Por José Manuel Vaquero
Publicado no El País
11 de Abril de 1982
Amanhã, em Oviedo, começa o primeiro congresso de Teoria e Metodologia da Ciência, organizado pela Sociedade Asturiana de Filosofia em colaboração com a Fundação do Principado de Astúrias e a Universidade de Oviedo. Neste congresso, está previsto uma confrontação das teorias da ciência, atualmente em voga. O argentino Mario Bunge defenderá o enfoque denominado semântico, sendo um dos representantes máximos. Discípulos de Popper pretendem expor o racionalismo crítico, que supõe uma reação contra o neopositivismo e Gustavo Bueno falará sobre a teoria do fechamento categorial, formulada há mais de dez anos, com a finalidade de abrir um caminho equidistante entre o empirismo neopositivista e o construtivismo historicista. No congresso asturiano participarão também físicos, cuja a presença é indispensável, porque a física constitui o paradigma clássico de cientificidade e também porque permitirá debater com profundidade as distintas alternativas epistemológicas. Ao chegar em Oviedo, Mario Bunge concedeu uma entrevista ao El País em que expõe critérios sobre a dialética, abertamente contrários aos de Gustavo Bueno. Esta será, seguramente, uma das questões polêmicas do congresso.
Mario Bunge, máximo representante da corrente denominada semântica na teoria da ciência (epistemologia), considera a dialética como uma doutrina mística, obscura e sem importância, e expressa o seu temor pelas consequências que podem desencadear-se com a chegada de poder de Reagan nos Estados Unidos. Bunge nasceu em Buenos Aires em 1919. Ele ensinou física e filosofia da ciência em Buenos Aires. Depois de ser destituído por Peron e ter se reabilitado após a sua queda, abandonou a Argentina em 1963, passou por universidades alemães e norte-americanas e, desde 1966, permanece na Universidade McGill, de Montreal (Canadá).
Pergunta: Como surgiu em você, sendo um cientista dedicado à física, o interesse pelos problemas filosóficos?
Resposta: Na realidade, as minhas preocupações filosóficas foram anteriores às científicas, embora não tenha assistido a um curso de filosofia. Mais tarde, quando eu trabalhava com a mecânica quântica, encontrei-me com problemas filosóficos que não podiam ser ignorados e dei-me conta de que a interpretação oficial da escola de Copenhague sobre a Mecânica Quântica não era correta, que a filosofia dizia uma coisa e a física dizia outra. Então, fui ao Brasil para trabalhar e a partir de meus estudos sobre a mecânica quântica fui buscando outros problemas. Por exemplo, do que é feito o mundo? (o problema ontológico tradicional).
P. Você é também um homem preocupado pela ética, embora seja mais conhecido como filósofo da ciência. Qual a origem desta preocupação?
R. Em meus estudos, perguntei-me se um físico deveria colaborar com projetos nucleares dirigidos por militares. Neste transe de minhas meditações, compreendi a bestialidade que as bombas atômicas desencadearam sobre o Japão e converti-me em um pacifista. Como você vê, as relações entre a ciência e a ética são inevitáveis. Por outro lado, eu estava muito descontente com a situação da teoria ética, porque não levava em conta as considerações sociológicas.
Os neopositivistas
P. Qual é a sua posição atual a respeito dos neopositivistas?
R. Eu comecei a ser muito crítico a respeito dos neopositivistas, influenciado até então pelo marxismo, embora se deva reconhecer que os únicos escritos sérios de filosofia da ciência, até pouco tempo, eram os neopositivistas, que dominavam a lógica-matemática. Mas, basicamente, eles estavam distantes da ciência e não contribuíram para a solução de seus problemas.
P. É conhecida a sua pouca estimação pela dialética, em contraposição às teses de outros autores, tal como Gustavo Bueno, que participará também do congresso de Teoria da Ciência.
R. A dialética não tem qualquer importância. É uma doutrina mística, muito obscura. Tem um princípio de que “tudo muda”, que é algo presente em quase todas as filosofias. Há exemplos que contradizem a tese central de que toda mudança resulta de contradições, de oposições. Os fótons estão constantemente em movimento e não são compostos de elementos contrários, mas apenas simples. No reino animal e vegetal, a competição mais feroz acontece entre os membros de um mesmo campo ecológico que disputam para consumir os mesmos recursos; ademais, muitos processos não ocorrem através da competição, mas da cooperação, que não tem o porquê ser deliberada ou consciente.
P. O senhor crê que não é possível formular com rigor os princípios da dialética?
R. Em um congresso internacional de filosofia, celebrado na Bulgária, desafiei um grupo de filósofos de países socialistas para que formulem a dialética com precisão, apoiando-se em linguagem lógico-matemática. Se comprometeram a fornecer-me uma resposta. A dialética não é um método, é uma ontologia, uma filosofia. Para todos os seus princípios existem contraexemplos. Esses princípios não são universais, são puras trivialidades. Na realidade, eles se mantêm na mesma formulação que lhes deram os pré-socráticos há 2.500 anos.
P. Qual é a sua posição atual, dada a sua condição de sócioliberal, afiliado ao partido de Trudeau?
R. Em primeiro lugar, sou socialista e liberal, mas liberal não no sentido econômico, mas sim político. O liberalismo econômico é uma carta branca para a exploração; no entanto, o liberalismo político implica em uma participação efetiva em assuntos públicos, que não limita-se a uma mera emissão de votos, o pior é o centralismo democrático. O socialismo deve sintetizar-se com o liberalismo. No marxismo, existem elementos valiosos: uma teoria do conhecimento realista, mas que não está desenvolvida, uma ontologia materialista infectada de dialética e, em terceiro lugar, tem alguns elementos úteis em sua sociologia e politologia, embora exagere na importância do fator econômico em detrimento do político e cultural.
Loucos de gravata
P. São equiparáveis, em sua opinião, desde um ponto de vista moral, os regimes políticos atuais da Argentina e da União Soviética?
R. A situação política de ambos os países não é equiparável. Nem sob a junta militar argentina nem na Rússia há liberdade, mas creio que os soviéticos estão em uma situação melhor do que os argentinos, porque na Rússia há mais equidade social, suas universidades têm um bom nível e nela se recupera, embora nas ciências humanas, o tempo tenha se perdido durante os trinta anos de stalinismo. Agora, eu não poderia filosofar livremente em nenhum dos dois países; em um caso desapareceria e no outro apareceria na Sibéria.