Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
Todos querem ser livres; ou pelo menos ter alguma escolha na vida. Todos temos nossos compromissos profissionais, familiares e sociais. Por outro lado, a maioria das pessoas acredita ter a liberdade de escolher o que fazer, do mais simples ao mais complexo: será que eu deveria tomar café com açúcar ou com adoçante? Devo colocar dinheiro na poupança ou gastar tudo? Para quem eu deveria votar nas próximas eleições? Devo me casar com a Carmen ou não?
A questão do livre-arbítrio é essencialmente uma questão de influência, de quem está no comando enquanto levamos nossas vidas e fazemos todos os tipos de escolha.
Tradicionalmente, isso tem sido um tema para filósofos e teólogos. Mas trabalhos recentes na neurociência estão forçando uma reconsideração do livre-arbítrio, a ponto de questionar nossa liberdade de escolha. Muitos neurocientistas, e alguns filósofos, consideram a liberdade uma ilusão. Sam Harris, por exemplo, escreveu um pequeno livro discutindo o caso.
Sua conclusão surpreendente vem de uma série de experimentos que revelaram algo bastante notável: nossos cérebros decidem um curso de ação antes que demos conta disso. Dos experimentos pioneiros de Benjamin Libet nos anos 80 usando EEG até as investigações mais recentes usando fMRI, ou implantes diretamente nos neurônios, a região motora responsável por fazer um movimento em resposta a uma pergunta disparou antes que o sujeito estivesse ciente disso. O cérebro parece estar decidindo antes que a mente perceba.
Se isso realmente for verdade, as escolhas que pensamos estar fazendo, expressões da nossa liberdade, estão sendo feitas subconscientemente, sem nosso controle explícito. Será que estamos mesmo tão iludidos?
A situação não é tão simples. Por um lado, é complicado definir livre-arbítrio. Uma definição operacional é que o livre-arbítrio é a capacidade que uma pessoa tem para fazer suas próprias escolhas. É claro, estamos sempre sujeitos a todos os tipos de restrições nas nossas vidas, desde a genética até a nossa educação e experiências. Nossas escolhas não são baseadas em uma tábula rasa. Ainda assim, será que somos levados a acreditar que nós temos plena consciência das nossas escolhas, quando na verdade não temos?
Um argumento popular contra o livre-arbítrio diz o seguinte: imagine que, no futuro, os cientistas vão poder mapear e decodificar todos os seus estados mentais com precisão arbitrária. Então seria possível prever o que você iria fazer antes que você tivesse consciência da sua escolha. Se essa situação fosse possível – e me parece bastante improvável em diferentes sentidos – o livre-arbítrio provavelmente seria afetado. Mas é claro, tal abstração é pura fantasia: as máquinas não podem medir todos os nossos estados mentais em rápida sucessão se nem sequer sabemos como surgem esses estados. Qualquer medida que precise monitorar bilhões de neurônios e trilhões de sinapses no tempo é rebuscada.
Existe o risco de trivializar uma questão, moldando-a para que possa ser analisada de forma quantitativa.
Além disso, os experimentos em questão estão limitados a decisões que estão muito distantes das escolhas verdadeiramente complexas que fazemos nas nossas vidas, aquelas que envolvem muito pensamento, provocam confusão, resultam na reflexão, exigem que conversemos com outras pessoas e geralmente demoram para chegar a uma conclusão. Existe uma enorme lacuna na complexidade cognitiva de apertar botões em um experimento de laboratório até decidir com quem você vai se casar, sua profissão ou se você vai cometer um assassinato (patologias psicopáticas à parte). Quando se trata das escolhas que fazemos na vida, há um espectro de complexidade e isso é refletido na questão do livre-arbítrio. Algumas de fato acontecem antes da percepção consciente, e outras não.
Parece-me que a questão do livre-arbítrio não é simplesmente algo simples e direto, mas algo que abrange toda a complexidade do que significa ser humano.