Por Herton Escobar
Publicado na Science
O desmatamento está aumentando novamente na Amazônia brasileira, de acordo com os dados de monitoramento por satélite. Mas o presidente de extrema-direta do Brasil, Jair Bolsonaro, que muitos culpam pelo aumento, contestou a afirmação e atacou a credibilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que produziu os dados. Bolsonaro classificou os números como “mentirosos” durante uma conversa de café da manhã com jornalistas no dia 19 de julho, e sugeriu que o diretor do INPE, Ricardo Galvão, estava “a serviço de algumas organizações não-governamentais”. “Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido”, disse ele.
Seus comentários provocaram uma reação imediata da comunidade científica, a qual se sente cada vez mais acuada pelo governo Bolsonaro. “Os satélites não são responsáveis pela desmatamento – eles registram apenas objetivamente o que acontece”, diz um manifesto da Coalizão Ciência e Sociedade, um grupo formado recentemente por cientistas preocupados com os desenvolvimentos políticos no Brasil. “Os fatos científicos prevalecerão, quer as pessoas acreditem ou não neles”. Galvão chamou Bolsonaro de “covarde” por expressar acusações infundadas em público. “Espero que ele me chame a Brasília para explicar os dados e tenha coragem de repetir [o que disse] cara a cara”, disse Galvão em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
Bolsonaro – que disse que Galvão poderia se reunir com um ministro do gabinete – reduziu suas críticas, mas insistiu que o INPE deveria consultar as autoridades do governo antes de divulgar os dados do desmatamento no futuro, porque estaria prejudicando a imagem do Brasil no exterior. (A política oficial do INPE é divulgar todos seus dados.) Muitos cientistas e ambientalistas proeminentes culpam o aumento do desmatamento por declarações e políticas agressivas de desenvolvimento de Bolsonaro, que inclui a promoção da agricultura e mineração em terras protegidas.
O INPE, um instituto de pesquisa público com sede em São José dos Campos, vem acompanhando o desmatamento na Amazônia por meio de imagens de satélites desde a década de 1970. “Esses dados são utilizados como um indicador confiável do que está acontecendo na Amazônia brasileira”, diz Bill Laurance, diretor do Centre for Tropical Environmental and Sustainability Science da James Cook University, em Cairns, Austrália. Um dos sistemas de monitoramento do INPE, chamado de Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER), gera um alerta toda vez que uma clareira maior que 3 hectares é detectada no dossel da floresta. Ele é projetado para funcionar como um sistema de alarme e guiar a aplicação da lei em campo, mas também gera registros aproximados de novos desmatamentos que são liberados semanalmente. Os dados mais recentes do DETER sugerem que mais de 4200 quilômetros quadrados de floresta foram cortados da Amazônia brasileira entre 1º de janeiro, quando Bolsonaro assumiu o poder, e 24 de julho. Isso é 50% mais do que nos primeiros 7 meses de 2018 e mais do que o dobro da área desminada no mesmo período de 2017.
Outro sistema, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia por Satélite (PRODES), gera as taxas anuais oficiais de desmatamento do Brasil, calculadas a partir de uma seleção de fotos de alta resolução de diferentes satélites. Embora o PRODES seja mais preciso do que o DETER, os dois sistemas tendem a concordar entre si, então é provável que o próximo relatório do PRODES, esperado para dezembro, mostre um pico de desmatamento de magnitude similar, dizem os analistas.
“Afirmar que os dados do INPE são mentirosos é o mesmo que declarar que a Terra é plana”, diz Bill Laurance da James Cook University.
As taxas anuais de desmatamento diminuíram em mais de 80% entre 2004, quando o DETER entrou em operação, e em 2012, mas têm estado em tendência de alta desde então. Cerca de 7500 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados em 2018. Mas o pico desse ano se destaca, dizem especialistas. “Em vez de ser uma surpresa, o resultado confirma os muitos relatos de desmatamento [atividades] no solo, e se encaixa com a expectativa do clima de impunidade que a retórica do governo promoveu”, diz Philip Fearnsite do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia em Manuas, Brasil.
Bolsonaro é um feroz crítico das regulamentações ambientais brasileiras e agências de aplicação da lei, que ele afirma serem tendenciosas contra a agricultura e o desenvolvimento econômico. Ele transferiu o controle sobre as terras indígenas para o Ministério da Agricultura e prometeu rever os limites dos parques nacionais e de outras áreas protegidas que, de acordo com ele, estão retardando o progresso no Brasil.
Outros cientistas defendem os números do INPE. “Afirmar que os dados do INPE são mentirosos é o mesmo que declarar que a Terra é plana”, diz Laurance. “Eu sempre fui impressionado com a habilidade técnicas dos cientista do INPE e aplaudi-los por seus esforços pioneiros para fornecer estimativas anuais de desmatamento”, diz Douglas Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas no Goddard Space Flight Center da NASA em Greenbelt, Maryland, EUA, e professor adjunto da Universidade de Maryland em College Park.
O INPE recebeu muito menos apoio do ministro de Ciência e Tecnogia do Brasil, o ex-astronauta e engenheiro aeroespacial Marcos Pontes, cujo departamento supervisiona o instituto. Em uma declaração de 22 de julho, Pontes, um membro do partido de Bolsonaro, disse que mantém pelo INPE “alta consideração”, mas aceitou as preocupações de Bolsonaro ao condenar o contra-ataque de Galvão. Pontes disse que pediu um “relatório técnico completo” do INPE sobre os últimos 24 meses de dados de desmatamento e disse que seu ministério havia convidado Galvão para “esclarecimentos e orientações”. Ele também disse que concorda que o INPE não divulgue seus dados assim que estiverem prontos.
“É claro que ninguém esperava que ele [Pontes] entrasse em choque com o presidente”, diz Mercedes Bustamante, ecóloga da Universidade de Brasília e cofundadora da Coalizão Ciência e Sociedade, “mas o tom de sua declaração foi decepcionante”.