Publicado na EurekAlert!
Cientistas da The Scripps Research Institute (TSRI) descobriram uma nova maneira de realizar a “reprogramação” de células adultas comuns em células-tronco.
Em um estudo publicado hoje na Nature Biotechnology, os cientistas da TSRI avaliaram por screening uma biblioteca de 100 milhões de anticorpos e encontraram diversos que podem ajudar a reprogramar células maduras em células-tronco conhecidas como Células Tronco Pluripotentes Induzidas (IPSCs).
Fazer IPSCs a partir de tipos celulares mais maduros normalmente envolve a inserção de quatro fatores de transcrição gênica no DNA dessas células. Os anticorpos identificados pelos cientistas podem ser aplicados à células maduras – onde eles irão se ligar à proteínas na superfície celular – como um substituto para três dos fatores de transcrição padrões.
“Esse resultado sugere que nós possamos ser capazes de fazer IPSCs sem colocar nada dentro do núcleo celular, o que significa que essas células terão menos mutações e melhores propriedades de forma geral”, disse a autora sênior Kristin Baldwin, professora associada no departamento de neurociências da TSRI.
IPSCs podem ser feitas a partir das células do próprio paciente, e possuem uma multitude de potenciais usos em terapias celulares personalizadas e regeneração de órgãos. Porém, nenhum dos usos clínicos esperados das IPSCs conseguiram ser realizados até o momento, em parte por causa do risco envolvido em sua produção.
O procedimento padrão de indução de IPSCs, desenvolvido uma década atrás e conhecido como OSKM, envolve a inserção em genes de células adultas de quatro fatores de transcrição: Oct4, Sox2, Klf4 e c-Myc. Com esses genes adicionados e ativos, os fatores de transcrição que eles codificam são produzidos e, por sua vez, reprogramam as células para que elas se transformem em IPSCs.
Um problema com esse procedimento é que os eventos de inserção de fatores virais ou a superprodução desses fatores de reprogramação nuclear podem danificar a célula de uma forma que pode até torná-la cancerosa. Outro problema é que esse processo de reprogramação geralmente fornece IPSCs com propriedades variáveis. “Essa variabilidade pode ser um problema mesmo enquanto usamos IPSCs no laboratório para estudar doenças”, disse Baldwin.
Em contraste, durante o desenvolvimento animal normal, a identidade da célula é alterada por sinais moleculares que vem de fora da célula e induzem mudanças na atividade genética, sem inserções arriscadas de DNA. Para encontrar esses caminhos naturais – pelos quais células comuns podem se transformar em IPSCs – Baldwin e sua equipe se juntaram com o laboratório do prof. Richard Lerner, também do TSRI e professor de imunoquímica. Lerner foi pioneiro no desenvolvimento e análise de grandes bibliotecas de anticorpos humanos para encontrar novas drogas baseadas em anticorpos e sondas científicas.
Nesse caso, o time, incluindo o estudante de graduação Joel W. Blanchard e pesquisador pós-doutor associado Jia Xie, que foram autores principais, montaram uma biblioteca de cerca de 100 milhões de anticorpos distintos e a utilizaram para encontrar quais poderiam servir como substitutos para a indução por fatores de transcrição OSKM.
Em um conjunto inicial de experimentos, os pesquisadores tentaram identificar anticorpos que pudessem substituir tanto a Sox2 e a c-Myc. Eles estabeleceram uma grande população de fibroblastos de rato – comumente utilizadas para gerar IPSCs em experimentos – e inseriram os genes para os outros dois fatores de transcrição, Oct4 e Klf4. Em seguida eles adicionaram a biblioteca de anticorpos às células, de forma que cada célula acabou contendo os genes para um ou mais anticorpos.
Os cientistas puderam então observar quais células começaram a formar colônias de células-tronco – indicando que um dos anticorpos produzidos por estas células havia substituído com sucesso as funções da Sox2 e c-Myc e causado a mudança de identidade celular. Sequenciando o DNA dessas células permitiu que os pesquisadores determinassem quais eram os anticorpos responsáveis.
Dessa maneira, a equipe da TSRI descobriu dois anticorpos que podem substituir tanto a Sox2 como a c-Myc, e em um conjunto de testes similar encontraram mais dois que podem substituir um terceiro fator de transcrição, o Oct4. Os cientistas mostraram que ao invés de inserir estes fatores de transcrição nas células, eles podiam simplesmente fornecer os anticorpos aos fibroblastos em cultura.
Neste estudo inicial, os pesquisadores foram incapazes de encontrar anticorpos que substituam a função do quarto fator de transcrição, o Klf4. Porém, Baldwin espera que com uma análise mais extensiva ela e seus colegas sejam eventualmente capazes de encontrar anticorpos substitutos também para o Klf4. “Isso ainda vai levar mais alguns anos para descobrir”, disse ela.
A abordagem de screening de anticorpos (que é a análise que foi utilizada) permite aos cientistas, em princípio, não só encontrar anticorpos que substituam os fatores de transcrição OSKM, mas também estudar a as vias de sinalização naturais pelos quais estes anticorpos atuam.
Como prova desse princípio, os cientistas descobriram que um dos anticorpos que substituem o Sox2 se liga a uma proteína de membrana chamada Basp1. O evento de ligação bloqueia a atividade normal da Basp1 e portanto remove a inibição da WT1, um fator de transcrição que trabalha no núcleo da célula. WT1, ao atuar, altera a atividade de múltiplos genes, incluindo eventualmente a Sox2, promovendo a estimulação da reprogramação usando uma ordem de eventos diferente do que quando se usa a inserção dos fatores de reprogramação originais.
WT1 (Wilms tumor 1) é superproduzido em alguns cânceres e é considerado um oncogene. Esse fato realça o valor desses estudos: ajudar os cientistas a entenderem a relação entre o desenvolvimento de células cancerígenas e o estado de células-tronco.
Os pesquisadores da TSRI agora planejam estudos maiores e mais complexos de screening usando células humanas invés de células de rato.