Por Michael Shermer
Quando dou conferências sobre ciência e pseudociência em colégios e universidades, perguntam-me inevitavelmente, depois de ter questionado as crenças vulgares de muitos estudantes, “Por que devemos acreditar em si?” a minha resposta é: “Não devem.”
Explico-lhes então que temos de verificar as coisas por nós mesmos e, se isso não for possível, pelo menos fazer algumas questões básicas dirigidas à validade de qualquer alegação. É a isto que chamo a detecção de mentira, em atenção a Carl Sagan, que forjou a frase “o kit de detecção da mentira”. Para detectar a mentira ― isto é, para ajudar a discriminar entre ciência e pseudociência ― sugiro que façamos 10 questões quando encontrarmos uma alegação.
1. Quão confiável é a fonte da constatação?
É frequente os pseudocientistas parecerem confiáveis, mas quando examinados de perto, os fatos e números que citam estão distorcidos, fora de contexto e, ocasionalmente, são mesmo fabricados. É óbvio que todos cometemos alguns erros. Como o historiador da ciência Daniel Kevles mostrou muito bem no seu livro The Baltimore Affair, pode ser difícil detectar um sinal fraudulento no meio do barulho de fundo do lixo que faz parte do processo científico normal. A questão é se os dados e as interpretações mostram sinais de distorção intencional. Quando um comitê independente foi designado para investigar uma fraude em potencial com as notas de investigação do cientista laureado com o Nobel, David Baltimore, elas revelaram um número surpreendente de erros. Baltimore foi inocentado porque os seus erros de laboratório foram acidentais.
2. Será que a fonte faz constatações semelhantes?
Os pseudocientistas têm o hábito de ir para além dos fatos. Geólogos diluvianos (criacionistas que acreditam que o dilúvio de Noé pode explicar muitas das formações geológicas da Terra) fazem consistentemente alegações chocantes que não têm qualquer relação com a Geologia. É óbvio que vários grandes pensadores vão frequentemente para além dos dados nas suas especulações criativas. Thomas Gold da Universidade de Cornell é famoso pelas suas ideias radicais, mas esteve tantas vezes certo que os outros cientistas ouvem o que tem a dizer. Gold propõe, por exemplo, que o petróleo não é um combustível fóssil, mas o produto secundário de uma profunda e quente biosfera (microrganismos que vivem a profundidades imprevistas dentro da crosta). Praticamente, nenhum cientista da Terra com quem falei pensa que Gold está certo, contudo não o consideram um excêntrico. Tenham cuidado com um padrão de pensamento que consistentemente ignore ou distorça os dados.
3. As alegações foram verificadas por outra fonte?
É costume os pseudocientistas fazerem afirmações que não foram verificadas ou foram verificadas apenas por fontes dentro do seu próprio círculo de crenças. Temos de perguntar quem está examinando as alegações e quem está examinando os examinadores. O maior problema do fiasco da fusão fria, por exemplo, não foi que Stanley Pons e Martin Fleischman estavam errados. Foi que anunciaram a sua espetacular descoberta em uma conferência de imprensa antes de outros laboratórios a terem verificado. E pior, quando não se conseguiu reproduzir a fusão fria, eles mantiveram-se fiéis à sua alegação. A verificação exterior é crucial para a boa ciência.
4. Como é que esta alegação se ajusta ao que sabemos sobre o funcionamento do mundo?
Uma alegação extraordinária deve ser colocada em um contexto mais amplo para ver como se ajusta. Quando as pessoas alegam que as pirâmides egípcias e a Esfinge foram construídas há mais de 10.000 anos por uma raça avançada desconhecida, não apresentam qualquer contexto para essa civilização antiga. Onde estão os restos dos artefatos dessa gente? Onde estão as suas obras de arte, as suas armas, as suas roupas, as suas ferramentas, o seu lixo? A arqueologia não funciona desta maneira.
5. Alguém tentou refutar a alegação?
Esta é a propensão para a confirmação, ou a tendência para procurar indícios confirmatórios e para rejeitar ou ignorar indícios contrários. A propensão para a confirmação é poderosa, penetrante e quase impossível de evitar por todos nós. É por isso que os métodos da ciência que põem ênfase no exame e no reexame, na verificação e na reprodução, e especialmente na falseação de uma alegação, são tão exigentes.
