Por Owen Jarus
Publicado na Live Science
Uma série de textos chineses de 2.200 anos, escritos em seda e encontrados enterrados em tumbas antigas, contém o atlas anatômico mais antigo existente, dizem os cientistas.
Os textos foram descobertos na década de 1970 dentro de tumbas no sítio arqueológico de Mawangdui, no centro-sul da China. Os túmulos pertenceram ao Marquês de Dai, sua esposa a Marquesa de Dai (a Lady Dai) e seu filho. Os textos são difíceis de entender e usam o termo “meridiano” para se referir a partes do corpo humano. Em um artigo publicado na revista The Anatomical Record, uma equipe de pesquisadores liderada por Vivien Shaw, professora de anatomia da Universidade de Bangor, no País de Gales, no Reino Unido, afirma que esses textos “são o atlas anatômico mais antigo do mundo”. Além disso, os textos “antecedem e informam os textos posteriores de acupuntura, que foram a base para a prática nos dois milênios seguintes”, escreveram os pesquisadores no estudo.
Textos desafiadores
Os textos, que são escritos em caracteres chineses, são difíceis de entender. “As habilidades necessárias para interpretá-los são diversas, exigindo o pesquisador, em primeiro lugar, a leitura do chinês original e, em segundo lugar, a realização de investigações anatômicas que permitam uma revisão das estruturas a quais os textos se referem”, escreveram os pesquisadores no artigo.
Se os textos forem lidos com atenção, pode-se perceber que os “meridianos” referem-se a partes do corpo humano. Por exemplo, o texto diz (na tradução) que um meridiano começa “no centro da palma da mão, vai ao longo do antebraço entre os dois ossos seguindo rumo ao longo dos tendões, depois abaixo do tendão no bíceps, na axila e se conecta com o coração”. Os pesquisadores afirmam que essa descrição de um “meridiano”, na verdade, refere-se ao trajeto da artéria ulnar, o principal vaso sanguíneo do antebraço.
Outro exemplo do texto antigo descreve um “meridiano” no pé que “começa no dedão e corre ao longo da superfície medial da perna e da coxa. Conecta-se ao tornozelo, joelho e coxa. Viaja ao longo dos adutores da coxa, e cobre o abdômen”. Esse “meridiano”, na verdade, descreve o “caminho da veia safena magna”, o canal que leva o sangue das pernas de volta ao coração, escreveram os pesquisadores.
A equipe conclui que os textos “representam o atlas anatômico mais antigo, feito para fornecer uma descrição concisa do corpo humano para estudantes e praticantes de medicina na China antiga”.
Embora o corpo humano e os restos mortais dos ancestrais fossem considerados sagrados na China antiga, os restos mortais dos infratores nem sempre recebiam essa honra. Os pesquisadores acreditam que os antigos pesquisadores médicos chineses dissecaram os cadáveres de prisioneiros para ajudá-los a compreender a anatomia humana. Por exemplo, o Han Shu (Livro de Han), um livro que cobre a história da Dinastia Han, registra a dissecação do criminoso Wang Sun-Qing em 16 d.C., observaram os pesquisadores no estudo.
Até agora, pensava-se que o atlas anatômico mais antigo conhecido do corpo humano era da Grécia, feito por médicos gregos antigos como Herófilo (335-280 a.C.) e Erasístrato (304-250 a.C.), porém, a maioria de seus textos foram perdidos e são conhecidos apenas pelo que outros escritores antigos escreveram sobre eles. Como resultado, os textos chineses são os primeiros atlas anatômicos preservados, disseram os pesquisadores.
Vivienne Lo, palestrante sênior e coordenadora do Centro de Saúde e Humanidade da Colégio Universitário de Londres na China, que não é afiliada à pesquisa, disse que hesita em usar a palavra “atlas” para descrever esses textos e acha que “mapa” ou “gráfico” é um termo mais apropriado. Lo diz que o termo “atlas” era mais usado durante os séculos 17 e 18 e não parece apropriado para um texto de 2.200 anos. Lo também observou que algumas das descobertas discutidas no artigo – como o fato de que os prisioneiros foram dissecados para fornecer informações anatômicas – foram publicadas por outros pesquisadores antes.
TJ Hinrichs, professor de história da Universidade Cornell (EUA) que conduziu pesquisas sobre a medicina chinesa antiga, mas não é afiliado a essa pesquisa, também não acha que “atlas anatômico” é um termo apropriado para descrever esses textos. O Live Science procurou outros especialistas não afiliados à pesquisa, no entanto, a maioria não foi capaz de responder no momento da publicação.