Por Andrew Curry
Publicado na Science
Essa é a história de uma saga viking escrita em genes. Em 2008, um grupo de trabalhadores em uma obra na praia isolada da Estônia, perto da cidade de Salme, acabou descobrindo os esqueletos de mais de 40 homens fortes e de grande estatura. Eles foram enterrados por volta de 750 EC em dois navios com armas do estilo Viking e tesouros – aparentemente, após um ataque que deu errado. O DNA dos ossos acabou por acrescentar um detalhe tocante: quatro dos homens, enterrados ombro a ombro segurando suas espadas, eram irmãos.
Os novos dados vêm de um grande estudo para sequenciar o DNA dos vikings em toda a Europa. Os resultados, publicados na Nature, mostram um rastreamento de como os vikings se espalharam pela Europa a partir de sua terra natal escandinava e como pessoas com raízes em outros lugares também adotaram os costumes vikings. “A grande história está de acordo com o que é contado por arqueólogos e historiadores”, diz Erika Hagelberg, uma especialista de longa data em DNA da Universidade de Oslo que não fazia parte da equipe de pesquisa. “São os pequenos detalhes de lugares específicos que são realmente atraentes”. O sítio arqueológico da Estônia, por exemplo, oferece evidências robustas de que a tripulação era um grupo unido da mesma vila ou cidade. “Quatro irmãos enterrados juntos é algo novo e único… e adiciona uma nova dimensão para nossa compreensão”, diz Cat Jarman, arqueóloga que trabalhava para o Museu de História Cultural de Oslo, que não fazia parte da equipe de pesquisa.
Ao longo de quase 10 anos, uma equipe liderada pelo geneticista Eske Willerslev da Universidade de Cambridge e da Universidade de Copenhagen reuniu amostras de toda a Escandinávia datando da Era Viking, de cerca de 750 a 1050 EC, bem como algumas algumas amostras anteriores e algumas amostras posteriores a essa época. A equipe também reuniu restos mortais de sepultamentos em outros lugares da Europa, além daqueles que haviam objetos típicos ou sepultamentos ao estilo Viking. “Nosso enfoque foi todos os lugares onde podíamos ver que deveria existir de alguma forma uma associação com os vikings”, disse Willerslev. No final das contas, a equipe foi capaz de sequenciar 442 genomas da Era Viking de lugares distantes uns dos outros como Itália, Ucrânia e os assentamentos abandonados dos vikings da Groenlândia.
Os resultados contam histórias dramáticas de mobilidade individual, como um par de primos enterrados em Oxford, no Reino Unido e na Dinamarca, separados na morte por centenas de quilômetros de oceano aberto. Os detalhes genéticos também podem reescrever as percepções populares dos vikings, incluindo sua aparência: os escandinavos da Era Viking tinham mais probabilidade de ter cabelos pretos do que as pessoas que vivem lá hoje. E comparar o DNA e a arqueologia em locais individuais sugere que, para alguns integrantes dos grupos Viking, “Viking” era uma descrição de ocupação, não uma questão de hereditariedade.
Era da exploração
Túmulos de estilo viking escavados nas ilhas Órcades do Reino Unido continham indivíduos sem DNA escandinavo, enquanto algumas pessoas enterradas na Escandinávia tinham pais irlandeses e escoceses. E vários indivíduos na Noruega foram enterrados como vikings, mas seus genes os identificaram como Lapões, um grupo indígena geneticamente mais próximo dos asiáticos e siberianos do que dos europeus. “Essas identidades não são genéticas ou étnicas, são sociais”, diz Jarman. “Ter um armazenamento seguro do DNA é algo poderoso”.
Os resultados também resolvem uma discussão secular sobre a geografia das invasões. Sagas escritas séculos depois das primeiras expedições sugerem que os vikings de certas regiões favoreciam destinos específicos, mas outros estudiosos sugeriram que o comando Viking das levas os tornava igualmente invasores e comerciantes.
Com DNA em mãos, os pesquisadores pela primeira vez puderam rastrear de forma conclusiva as origens das pessoas dos confins da diáspora viking até suas raízes na Escandinávia. “Podemos seguir os padrões de contato sugeridos por fontes escritas, mas contestados por historiadores por décadas”, diz o coautor Søren Sindbæk, arqueólogo da Universidade de Aarhus.
Eles descobriram que os vikings de onde agora é a Suécia moveram-se para o leste para o Báltico, para a Polônia e para os rios da Rússia e da Ucrânia, enquanto os dinamarqueses tinham mais probabilidade de seguir para o oeste, para onde hoje é a Inglaterra. Os noruegueses eram mais propensos a zarpar para o Oceano Atlântico Norte, colonizando a Irlanda, a Islândia e, por fim, a Groenlândia (veja o mapa acima). “Esse é um detalhe que ninguém poderia chegar com base apenas na arqueologia”, diz Willerslev.
Para a surpresa da equipe, havia poucas evidências de mistura genética na própria Escandinávia. Embora alguns assentamentos costeiros e centros de comércio de ilhas fossem focos de diversidade genética, as populações escandinavas mais do interior permaneceram geneticamente estáveis - e separadas – por séculos. “Podemos separar um norueguês de um sueco e de um dinamarquês”, diz Sindbæk.
O DNA também levantou novas questões. A coautora do estudo e arqueóloga do Museu Nacional da Dinamarca, Jette Arneborg, diz que o DNA recuperado de covas na Groenlândia mostra uma mistura de homens escandinavos de onde hoje é a Noruega e mulheres das Ilhas Britânicas. No entanto, os artefatos e sepulturas parecem completamente escandinavos. As mulheres “têm genes britânicos, mas não podemos vê-los através da arqueologia”, diz ela. “O DNA vai nos fazer pensar mais sobre o que está acontecendo aqui”.
Outros mistérios permanecem. Os assentamentos vikings nas Américas não renderam ossos para sequenciamento, deixando a identidade dos primeiros colonos europeus nas Américas um mistério. E para o leste, mais amostras podem ajudar a esclarecer o papel dos vikings nas origens do antigo Estado russo, um tópico que permanece “politicamente carregado ao extremo”, diz Sindbæk. “Esses dados têm potencial para resolver alguns desses debates”.