Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
A superfície de Marte é conhecida por sua aridez. O planeta inteiro é um deserto empoeirado e árido – um terreno rochoso tendo, em algumas regiões, gelo; mas a água líquida, nenhuma gota confirmada foi encontrada.
Mas em 2018, os cientistas revelaram uma descoberta bombástica – eles encontraram evidências de um colossal reservatório subterrâneo de água líquida no polo sul marciano.
Agora, eles deram um passo a frente crucial. Não há um, mas uma rede inteira com diversos lagos sob a calota polar sul. E isso significa que o primeiro reservatório não foi um evento isolado ou um acidente natural em Marte.
“A existência de um único lago subglacial pode ser atribuída a condições isoladas, como a presença de um vulcão sob o manto de gelo, ou alguma outra situação única para o local específico onde encontramos o primeiro lago subglacial”, explicou a geofísica Elena Pettinelli da Universidade de Roma III na Itália para ScienceAlert. Ela liderou a pesquisa ao lado do colega Sebastian Emanuel Lauro.
“A descoberta de todo um sistema de lagos, em vez disso, sugere que seu processo de formação seja relativamente simples e possivelmente comum”.
O primeiro lago subglacial foi anunciado há pouco mais de dois anos. Ele foi descoberto usando o instrumento Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionosphere Sounding (MARSIS, em português: Radar Avançado para Sondagem da Subsuperfície e da Ionosfera de Marte) no orbitador Mars Express.
Ele usa a mesma técnica que usamos para encontrar lagos subglaciais na Antártica – ondas de rádio que são refletidas em uma superfície para medir os ecos, procurando por mudanças no sinal para caracterizar uma topografia.
Essas investigações de sondagem de radar revelaram inicialmente um único lago subglacial de 1,5 km sob a calota polar sul, medindo 20 quilômetros de diâmetro.
“Alguns tipos de material refletem os sinais de radar melhor do que outros, e a água líquida é um desses ‘materiais'”, disse à ScienceAlert uma das pesquisadoras, a cientista planetária Graziella Caparelli, da Universidade do Sul de Queensland, na Austrália.
“Portanto, quando os sinais vindos do subsolo são mais fortes do que os refletidos pela superfície, podemos confirmar que estamos na presença de água líquida. Os radares são usados na Terra (onde podemos verificar diretamente os resultados) para o mesmo fim, por isso temos certeza de que a técnica é confiável”.
Desde então, a equipe realizou mais investigações em um conjunto de dados que abrange quase uma década, de 2010 a 2019. E, em uma nova análise desses dados, eles encontraram três novas camadas com reflexos brilhantes.
Ou seja, uma rede de lagos subglaciais separados por regiões com pedra seca, escondidos sob o polo sul, não muito longe daquele lago inicial.
“Em um ambiente subglacial terrestre, tais reflexos fortes abaixo do gelo estão associados à presença de um aquífero basal; não há outros mecanismos físicos que possam gerar uma anomalia tão forte, até onde sabemos”, disse Pettinelli.
“É importante ressaltar que obtivemos os mesmos resultados usando métodos de processamento e análise de dados mais avançados do que aqueles do nosso artigo de 2018, e o fato de que, após executar um processo de análise de dados tão rigoroso, confirmamos a presença desse lago e encontramos outros lagos. Isso nos deixa bastante confiantes sobre a nossa interpretação de que o líquido é água”.
Além disso, se for água líquida, provavelmente é água salgada. Água extremamente salgada. Marte é muito frio e, embora o interior seja mais quente do que a superfície, ainda é frio o suficiente para congelar água doce. Em 2018, a equipe estimou que o lago encontrado teria de cerca de 205 Kelvin (-68,15 graus Celsius).
Mas o sal reduz o ponto de congelamento da água e pode fazer isso de maneira bastante significativa. Como a equipe observou em seu artigo, a água imbuída com sais de cálcio e magnésio pode permanecer líquida em temperaturas tão baixas quanto 150 Kelvin (-123,15 graus Celsius), por longos períodos de tempo. E Marte, como sabemos através da exploração de sua superfície, é rico em sais de cálcio e magnésio, além de sódio.
Portanto, a descoberta de outros lagos subglaciais salgados é muito significativa. Isso significa que eles podem se formar facilmente e permanecer em escalas de tempo geológicas – que é uma peça importante no antigo quebra-cabeça da história da água e do clima de Marte. E também tem implicações importantes na busca de micróbios de Marte.
“Esses lagos provavelmente existiram durante grande parte da história de Marte”, disse o cientista planetário Roberto Orosei, do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália, e o principal pesquisador do MARSIS.
“Por esta razão, eles ainda podiam reter traços de quaisquer formas de vida que poderiam ter evoluído quando Marte tinha uma atmosfera densa, um clima mais ameno e a presença de água líquida na superfície, semelhante à da Terra primitiva”.
É possível, até, que a vida microbiana ainda esteja se desenvolvendo hoje nesses lagos.
Sabemos que eles podem viver em alguns dos lugares mais salgados e inóspitos que a Terra tem a oferecer, bem como em reservatórios subglaciais. Claro, ainda estamos muito longe de fazer tal detecção, e estudar a água de Marte de perto pode infringir o Tratado do Espaço Sideral de 1967. Mas vale a pena a gente traçar hipóteses.
O próximo passo que a equipe está dando é procurar água em outro lugar de Marte. Não está claro se reservatórios subterrâneos podem existir em latitudes mais baixas, mas o polo norte tem um manto de gelo próprio.
“Não é implausível que lagos basais também existam abaixo da calota polar norte”, disse Caparelli.
“A análise dos dados que adquirimos do polo norte da mesma maneira que adquirimos aqueles que nos permitiram ‘ver’ os lagos subglaciais do polo sul está apenas começando”.
Portanto, estaremos aguardando ansiosamente para ver esses resultados quando a equipe os analisar. Enquanto isso, em um mundo ideal, Pettinelli adoraria enviar sondas para conduzir um monitoramento sísmico e sondar as profundezas desses reservatórios.
“As técnicas ativas de prospecção sísmica, como as comumente usadas na Terra para descobrir reservatórios de petróleo, seriam as melhores opções e têm sido usadas na Antártica para detectar a profundidade dos lagos. Essas técnicas podem esclarecer a nossa compreensão sobre a profundidade da água e a geometria dos corpos d’água em Marte”, disse ela ao ScienceAlert.
No entanto, como os módulos de aterrissagem de Marte são complicados e caros, e os monitores sísmicos seriam difíceis de configurar, podemos esperar muito tempo por eles.
A pesquisa foi publicada na Nature Astronomy.