Por Steven Novella
Publicado na Neurologica
Um artigo recente de Emily Korstanje detalha a história de Nadia, uma garota de 18 anos da Arábia Saudita que sofria de depressão. Seus pais religiosos a levaram a um curandeiro que, através de métodos dúbios que a sufocavam até desmaiar, concluiu que seus sintomas eram resultado de possessão demoníaca.
Felizmente, Nadia conseguiu se livrar do curandeiro e desafiar seus pais, mas ela enfrenta um desafio ainda mais difícil: sua sociedade.
“Eles precisam separar a religião da psicologia, especialmente para nós, mulheres, que sofremos de depressão por causa de nossas péssimas circunstâncias, ou não poderemos – e não vamos – conseguir ajuda”, comenta Nadia. “A sociedade também precisa se livrar dessa vergonha das doenças mentais e parar de dizer que as pessoas são fracas ou não são perfeitamente crentes ou são possuídas! A espiritualidade é importante, mas isso não significa que você tenha que negar o que realmente está acontecendo, porque a tendência é só piorar.”
No passado, antes que a ciência nos ajudasse a entender coisas com a ajuda da psicologia e da neurociência, era compreensível que culturas pré-científicas buscassem superstições para explicar doenças mentais e distúrbios neurológicos. Eles não tinham como entender o que era uma convulsão, muito menos a esquizofrenia. Então, eles utilizavam as explicações que tinham e decidiam que esses indivíduos estavam possuídos por espíritos malignos, ou amaldiçoados, ou estavam sendo punidos por Deus ou pelos deuses.
Surpreende-me, no entanto, que no século XXI isso ainda ocorra. Agora, com todo o conhecimento da neurociência moderna, não há desculpa para confundir um distúrbio cerebral com possessão espiritual. Além disso, não precisamos procurar países de terceiro mundo para encontrar um exemplo: isso ainda está acontecendo nas nações modernas industrializadas.
Em 1991, o 20/20 da ABC exibiu um exorcismo de uma garota que estava supostamente possuída. Enquanto o narrador tentava desesperadamente nos convencer de que o que estávamos vendo era realmente incrível e desafiava as explicações comuns, o que eu vi foi um paciente com doença mental que estava sofrendo abuso. Sua “atuação” de possessão não era convincente. Nada sobrenatural, ou mesmo levemente interessante, estava ocorrendo.
Incrivelmente, eles declararam sucesso quando, depois de algumas horas, ela aparentemente ficou exausta. O público foi informado de que ela teve uma “recaída” mais tarde e, no entanto, teve que ser tratada com medicação antipsicótica padrão. Portanto, o exorcismo falhou completamente e o caso prosseguiu exatamente como se ela tivesse esquizofrenia.
Infelizmente, os exorcismos nem sempre são tão benignos como o que foi visto em 20/20. Todo ano, acontecem mortes por exorcismo. As vítimas são espancadas e sufocadas. Muitos outros sofrem esse abuso e sobrevivem.
O dano psicológico é mais difícil de medir. É geralmente aceito pelos profissionais de saúde mental que é prejudicial e contraproducente brincar com os delírios de um paciente. Você nunca diria a um esquizofrênico que a CIA realmente está ouvindo seus pensamentos através dos dentes. Contudo, isso é o mesmo que dizer que eles realmente estão possuídos por um demônio.
Pode haver uma redução temporária na ação de seus delírios se você executar um exorcismo, da mesma forma que pode ocorrer um efeito de curto prazo ao remover as restaurações dos dentes no exemplo acima. Contudo, nenhuma intervenção aborda o problema subjacente e não tem benefício verdadeiro ou de longo prazo.
A história de Nadia destaca que a crença supersticiosa na possessão e no abuso bárbaro do exorcismo é apenas parte de um espectro ainda maior. Ainda temos um problema generalizado de “demonizar” doenças mentais em algum momento. Há uma tendência de ver a doença mental não como uma doença, mas como uma falha pessoal ou uma escolha. Há quem até negue a existência da doença mental.
Eu penso que isso deriva, em grande parte, de uma suposição de que a maioria das pessoas faz sem perceber e que é difundida em nossa sociedade. As pessoas tendem a assumir que nossos cérebros são folhas em branco. Contudo, problemas com o “hardware” afetam coisas como movimento e sensação. Isso são, essencialmente, distúrbios neurológicos. A conexão entre o cérebro e nosso humor, pensamentos e comportamento, no entanto, é menos intuitiva. Talvez isso resulte do próprio fato de que nossos cérebros funcionam de tal forma a criar a ilusão perfeita de consciência e livre arbítrio. Estamos, por definição, inconscientes de todo o processamento subconsciente que ocorre.
Tendemos a supor que o comportamento das pessoas é deliberado e o resultado unicamente de uma escolha consciente. Mesmo algo tão fundamentalmente conectado, como a orientação sexual, será explicado por alguns como uma escolha livre e consciente.
O fato é que nosso humor, pensamentos e comportamento são tão uma manifestação do disparo dos neurônios em nossos cérebros como o movimento de sua mão ou o processamento de informações visuais. Os correlatos neurológicos da função mental podem operar suficientemente longe de uma faixa funcional a ponto de serem considerados um distúrbio. Uma certa quantidade de ansiedade e depressão é normal e saudável, parte de como lidamos com o mundo. Contudo, se você tem uma depressão esmagadora todos os dias, a ponto de não conseguir sair da cama, sem motivo externo aparente, é perfeitamente razoável concluir que esse nível de depressão é algum tipo de distúrbio cerebral.
Como não tendemos a ver humor, pensamentos e comportamento como funções cerebrais, também não vemos distúrbios dessas coisas como doenças. Tendemos a estigmatizá-los, culpar o paciente ou culpar um agente externo como um demônio ou um deus. Essa suposição falsa apenas aumenta o ônus que aqueles que lidam doenças mentais devem enfrentar. Também pode privá-los de uma chance significativa de lidar com seu distúrbio de maneira eficaz.
Ainda temos muito a aprender e a psiquiatria ainda está na infância. A psiquiatria também tem uma história conturbada, e talvez seja apenas na segunda metade do século XX que ela tenha virado à esquina para se tornar uma profissão médica razoavelmente moderna que pode identificar e tratar efetivamente muitos distúrbios. Ela ainda luta para entender a natureza básica de muitas doenças, categorizá-las de maneira significativa e tratá-las de maneira eficaz.
O tratamento de saúde mental, no entanto, pode ter um efeito dramático, e existem algumas doenças que respondem muito bem ao tratamento. A maior barreira ao tratamento continua sendo o estigma injusto associado à doença mental e as superstições primitivas ainda persistentes.
A crença na possessão demoníaca e no exorcismo é literalmente uma prática medieval que não tem lugar no mundo moderno. Ela duplamente vitimiza as pessoas, tanto física como mentalmente, privando-as muitas vezes da ajuda moderna de que necessitam.