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Seria a psicologia evolutiva uma empreitada falha?

Por Laurence A. Moran
Publicado na SandWalk

Nós estávamos discutindo o campo da psicologia evolutiva em nosso encontro científico local em um barzinho semana passada. A discussão foi iniciada ao assistirmos um vídeo do Steven Pinker conversando com o Stephen Fry. Eu apontei que o campo da psicologia evolutiva é uma bagunça e muitos cientistas e filósofos acreditam que ele seja fundamentalmente falho. O propósito desta postagem é providenciar fontes e links que sustentem a minha afirmação.

Existem diversas boas fontes de informação que podem ser consultadas. Os artigos da Wikipedia tomam nota da natureza controversa da Psicologia Evolutiva (em inglês) [Evolutionary Psychology] [Criticism of evolutionary psychology]. O artigo do Stephen M. Downes no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy é bastante compreensível. Ele inclui uma discussão extensiva das potenciais falhas da psicologia evolutiva (em inglês) [Evolutionary Psychology]. Downes afirma…

“Eu disse em minha introdução que há um amplo consenso entre filósofos da ciência que a psicologia evolutiva é uma empreitada profundamente falha e alguns filósofos da biologia continuam a nos lembrar desse sentimento (veja Dupre 2012). Porém o consenso relevante não é completo, havendo alguns proponentes da psicologia evolutiva entre filósofos da ciência”.

Eu acho que há um amplo consenso entre biólogos evolutivos também. A crítica dos biólogos é sumarizada por Robert C. Richardson (um filósofo) em seu livro Evolutionary Psychology as a Maladapted Psychology (acima).

“As afirmações da psicologia evolutiva podem até ser adequadas enquanto psicologia, mas quais são suas credenciais evolutivas? Richardson considera três maneiras que hipóteses adaptativas podem ser avaliadas, usando exemplos da literatura biológica para ilustrar quais tipos de evidências e metodologias seriam necessários para estabelecer explicações evolutivas e adaptativas específicas das características psicológicas humanas. Ele mostra que explicações existentes dentro da psicologia evolutiva falham miseravelmente em se adequar aos padrões esperados pela biologia. As teorias oferecidas pela psicologia evolutiva podem identificar características que são, ou foram, benéficas para seres humanos. Mas, avaliada por padrões biológicos, as evidências são inadequadas: psicólogos evolutivos são amplamente silenciosos sobre as evidências evolutivas relevantes para a avaliação de suas afirmações, incluindo questões como variação em populações ancestrais, herdabilidade e vantagens oferecidas aos nossos ancestrais. Como afirmações evolutivas, elas são não substanciadas. A psicologia evolutiva, Richardson conclui, pode oferecer um programa de pesquisa, mas lhe falta o tipo de evidência que é normalmente esperado dentro da psicologia evolutiva. É especulação em vez de ciência firme – e devemos tratar suas afirmações com ceticismo”.

Você pode discordar das críticas da psicologia evolutiva, mas não é possível negar que a disciplina está sob ataque. De fato, é difícil pensar em outra disciplina acadêmica cuja validade fundamental seja questionada de forma tão aberta. (Em Inglês) [Evolutionary Psychology Deserves Criticism] [How Valid Is Evolutionary Psychology?] [Four Fallacies of Pop Evolutionary Psychology] [A Critique of Evolutionary Psychology] [A critique of evolutionary psychology]

O campo da psicologia evolutiva é cheio de pensamento hyper-adaptacionista. A sua função primária é explicar características modernas do comportamento humano como adaptações que ocorreram em populações humanas primitivas. De uma perspectiva evolutiva, isso requer que o comportamento possua fortes bases genéticas pra ser submetido à evolução por seleção natural. Requer que populações primitivas contenham alelos para os comportamentos modernos bem como alelos para outros comportamentos diversos que reduziam a aptidão. Finalmente, requer que a seleção do comportamento moderno seja forte o suficiente para levar à sua fixação em apenas algumas centenas de milhares de anos.

Todas essas premissas requerem suporte de evidências que estão quase sempre faltando em publicações de psicologia evolutiva. Na ausência de evidências, a suposição padrão deveria ser de que o comportamento é cultural. Se não há evidências de um componente genético, a suposição padrão deveria ser fixação por deriva a menos que existam evidências de seleção [Veja, em inglês, 5 Ways to Make Progress in Evolutionary Psychology: Smash, Not Match, Stereotypes].

John Wilkins, entre outros, tentou defender a psicologia evolutiva dessas críticas [Eww, I stepped in some evolutionary psychology and other crap] [Evopsychopathy 1. Conditions for sociobiology]. Steven Pinker também respondeu aos seus críticos [A defense of evolutionary psychology (mostly by Steve Pinker)].

Em teoria, deveria ser possível montar uma defesa efetiva da psicologia evolutiva simplesmente perguntando aos proponentes para que listem as conquistas da área. Então, qualquer um poderia pesar os sucessos contra as falhas e chegar a uma conclusão sobre o valor da disciplina como um todo. PZ Myers tentou encontrar alguns bons exemplos de bons artigos de psicologia evolutiva, mas desistiu [Kate Clancy tackles Evolutionary Psychology]. Jerry Coyne ofereceu um paper como evidência de que a área não é completamente inútil  [The Best of Evolutionary Psychology According to Jerry Coyne].

