Por Michelle Starr
Publicado no Science Alert
O ano de 2019 chegou. Com ele, nos foi prometido um momento inédito na história da astronomia. Durante anos, o interferômetro Event Horizon Telescope trabalhou para nos trazer a primeiríssima fotografia de um horizonte de eventos de um buraco negro.
Na verdade, mesmo que sejam populares no imaginário do público, nunca realmente vimos um buraco negro. E o motivo é ironicamente simples: buracos negros são literalmente invisíveis. A força atrativa de sua gravidade é tão grande que, a partir de certo ponto, nada escapa. Isso inclui a radiação eletromagnética – tal como raios-X, infravermelho, luz visível e ondas de rádio – que nos permitiriam observar o objeto diretamente.
Esse ponto a partir do qual nada escapa é chamado de horizonte de eventos, e além de ser um lugar horrível onde você nunca desejaria estar, também é nossa única esperança de realmente visualizar um buraco negro.
Enquanto somos incapazes de ver o buraco negro propriamente dito, há uma chance do horizonte de eventos ser fotografado; e estamos tentadoramente próximos de ver esse resultado graças ao Event Horizon Telescope (EHT), que pode fazer um pronunciamento a qualquer hora.
Porém, muito antes do EHT, houve um astrofísico de nome Jean-Pierre Luminet. Ainda em 1978 ele já tinha nos dado o que poderia ser interpretada como a primeira foto do horizonte de eventos de um buraco negro.
Não é, obviamente, uma foto de verdade. Luminet, cuja especialidade era matemática, usou suas habilidades para fazer a primeira simulação computadorizada de um buraco negro visto por um observador, usando um computador IBM 7040 de 1960 que ainda funcionava com cartões perfurados. “Naquela época ainda era um assunto muito exótico, e muitos astrônomos não acreditavam em sua existência,” Luminet disse ao ScienceAlert.
“Eu queria explorar a física bizarra dos buracos negros e propor mecanismos específicos que nos ajudariam a conseguir sinais indiretos de sua possível existência. Além do mais, para dar continuidade à ironia, com um nome como ‘Luminet’, eu gostei muito da possibilidade de uma estrela não-luminosa dando origem à um fenômeno observável no horizonte de eventos.” Luminet ilustrou meticulosamente à mão com caneta e tinta India em negativo de papel os dados do computador, como uma impressora humana.
A imagem difusa – vista abaixo – mostra como seria um disco chato de material caindo dentro de um buraco negro se pudéssemos chegar bem perto para ver. Porém, o disco não parece chato ou plano porque a gravidade intensa do buraco negro dobra a luz ao seu redor.
“De fato, o campo gravitacional curva os raios de luz próximos ao buraco negro de tal modo que a parte posterior do disco é ‘revelada’,” Luminet explicou em um artigo publicado no arXiv em 2018.
“A dobra dos raios de luz gera uma imagem secundária que nos permite ver o outro lado do disco de acreção (disco de materiais em órbita) ‘acima’ do buraco negro, que na realidade estão no lado contrário do buraco negro em relação ao observador.”
Luminet foi o primeiro, mas não o único, a ser cativado pelo mistério de como um buraco negro se pareceria. Outros tentaram visualizar esses objetos desde então, expressando seus esforços até nas telonas.
O filme de 2014 do diretor Christopher Nolan Interestelar foi elogiado por sua representação “cientificamente coerente” de um buraco negro, fortemente baseada no trabalho conduzido por Luminet décadas antes, e concebida com direito à consulta com o físico teórico da Caltech Kip Thorne.
Por fim, o filme optou por uma versão simplificada do buraco negro a fim de ser menos confuso e mais bonito nas telas. Foi certamente impressionante; porém, de acordo com ambos Luminet e Thorne, não é como um buraco negro realmente se pareceria.
As imagens primárias e secundárias criadas pelo campo gravitacional estão no filme e são corretas. No entanto, diferentemente da ilustração de Luminet, o brilho do disco de acreção no filme é uniforme.
“É precisamente essa forte assimetria de luminosidade aparente,” escreveu Luminet, “que é a assinatura de um buraco negro, o único corpo celeste capaz de dar às regiões internas do disco de acreção uma velocidade de rotação próxima à da luz, induzindo um efeito Doppler intenso que torna a distribuição de luz desigual no disco.”
Luminet redigiu um artigo de 15 páginas sobre a ciência do filme e Thorne escreveu um livro sobre esse tópico.
Você deve ter notado que todas essas versões de buracos negros não se parecem em nada com outros tipos de fotos de buracos negros que você talvez tenha visto, notadamente divulgadas pelo interferômetro LIGO em 2016, o mesmo que descobriu as ondas gravitacionais.
A concepção de buraco negro no vídeo é baseada no trabalho do astrofísico Alain Riazuelo membro do Centro Nacional Francês para Pesquisa Científica e da União Astronômica Internacional, que primeiro simulou um buraco negro de tal forma em 2016.
O motivo pelo qual esses buracos negros são diferentes é porque a concepção artística mostra um buraco negro quiescente (em baixa atividade) – ou seja, sem disco de acreção.
Retirando esse revestimento de gás e poeira, a gravidade do buraco negro deforma o espaço atrás de si; e se estivéssemos perto o suficiente para observar o buraco negro, começaríamos a nos mover capturados por sua gravidade e postos em órbita. Essa é a razão pela qual o buraco negro parece se mover através do fundo de estrelas.
No caso de dois buracos negros juntos, como visto no vídeo do LIGO, cada buraco negro tem uma pequena imagem secundária em forma de banana aparecendo atrás de si, causada pelas lentes gravitacionais do outro buraco negro. (A gravidade é elegante.)
O EHT passou os últimos anos se concentrando no Sagittarius A*, o buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia, a Via Láctea.
Não sabemos o que vamos encontrar; é possível que os dados nos forneçam apenas uns pixels borrados. (Se esse for o caso, mais telescópios se juntarão em colaboração, e cientistas tentarão de novo). Dado que o buraco negro tinha um disco de acreção durante as observações, antecipamos que o resultado se pareça muito com o trabalho de Luminet.
Além do mais, com sorte, a colaboração nos ajudará a entender mais sobre a polarização de radiação, a estrutura de um campo magnético e os jatos relativísticos de um buraco negro. Já nos rendeu pistas acerca da estrutura do espaço ao redor de um buraco negro.
Mas qual a parte mais emocionante sobre o trabalho do EHT? Nessa parte concordamos totalmente com Luminet: “A foto do disco de acreção!“, disse ele.
E nós não perdemos por esperar.