Algum tempo atrás, falar sobre os mitos da agricultura orgânica era o principal projeto para o vídeo que marcaria a volta do meu canal no YouTube. Porém, a minha vida de YouTuber foi mais fracassada do que a campanha da Alemanha, não por falta de vontade ou potencial, e sim porque vídeos de boa qualidade requerem um grande tempo o qual não estou disposto a perder.
Então, eis que surge um terreno fértil para a ascensão desse debate: a flexibilização da regulamentação dos agrotóxicos. Esse fato fez com que muitos começassem a espalhar supostos benefícios das comidas orgânicas que, na verdade, não existem. Senti, pois, a necessidade de fazer um texto sobre, abordando tópicos principais e resumindo alguns textos que li.
O artigo principal que eu utilizei como base foi o do Scientific American, disponível aqui. Lembrando que: (1) os orgânicos realmente possuem benefícios, porém, destacarei apenas aqueles que se passam por tais, mas, na verdade, são mitos e; (2) todos esses dados devem ser individualizados e dependem do produtor, o objetivo é demonstrar que os benefícios são relativos e, embora culturas orgânicas (CO) tenham benefícios, nem sempre elas terão mais vantagens que as culturas convencionais (CC).
“Alimentos orgânicos não usam pesticidas”
As culturas orgânicas usam sim pesticidas e não só usam quanto podem o fazer em quantidade maior do que em culturas convencionais, de acordo com o, em tradução literal, Centro Nacional para Políticas de Agricultura e Alimentação dos Estados Unidos. Todavia, os pesticidas utilizados têm origem orgânica, e não sintética (cerca de 20 de todos os pesticidas aprovados nos Estados Unidos são orgânicos). Isso não os faz mais saudáveis, e sim os coloca na categoria de “orgânicos” (perceba que são dois conceitos diferentes). Um dos que se pode se citar é a rotenona, associada a Mal de Parkinson e que foi banida em muitos países. Escolher pesticidas orgânicos também não demonstrou nenhum benefício adicional em relação aos convencionais. Ainda, um estudo encontrou mais microrganismos patógenos na CO do que na CC.
“Alimentos orgânicos são mais saudáveis”
Até agora, não há evidências disso. Uma revisão analisou 50 anos de estudos com 162 artigos e concluiu que não há benefício de um sobre o outro, ou seja, são igualmente nutritivos. Outro estudo analisou 240 artigos e chegou a mesma conclusão.
Outra coisa que falam é que seriam melhores que os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), o que também é falso. Os OGMs têm diversas alterações que podem servir para um aumento de produtividade e nutrientes, diminuição de pestes por meios realmente naturais (por exemplo, plantas que produzam enzimas que parem o crescimento de certas larvas) e do uso de agrotóxicos. Na verdade, utilizar OGMs demonstra grande vantagem na produtividade em relação aos orgânicos. Isso e mais algumas coisas eu explico em meu vídeo no YouTube. Porém, aqui, fica uma pequena ressalva de que há, de fato, bons argumentos contra os OGMs, baseados no Princípio da Precaução, mas não é algo que deva ser discutido agora (quem se interessar, clique aqui).
“A cultura orgânica é melhor para o ambiente e pode ser mais produtiva que a convencional”
Para um mesmo território, a produtividade de uma CO é 20% menor do que uma CC. Isso implica que a CO deveria expandir sua zona de cultura para que se igualasse à CC em termos de produção. Porém, a CO parece ser melhor em perspectivas de culturas pequenas, especialmente, de subsistência. No artigo, ainda há um trecho dizendo: “Descobrimos que a produtividade das colheitas é 20% menor nos sistemas orgânicos, embora a entrada de fertilizantes e energia tenha sido reduzida em 34 a 53% e a entrada de pesticidas em 97%. Maior fertilidade do solo e maior biodiversidade encontrada em parcelas orgânicas podem tornar esses sistemas menos dependentes de insumos externos.”. Outro estudo fez uma meta-análise de 362 estudos e encontrou resultados parecidos, permeando também entre 20%, e concluindo, da mesma forma, que essa diferença de produtividade aumenta à medida que se considera culturas em terrenos maiores.
O texto-base estima que 800 milhões de pessoas sofrem com a fome. Estima-se que o número seria de 1,3 bilhões caso todas as culturas do mundo fossem orgânicas, provavelmente, porque haveria necessidade por uma expansão de terreno, mas se isso não fosse concretizado, diminuindo a produtividade. Porém, essa afirmação carece de fontes. Um estudo, feito em Gana, por outro lado, “apontou que, a longo prazo, CO podem ser mais produtivas, pois […] podem alcançar ganhos técnicos superiores se praticadas de acordo com o recomendado”. Isso garante que, embora saibamos que é mais provável que a CO seja menos produtiva, mais estudos são necessários para fazer uma afirmação de certeza.