Por Charlotte Hartley
Publicado na Science
Por décadas, os espeleólogos se reuniram nas cavernas inundadas do Abismo de Hranice, na República Tcheca, que se estendem mais abaixo do solo do que qualquer outro sistema de cavernas de água doce. Agora, um esforço científico movido pela investigação da caverna revelou que ela tem 1 quilômetro de profundidade, mais de duas vezes a profundidade que se pensava anteriormente. Os pesquisadores também dizem que o abismo se formou quando a água subterrânea vazou da superfície, não quando a água subiu, como se acreditava anteriormente – uma descoberta que poderia questionar a origem de outras cavernas profundas.
O abismo fica em um carste – um relevo geológico parecido com um queijo suíço formado quando rochas solúveis como o calcário são lentamente dissolvidas pela água, também chamado de carso. A maioria das cavernas se forma da superfície para baixo, quando a água da chuva ou neve derretida – ligeiramente ácida por conta do dióxido de carbono dissolvido – chega ao subsolo, destruindo as rochas e criando rachaduras que se alargam com o tempo. No entanto, cavernas profundas também podem se formar de baixo para cima, quando a água subterrânea ácida aquecida pelo manto da Terra borbulha. Os pesquisadores acreditavam que o Abismo de Hranice estava nessa segunda categoria porque suas águas contêm isótopos de carbono e hélio que vêm das profundezas da Terra.
O Abismo de Hranice é a caverna de água doce mais profunda do mundo. Mas não é a mais profunda no geral. Essa honra pertence à caverna Veryovkina, na Geórgia, uma incursão de 2,2 quilômetros de profundidade formada quando o nível do mar do vizinho Mar Negro caiu drasticamente há milhões de anos. Em 2016, os pesquisadores, usando um veículo operado, remotamente estimaram que o Abismo de Hranice tinha 473,5 metros de profundidade. No entanto, o cabo de comunicação de fibra óptica do veículo evitou que ele fosse mais fundo, e a verdadeira extensão do sistema de cavernas permaneceu um mistério.
Agora, os cientistas revelaram uma imagem mais clara usando uma combinação de técnicas geofísicas. Primeiro, eles coletaram dados de uma série de eletrodos acima do solo que mediu a facilidade com que o calcário conduzia eletricidade – o que pode indicar regiões de rochas ou de fendas. Em seguida, eles usaram sensores para procurar pequenas variações na força de gravidade, que podem revelar cavernas. Finalmente, eles registraram os reflexos das ondas sísmicas produzidas pela detonação de pequenas cargas explosivas, uma forma de produzir um mapa subterrâneo do terreno acidentado.
A imagem resultante revelou um sistema de cavernas profundas em forma de trincheira – algumas cheias de sedimentos – que foram esculpidas no calcário, disse o geofísico Radek Klanica da Academia de Ciências da República Tcheca, que liderou o estudo. Surpreendentemente, essas trincheiras cobertas de sedimentos se estendem até cerca de 1 quilômetro abaixo da superfície – muito mais profundo do que as estimativas anteriores, a equipe relatou este mês no Journal of Geophysical Research: Earth Surface. Essa nova profundidade pode aumentar o apelo para os turistas, diz Klanica, o que é “especialmente importante” para a economia. Mas também oferece novos insights sobre a geologia local, o que pode ter implicações mais amplas para a manutenção do abastecimento de água na região.
Klanica e seus colegas também encontraram evidências de um antigo sistema de drenagem de águas subterrâneas no calcário, sugerindo uma nova origem superficial para o abismo. As trincheiras subterrâneas se alinham com montanhas de um lado e uma bacia profunda do outro. A água teria escorrido das montanhas para a antiga bacia, cavando cavernas de cima para baixo. Os pesquisadores acreditam que uma ressurgência adicional de água vinda de baixo pode ter ocorrido mais tarde, explicando a presença de isótopos de carbono e hélio. Klanica diz que isso significa que os cientistas podem precisar reconsiderar as origens de outras cavernas profundas supostamente formadas de baixo para cima, como a Lagoa Misteriosa no Brasil (em Bonito – Mato Grosso do Sul) ou a Boesmansgat na África do Sul.
Francesco Sauro, geólogo da Universidade de Bolonha que não esteve envolvido no estudo, elogia o uso de vários métodos geofísicos pela equipe. “É um bom exemplo de como você deve fazer as coisas”, diz ele. A nova profundidade estimada do abismo é “impressionante”, acrescenta. “Pode ser que outras cavernas tenham a mesma história, ou que cavernas [semelhantes a essa] possam ser ainda mais profundas”. Sauro também está curioso sobre que tipos de organismos vivos os cientistas podem encontrar nas profundezas do sistema de cavernas: “Não sabemos exatamente o que pode estar lá embaixo”.