Por Daniel Clery
Publicado na Science
Os buracos negros supermassivos consomem tudo em seu caminho, desde nuvens de gás a sistemas solares inteiros. Então, existe alguma maneira de alienígenas viverem em um mundo que realmente orbita uma dessas monstruosidades cósmicas? Surpreendentemente, a resposta é parcialmente sim, dizem os pesquisadores, embora existam muitas razões pelas quais a vida nunca poderia se estabelecer em tal lugar. Se assim fosse, viver em um planeta assim seria realmente surreal, com o buraco negro preenchendo quase metade do céu e concentrando os fótons restantes do Big Bang em um pseudosol.
O estudo foi inspirado no filme Interstellar de 2014, no qual os astronautas viajam através de um buraco de minhoca até um buraco negro gigante e visitam vários planetas em órbita ao redor dele. O astrofísico Pavel Bakala da Universidade da Silésia, em Opava, e seus colegas abordaram o problema considerando a termodinâmica desses mundos. Para que a vida evolua, um planeta precisa de uma fonte de energia utilizável (o Sol no caso da Terra) e de um local para dissipar o calor inutilizável (para nós, o frio do espaço). É a diferença entre os dois que impulsiona os processos que criam a vida.
Em Interestelar, a situação é inversa: o “sol” é frio e o espaço é quente. O próprio buraco negro é um dissipador de calor ideal, argumentam os pesquisadores, e a energia utilizável pode vir da radiação cósmica de fundo em microondas (CMB), a radiação fraca do Big Bang que permeia o espaço. Em apenas alguns graus acima do zero absoluto, a CMB é fraca, mas a gravidade extrema de um buraco negro supermassivo trituraria a radiação em comprimentos de onda ópticos e a canalizaria para um feixe estreito. Em um desses planetas bizarros, dizem os pesquisadores, a CMB apareceria como uma estrela brilhante logo na borda do buraco negro.
Os cientistas publicaram essa ideia, pela primeira vez, em 2017. Agora, eles estabeleceram números mais precisos. Para receber luz CMB forte o suficiente, um planeta precisaria orbitar próximo do horizonte de eventos do buraco negro. Normalmente, um objeto próximo seria eventualmente sugado. Se o buraco negro estivesse girando rapidamente, no entanto, órbitas estáveis próximas seriam possíveis. Para que o planeta se aproxime o suficiente, como relatam os pesquisadores no The Astrophysical Journal, a superfície do buraco negro teria que girar a menos de 100 milionésimos de um por cento da velocidade da luz.
O buraco negro também precisaria ser grande, calcula a equipe, tendo, pelo menos, 163 milhões de vezes a massa do Sol. Isso ocorre porque buracos negros supermassivos menores, como o da Via Láctea, que pesam até 4 milhões de massas solares, tendem a separar estrelas ou planetas distantes com as forças das marés à medida em que se aproximam. Em torno de buracos negros maiores, as perturbações das marés não ocorreriam até que uma estrela ou planeta estivesse dentro do horizonte de eventos, então qualquer coisa lá fora estaria a salvo desse destino.
Para um planeta em órbita prosperar, o centro galáctico também precisaria estar tranquilo: “Uma galáxia antiga”, diz Bakala, com “espaço quase vazio” ao redor do buraco negro. Isso porque qualquer outra matéria perdida que é sugada para o buraco negro emitirá uma explosão de radiação durante sua espiral mortal, sendo poderosa o suficiente para matar qualquer vida em um planeta próximo. De qualquer forma, Bakala admite: “Não sei que tipo de vida poderia se formar nesse tipo de ambiente”.
Certamente, não seria um lugar como o nosso lar. A escuridão profunda do horizonte de eventos, pairando sobre quase metade do céu, seria uma presença ameaçadora. E por causa dos efeitos da dilatação do tempo na teoria da gravidade de Albert Einstein, conhecida como relatividade geral, um ano em um planeta assim equivaleria a milhares de anos se passando em torno de uma estrela comum.
Mesmo se a vida pudesse se apossar em um mundo assim, haveria pouca chance de detectá-la. Bakala diz que uma vasta gama de radiotelescópios, como o utilizado no ano passado para visualizar um buraco negro pela primeira vez, pode ser capaz de detectar esse trânsito planetário. “Tecnicamente, não é tão fácil, mas em teoria é possível”.
O teórico Avi Loeb, da Universidade de Harvard, frequentemente pondera sobre essas questões. No ano passado, ele refletiu sobre “algumas coisas divertidas que você pode imaginar olhando de perto um buraco negro“, como utilizar seu disco de acúmulo para queimar lixo e produzir energia utilizável ou surfar com velas leves nos jatos vindos dos polos de um buraco negro. Embora ele diga que esses exercícios são úteis para ensinar sobre a gravidade e entender as condições extremas em torno de um buraco negro, ele oferece muitas razões pelas quais um planeta não poderia ser habitável.
Para começar, ele diz, a alta rotação exigida pelo buraco negro é próxima do máximo fisicamente possível, e não há qualquer mecanismo conhecido para girar um buraco negro tão rápido.
Outro problema é conseguir um planeta lá. No ano passado, os pesquisadores no Japão postularam que os planetas poderiam se formar no disco frio de gás e poeira que existe a certa distância em torno de um centro galáctico. Mas é difícil imaginar uma maneira de mover os planetas para outras órbitas, deslizando um pouco acima da superfície do buraco negro, diz Loeb.
Talvez o mais significativo seja que a maioria das estrelas nas partes internas das galáxias provavelmente seria despojada de suas atmosferas pelas poderosas explosões de luz ultravioleta extrema produzida pelo buraco negro central à medida em que cresce devorando gás e poeira, Loeb e um colega calcularam esse efeito alguns anos atrás. Um planeta próximo à sua superfície não teria chance.
Embora Bakala admita que o estudo foi simplesmente um exercício intelectual, em parte para fazer os alunos pensarem em termodinâmica, ele e sua equipe se perguntam sobre a detectabilidade de pequenos corpos próximos aos centros galácticos. Os astrônomos podem ver grandes sóis brilhantes, conhecidos como estrelas do tipo S, chegando nas proximidades, mas Bakala acha que os objetos mais antigos e mais fracos, como as estrelas de nêutrons, poderiam, através de uma peculiaridade da gravitação, tornarem suas presenças conhecidas.
Loeb diz que suas reflexões surgiram em um recente curso de graduação que ele ministrou. Ele perguntou a seus alunos se, caso a oferta surgisse, eles passeariam em uma nave espacial com alienígenas ou, alternativamente, viajariam para um buraco negro. Muitos disseram que gostariam de conhecer alienígenas, desde que tivessem acesso à Internet e pudessem compartilhar suas experiências com os amigos. Mas o turismo em buracos negros é impossível: uma vez dentro de um buraco negro, nem mesmo um Instagram pode escapar.