Por Kelly Servick
Publicado na Science
Pela primeira vez, cientistas conseguiram uma imagem do cérebro inteiro de uma mosca Drosophila melanogaster, com detalhamento suficiente para detectar as junções, ou sinapses, individuais entre cada neurônio. O banco de dados de imagens resultante pode ajudar pesquisadores a mapear os circuitos neurais que permeiam cada zumbido e movimento aéreo do comportamento da mosca.
“Esse grupo de dados, e a oportunidade que ele cria, é possivelmente uma das coisas mais importantes que aconteceram na neurobiologia recentemente”, disse Rachel Wilson, uma neurobiologista de Harvard que não está envolvida com o trabalho. “Qualquer pessoa no mundo interessada pode baixar os dados e determinar se quaisquer dois neurônios falam um com o outro”.
O cérebro de 100 mil neurônios da mosca é trivial se comparado aos aproximadamente 100 bilhões de neurônios nas nossas próprias cabeças. Mas a mosca é “muito mais do que aquela coisinha irritante que você espanta da sua taça de vinho na mesa de jantar”, disse Davi Bock, neurocientista da Howard Huges Medical School Institute’s Janelia Research Campus em Ashburn, Virginia. Alguns sistemas no cérebro da mosca – como aqueles responsáveis por detectar e se lembrar de cheiros – provavelmente compartilham “princípios comuns” com os de humanos.
Para identificar características de sinapses individuais, onde o sinal de um neurônio atravessa para o outro, Bock e colegas usaram um microscópio eletrônico, que pode observar em muito mais detalhes do que um microscópio de luz tradicional. Eles imergiram o cérebro da mosca em uma solução contendo metais pesados, que se ligaram às membranas dos neurônios e às proteínas nas sinapses. Isso fez o cérebro parecer um punhado de macarrão, pretos por fora e brancos por dentro. Bock explicou. Então, uma faca de diamante cortou o cérebro em 7000 fatias, cada uma delas sendo bombardeada com um feixe de elétrons do microscópio para criar uma imagem.
O processo exigiu uma câmera que pudesse captar 100 frames por segundo, um sistema robótico para colocar cada fatia no lugar com precisão nanométrica, e um software para juntar as 21 milhões de fotos resultantes. O resultado é uma reconstrução que permite aos pesquisadores darem zoom nas características de sinapses individuais.
“Esse artigo é a definição absoluta de tour de force em termos de realização técnica”, disse a neurobiologista Cornelia Bargmann da Rockfeller University em New York. Ela estuda o sistema nervoso do nematoide Caenorhabditis elegans; um diagrama de fiação, ou connectoma, dos seus 302 neurônios foi publicado em 1986. Para obter um diagrama similar do cérebro da mosca, pesquisadores terão que usar as novas imagens para rastrear cada neurônio e cada outro neurônio com o qual ele se comunica (emitindo ou recebendo mensagens) através do cérebro.
Até agora, a equipe de Bock fizeram isso para um pequeno conjunto de neurônios em uma parte do cérebro envolvida com aprender e lembrar cheiros chamado de Mushroom Body (em inglês). Aquele projeto inicial, descrito na Cell, deu novos detalhes sobre o já bem estudado sistema olfatório. Por exemplo, neurônios que transmitem informações sobre odor para células do Mushroom Body formam grupos inesperadamente firmes, o que Bock e sua equipe agora estão estudando em busca de pistas sobre como moscas experimentam odores do seu ambiente.
Se equipes ao redor do mundo conseguirem fazer um diagrama de fiação completo do cérebro da mosca, eles serão então capazes de combinar essa informação com outras tecnologias que monitoram e gravam atividade cerebral em moscas vivas. A força de conexões entre neurônios muda em diferentes contextos e ao longo do tempo, Bargmann realçou. “Eu trabalhei em um organismo com um connectoma há trinta anos, e ainda estamos descobrindo como aquele sistema nervoso funciona”.
Mas as capacidades técnicas descritas no artigo sugere que em breve será possível mapear o connectoma de uma criatura ainda mais próxima evolutivamente dos seres humanos. “Já que a mosca funcionou, o zebrafish (uma espécie de peixe) está em um nível de complexidade similar”, disse Bargmann. “Acho que poderíamos conseguir chegar em vertebrados em não muito tempo”.