microscópico. “Até agora, não encontramos inconsistências com a relatividade geral,” Cadonati diz, “mas se começarmos a ver anomalias – o que só pode vir com estatísticas mais elevadas – podemos começar a explorar além da relatividade geral”.
Em qualquer caso, os cientistas esperam que as duas primeiras descobertas do LIGO sejam apenas o começo de um futuro longo e produtivo para o experimento. “Três gerações já trabalharam nele”, Marka diz, “e haverá mais três gerações pelo menos. Estamos apenas no meio do caminho. Isso não é lindo?”