Por Raúl Limón
Publicado no El País
A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou nesta segunda-feira a suspensão “temporária” de ensaios clínicos internacionais com hidroxicloroquina por “precaução”, após a publicação na revista médica The Lancet de uma pesquisa que questiona a eficácia e alerta para os efeitos contraproducentes deste medicamento, criado inicialmente para a malária e popularizado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que reconheceu que o usa. A decisão, anunciada à tarde em uma conferência internacional do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, implica a paralisação dos testes no âmbito do combate à covid-19.
A pesquisa da The Lancet analisou mais de 96.000 pacientes em 671 hospitais em todo o mundo nos quais a cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina foram usados como possível tratamento contra o coronavírus. A conclusão, que motivou a decisão da OMS, é que nenhum desses compostos apresenta benefícios aos pacientes hospitalizados pela covid-19, mas aumentam o risco de sofrerem arritmias e de morrerem.
Os dois supostos tratamentos são compostos genéricos usados contra a malária e doenças autoimunes. Apesar de poucas evidências de sua utilidade, Trump e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, apostaram nesses medicamentos e provocaram uma alta demanda internacional, mesmo sem provas científicas sobre sua eficácia.
O último ministro da Saúde do Brasil, Nelson Teich, renunciou por causa de sua “discordância” de Bolsonaro sobre a hidroxicloroquina, cujo uso generalizado foi aprovado para pacientes do Covid. “Os recursos humanos são escassos. Aqui cada centavo vale ouro. O uso de recursos tem que ser adequado. Se já tenho coisas que não sei se funcionam, não posso gastar dinheiro nisso porque tenho muito pouco dinheiro”, explicou Teich sobre o apoio presidencial ao questionado tratamento.
O ministro da Saúde da França, Olivier Véran, pediu à inspetoria de medicamentos que faça uma análise e uma proposta de “revisão das normas de prescrição do medicamento”, segundo anunciou no sábado.
A pesquisa da The Lancet analisou a eficácia da prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina isoladamente ou com um antibiótico macrólido (azitromicina ou claritromicina) em comparação com pacientes que não receberam nenhum desses tratamentos. A mortalidade no grupo controle que não recebeu os fármacos foi de 9,3%, enquanto entre os que tomaram os medicamentos morreram 16% no grupo que tomou apenas cloroquina e 23% no que tomava hidroxicloroquina e um antibiótico. Os pacientes que tomaram alguns dos medicamentos testados apresentaram maior risco de arritmias, um problema cardíaco que pode desencadear morte súbita. O grupo com maior risco acrescido é o dos que tomavam hidroxicloroquina e antibióticos, com 8%, em comparação com 0,3% no grupo controle.
Os dirigentes da OMS alertaram que a suspensão é “temporária” e explicaram que se trata de um “processo comum” até que sejam obtidas mais informações científicas sobre esse medicamento, em especial depois da pesquisa científica que questiona seus efeitos.
Na Espanha, onde vários hospitais participam dos ensaios clínicos suspensos da OMS, o diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias, Fernando Simón, defendeu, após a publicação da The Lancet, o controle do uso e do tempo de administração da hidroxicloroquina. “O problema com a hidroxicloroquina é o tempo. Não acho que se a hidroxicloroquina está demonstrando um efeito de risco de infecção podemos dizer que ela não deve ser usada. O que precisamos fazer é controlar a dose, controlar o tempo de seu uso e, acima de tudo, ter muito cuidado para não administrá-la a pessoas que não deveriam tomá-la, pois esse tratamento não pode ser dado de qualquer maneira por qualquer pessoa, e deve ser bem prescrito por um médico”, concluiu ele na sexta-feira passada.