6. A maior parte das evidências aponta para a conclusão daquele que faz a alegação?
A teoria da evolução, por exemplo, é comprovada por uma convergência de evidências com origem em diversas linhas independentes de investigação. Nenhum fóssil, nenhuma evidência biológica ou paleontológica traz escrito “evolução”; em vez disso dezenas de milhares de pequenas evidências juntam-se para formar a história da evolução da vida. Os criacionistas ignoram convenientemente esta confluência, concentrando-se antes em anomalias vulgares ou em fenômenos da história da vida que ainda não foram explicados.
7. Quem defende a constatação joga pelas regras da ciência?
Pode-se distinguir com clareza entre os cientistas do SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) e os ufólogos. Os cientistas do SETI partem da hipótese negativa de que não existem extraterrestres inteligentes e de que têm de apresentar evidências concretas antes de fazerem a alegação extraordinária de que não estamos sozinhos no universo. Os ufólogos partem das hipóteses positivas de que existem extraterrestres inteligentes e que nos visitaram e, em seguida, empregam técnicas de investigação questionáveis para apoiar a sua crença, como a regressão hipnótica (revelações de experiências abdutivas), raciocínios anedóticos (inúmeras histórias de visões de OVNIs), pensamento conspirativo (encobrimento pelo governo de encontros com extraterrestres), evidências visuais de baixa qualidade (fotografias desfocadas e vídeos cheios de grão), e pensamentos anomalísticos (anomalias atmosféricas e testemunhas com percepções visuais erradas).
8. Quem faz a alegação dá uma explicação para o fenômeno observado ou simplesmente nega a explicação existente?
Essa é uma estratégia de debate clássica — criticar o seu oponente e nunca afirmar aquilo em que se acredita para evitar ser criticado. É praticamente impossível conseguir que os criacionistas deem uma explicação para a vida (para além de “Deus criou-a”). Os criacionistas que acreditam em um Design Inteligente não fizeram melhor, procurando nos defeitos das explicações científicas problemas difíceis e oferecendo no seu lugar “O DI criou-a.” Este estratagema não é aceitável em ciência.
9. Será que a nova teoria leva em conta tantos fenômenos como a teoria antiga?
Muitos dos que duvidam da relação entre a SIDA e o HIV argumentam que é o modo de vida que causa a SIDA. Contudo, a sua teoria alternativa não explica nem de perto nem de longe tantos dados quanto a teoria do HIV. Para construir a sua argumentação ignoram as diversas evidências que suportam a teoria segundo a qual o HIV é a causa da SIDA, ao mesmo tempo que ignoram a significativa correlação entre o surgimento da SIDA nos hemofílicos pouco depois do HIV ter sido inadvertidamente introduzido no fornecimento de sangue.
10. Será que há crenças pessoais a potenciar a constatação?
Todos os cientistas têm crenças ideológicas, políticas e sociais que podem influenciar as suas interpretações dos dados, mas como é que essas inclinações e crenças afetam na prática a sua investigação? Normalmente, durante a revisão pelos pares, estas inclinações e crenças são eliminadas, ou o artigo ou livro é rejeitado.
É óbvio que não há métodos totalmente eficazes para a detecção da mentira ou para traçar a fronteira entre a ciência e a pseudociência. Há, no entanto, uma solução: a ciência lida com frações imprecisas de certezas e incertezas, em que se pode atribuir à evolução e à cosmologia do big bang 90% de probabilidades de serem verdadeiras e ao criacionismo e aos OVNIS 10% de probabilidades. No meio estão alegações de fronteira: podemos atribuir à teoria das supercordas 70% e à criogenia 20%. De qualquer modo, mantemo-nos de espírito aberto e flexíveis, prontos a reconsiderar as nossas avaliações à medida que surjam novas evidências. Sem dúvida que é isto que torna a ciência tão efêmera e frustrante para muita gente e, ao mesmo tempo, o que faz da ciência o produto mais glorioso da mente humana.