Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
A origem da vida, um fenômeno emergente ocorrido há alguns bilhões de anos, foi algo relativamente modesto. Organismos unicelulares se contorcendo no lodo e na água, ao longo de milhões e bilhões de anos se desenvolvendo em plantas multicelulares e, eventualmente, animais.
Porém, quando e como esses “arranques” evolutivos ocorreram tem sido algo difícil de responder. A matéria orgânica não tem necessariamente uma boa preservação e, quando tem, nem sempre a identificamos corretamente.
Novas pesquisas, entretanto, nos aproximam um pouco mais da verdade. Fósseis de 635 milhões de anos atrás, que haviam sido identificados como de origem animal, poderiam, na verdade, ter sidos de um organismo muito diferente – as algas.
“Isso leva a evidência mais antiga de animais quase 100 milhões de anos mais perto dos dias atuais”, disse o paleobiogeoquímico Lennart van Maldegem, da Universidade Nacional da Austrália.
“Fomos capazes de demonstrar que certas moléculas de algas comuns podem ser alteradas por processos geológicos – levando a moléculas que são indistinguíveis daquelas produzidas por animais semelhantes a esponjas”.
De acordo com estudos usando relógio molecular – uma técnica que usa as taxas de mutação de biomoléculas para retroagir a divergência genética -, a vida animal surgiu relativamente tarde na linha do tempo evolucionária. Nossa evidência mais antiga de vida data de cerca de 3,4 a 3,5 bilhões de anos atrás, com registros antigos de organismos unicelulares.
As plantas surgiram um pouco mais tarde, cerca de 1,6 bilhão de anos atrás. E levou até outro bilhão de anos para os animais surgirem; entre cerca de 900 e 635 milhões de anos atrás, de acordo com os estudos do relógio molecular. Mas o registro fóssil parecia absolutamente desprovido de evidências de animais naquele período.
Até 2009, quando os cientistas revelaram que haviam encontrado quantidades abundantes de 24-isopropilcolestanos na rocha neoproterozoica, datando de mais de 635 milhões de anos atrás.
Acredita-se que eles se originem quase exclusivamente de Demospongiae, que produzem um tipo de lipídio com 30 átomos de carbono e cadeias laterais incomuns, chamados de esteróis C30. Os produtos fósseis desses esteróis são os esteranos C30, como o 24-isopropilcolestano, interpretado como evidência de vida animal Neoproterozoica.
Em dois novos estudos publicados na Nature Ecology & Evolution, entretanto, equipes de pesquisadores mostram que não podemos interpretar de forma conclusiva os esteranos C30 como essencialmente de origens faunísticas, e isso resolveria perfeitamente outro mistério em torno dessa interpretação.
“Dez anos atrás, os cientistas descobriram os fósseis moleculares de um esteroide animal em rochas que antes estavam no fundo de um antigo mar no Oriente Médio”, disse o geobiólogo Jochen Brocks, da Universidade Nacional da Austrália (ANU).
“A grande questão era: como essas esponjas podiam ser tão abundantes, cobrindo grande parte do fundo do mar em todo o mundo, mas não deixando fósseis do corpo?”
Demospongiae produzem outros esteróis, dos quais nenhum sinal foi encontrado no mesmo registro fóssil. E esteranos C30 foram encontrados de forma onipresente no registro fóssil – incluindo em lugares sem oxigênio (ambientes anóxicos).
Como é bem sabido que as Demospongiae são incapazes de sobreviver em águas completamente anóxicas, isso representou um desafio para a interpretação da Demospongiae. Então, as duas equipes começaram a ver se poderia haver outro organismo que pudesse produzir esteranos C30.
Na época, os eucariotos dominantes eram algas clorófitas, que produziam uma grande abundância de esteróis C29, então foi aí que as duas equipes começaram a procurar. A equipe liderada pela ANU analisou cuidadosamente os fósseis para estudar os biomarcadores neles, e descobriu que eles se pareciam muito com esteranos que são derivados por meio de processos diagenéticos.
Então, eles conduziram experimentos de laboratório nos quais submeteram esteróis modernos a processos de alteração geológica para imitar a diagênese. Esses experimentos produziram os dois tipos de esteranos.
A segunda equipe, liderada pelo paleontólogo Ilya Bobrovskiy, da Caltech (EUA), trabalhou com esteróis extraídos de algas modernas. Eles também submeteram esses esteróis a processos de alteração geológica. E eles descobriram que a diagênese pode resultar na metilação de esteróis C29 de algas, produzindo esteranos C30.
Isso não significa que não havia esponjas. Mas, de acordo com as evidências produzidas por ambas as equipes, a presença de esteranos C30 no registro fóssil não pode mais ser considerada um marcador que diagnostica esponjas.
“Embora seja verdade que as esponjas são o único organismo vivo que pode produzir esses esteroides, os processos químicos podem imitar a biologia e transformar esteróis de algas comuns e abundantes em esteróis ‘animais'”, disse Bobrovskiy.
“Essas moléculas podem ser geradas em laboratório ao simular o tempo geológico e as temperaturas, mas também mostramos que esses processos aconteciam em rochas antigas”.
Os dois estudos foram publicados na Nature Ecology & Evolution. Eles podem ser encontrados aqui e aqui.