Há alguns anos, estive discutindo essa questão com Gad Saad, um psicólogo evolutivo na McGill University, em Montreal, Canadá. Ele defendeu a sua área listando um número de conquistas notáveis [The Great, Profound, and Valuable Works of Evolutionary Psychology]. Eu vou encerrar essa postagem dando à você a lista dele, e deixando você decidir por conta própria se a disciplina tem valor. Enquanto lê a lista, pergunte a si próprio as seguintes questões:

  • Há evidências que genes (alelos) são responsáveis por essa característica?
  • Há evidências de que em sociedades primitivas essa característica aumentava a aptidão mais do que as características originais e presumivelmente deletérias?
  • Há evidências de que essa é uma característica universal presente em todas as populações humanas?
  1. Mulheres alteram suas preferências por características faciais masculinas em função de onde elas se encontram no ciclo menstrual. Em período de máxima fertilidade, elas preferem homens que possuam marcadores de alta testosterona.
  2. Bebês apresentam uma preferência imediata e institucional por faces simétricas (Em uma idade que precede a capacidade por socialização)
  3. Crianças que sofrem de hiperplasia adrenal congênita apresentam uma reversão em suas preferências por brinquedos. Além disso, utilizando-se de comparações inter-espécies, macacos vervet apresentam os mesmos padrões sexo-específicos de brincadeiras/brinquedos que crianças humanas. Isso sugere que, contrário ao argumento feito por social construtivistas, o ato de brincar evoluiu com bases biológicas.
  4. Indivíduos que marcam altos valores na escala de empatia tem maior chance de sucumbir aos efeitos contagiosos do bocejo. Isso é indicativo de que essa forma particular de contágio pode ser ligada à mímica e/ou Teoria da Mente.
  5. O quão provocativamente uma mulher se veste é altamente correlacionado com seu ciclo menstrual (uma forma de sinalização sexual encontrada em diversas espécies de mamíferos).
  6. Tradições culinárias são adaptadas para nichos locais. Por exemplo, o quanto uma criatura usa carne versus vegetais, temperos ou sal é uma adaptação cultural (isso é o que ecologistas comportamentais estudam).
  7. Avós maternas e avôs paternas investem respectivamente mais e menos em seus netos. Enquanto todos os avós possuem um coeficiente de parentesco genético de 0,25 com seus netos, eles não possuem os mesmos níveis de “incerteza parental”. No caso das avós maternas, não há dúvidas enquanto no caso do avô paterna, há duas fontes de dúvida. Esse último fato impulsiona o padrão diferenciado de investimento parental.
  8. Bons dançarinos masculinos são simétricos (artigo publicado na Nature). Seria possível esperar que algumas características comportamentais podem correlacionar com qualidade fenotípica como sinais honestos da desejabilidade de um indivíduo no mercado sexual.
  9. A preferência individual a perfumes está ligada ao perfil imunogenético deste indivíduo (Complexo Maior de Histocompatibilidade, ou MHC)
  10. Quando um bebê nasce, a maioria dos familiares (especialmente maternos) provavelmente falarão que o bebê se parece com o pai. Esse fenômeno é encontrado em incontáveis culturas apesar de ser objetivamente impossível fazer tal afirmação de semelhança. A razão para essa universalmente encontrada tradição cultural reside na necessidade de dispersar medos de incerteza de paternidade.
  11. Estressores ambientais (por exemplo, ausência paterna) e a chegada da menarca (primeira menstruação) foram demonstrados como fatores altamente correlacionados. Em numerosas espécies, a chance de uma fêmea se tornar reprodutivamente viável é afetada por contingências ambientais.
  12. Mulheres são menos receptivas à testes de paternidade mandatórios em hospitais (por razões óbvias). Em outras palavras, sua disposição a adotar um novo produto ou serviço é completamente impulsionada por um cálculo evolutivamente-baseado.
  13. Mulheres conseguem cheirar o homem mais simétrico. Em outras palavras, mulheres possuem a capacidade de identificar o homem que possui a melhor qualidade fenotípica simplesmente através de seus narizes. Isso é o que eu referenciei como convergência sensorial.
  14. Utilizando ressonância magnética funcional, a exposição à estímulos ecologicamente relevantes (por exemplo, faces bonitas) gera padrões de ativação neural distintos em homens e mulheres.
  15. Na escolha de um parceiro, humanos tendem a preferir o cheiro de outros que são maximamente diferentes do seu próprio MHC. Isso garante que a prole possua o máximo de “cobertura defensiva” em termos do seu sistema imunológico.
Lucas Rosa

Lucas Rosa

Lucas Rodolfo de Oliveira Rosa é graduado em Ciências Biomédicas pela UNESP e Mestrando em Biologia Funcional e Molecular pela UNICAMP. Entusiasta pela ciência desde criança, Lucas é colaborador do Universo Racionalista e Editor-Chefe em Mural Científico (www.muralcientifico.com), sua plataforma aberta de divulgação científica nacional e internacional. Lattes http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4854743Z0