Por Paul Sutter
Publicado na Live Science
Uma equipe de pesquisadores mostrou que um tipo especial de partícula pode existir ao redor de um conjunto de buracos negros da mesma forma que um elétron pode existir ao redor de um par de átomos de hidrogênio – o primeiro exemplo de uma “molécula gravitacional”. Além disso, esse estranho objeto pode nos dar pistas sobre a identidade da matéria escura e a natureza suprema do espaço-tempo.
Arando o campo
Para entender como a nova pesquisa, publicada em setembro no banco de dados de pré-publicação do arXiv, explica a existência de uma molécula gravitacional, primeiro precisamos explorar um dos mais fundamentais – e, infelizmente, quase nunca falado – aspectos da física moderna: o campo.
Um campo é uma ferramenta matemática que diz o que você pode esperar encontrar ao viajar de um lugar para outro no Universo. Por exemplo, se você já viu um boletim meteorológico na TV sobre as temperaturas em sua área local, está vendo uma representação de um campo de fácil visualização: conforme você viaja pela sua cidade ou estado, você saberá qual tipo de temperatura encontrará e em qual lugar (e se você precisará levar um casaco).
Esse tipo de campo é conhecido como campo “escalar”, porque “escalar” é a maneira matemática sofisticada de dizer “apenas um único número”. Existem outros tipos de campos na física, como campos “vetoriais” e “tensoriais”, que fornecem mais de um número para cada localização no espaço-tempo. (Por exemplo, se observar um mapa da velocidade e direção do vento na tela, você estará olhando para um campo vetorial.) Mas, para os objetivos deste artigo de pesquisa, precisamos apenas saber sobre o tipo escalar.
O casal de energia atômica
No auge de meados do século 20, os físicos pegaram o conceito de campo – que já existia há séculos naquela época e era absolutamente antiquado para os matemáticos – e foram adiante com ele.
Eles perceberam que os campos não são apenas truques matemáticos úteis – eles, na verdade, descrevem algo extremamente fundamental sobre o funcionamento interno da realidade. Eles descobriram, basicamente, que tudo no Universo é realmente um campo.
Considere o humilde elétron. Sabemos pela mecânica quântica que é muito difícil determinar exatamente onde um elétron está em um determinado momento. Quando a mecânica quântica surgiu, pela primeira vez, era uma bagunça bem chata de entender e desvendar, até que o campo apareceu.
Na física moderna, representamos o elétron como um campo – um objeto matemático que nos diz onde é provável que localizemos o elétron na próxima vez que olharmos. Esse campo reage ao mundo ao seu redor – digamos, por causa da influência elétrica de um núcleo atômico próximo – e se modifica para mudar onde deveríamos ver o elétron.
O resultado final é que os elétrons podem aparecer apenas em certas regiões ao redor de um núcleo atômico, dando origem a todo o campo da química (estou simplificando um pouco, mas você entendeu).
Amigos do buraco negro
Agora, de fato, chegamos na parte do buraco negro. Na física atômica, você pode descrever completamente uma partícula elementar (como um elétron) em termos de três números: sua massa, seu spin e sua carga elétrica. E na física gravitacional, você pode descrever completamente um buraco negro em termos de três números: sua massa, seu spin e sua carga de elétrons.
Coincidência? O júri está decidido sobre isso, mas, por enquanto, podemos explorar essa semelhança para entender melhor os buracos negros.
Na linguagem repleta de jargões da física de partículas que acabamos de explorar, você pode descrever um átomo como um minúsculo núcleo rodeado pelo campo de elétrons. Esse campo de elétrons responde à presença do núcleo e permite que o elétron apareça apenas em certas regiões. O mesmo é verdade para os elétrons em torno de dois núcleos, por exemplo, em uma molécula diatômica como o hidrogênio (H2).
Você pode descrever o ambiente de um buraco negro de forma semelhante. Imagine a minúscula singularidade em um núcleo negro um tanto semelhante ao núcleo de um átomo, enquanto o ambiente circundante – um campo escalar genérico – é semelhante ao que descreve uma partícula subatômica. Esse campo escalar responde à presença do buraco negro e permite que sua partícula correspondente apareça apenas em certas regiões. E assim como nas moléculas diatômicas, você também pode descrever campos escalares ao redor de dois buracos negros, como em um sistema de buraco negro binário.
Os autores do estudo descobriram que campos escalares podem, de fato, existir em torno de buracos negros binários. Além disso, eles podem se formar em certos padrões que se assemelham ao modo como os campos de elétrons se organizam nas moléculas. Portanto, o comportamento dos campos escalares nesse cenário imita como os elétrons se comportam nas moléculas diatômicas, daí o apelido de “moléculas gravitacionais”.
Por que o interesse em campos escalares? Bem, por um lado, não entendemos a natureza da matéria escura ou energia escura, e é possível que tanto a energia escura quanto a matéria escura possam ser compostas de um ou mais campos escalares, assim como os elétrons são compostos do campo de elétrons.
Se a matéria escura é, de fato, composta de algum tipo de campo escalar, então esse resultado significa que a matéria escura existiria em um estado muito estranho em torno dos buracos negros binários – as misteriosas partículas escuras teriam que existir em órbitas muito específicas, assim como os elétrons orbitam nos átomos. Mas os buracos negros binários não duram para sempre. Eles emitem radiação gravitacional e, eventualmente, colidem e se aglutinam em um único buraco negro. Esses campos escalares de matéria escura afetariam quaisquer ondas gravitacionais emitidas durante tais colisões, pois filtrariam, desviariam e remodelariam quaisquer ondas que passassem por regiões de densidade aumentada de matéria escura. Isso significa que podemos detectar esse tipo de matéria escura com sensibilidade suficiente nos detectores de ondas gravitacionais existentes.
Resumindo: em breve poderemos ser capazes de confirmar a existência de moléculas gravitacionais e, por meio delas, abrir uma nova porta em direção ao setor escuro de nosso cosmos.