Por Sofia Moutinho
Publicado na Science
Os donos de gatos enchem a Internet de vídeos de seus gatinhos rolando e se revirando euforicamente sobre bolsas e brinquedos cheios de erva-gatos. Mas exatamente como a erva-dos-gatos – e um substituto, conhecido como videira-de-prata – produz essa sensação felina há muito tempo tem sido um mistério. Agora, um estudo sugere que os principais produtos químicos intoxicantes nas plantas ativam os receptores opioides dos gatos de maneira muito semelhante à que a heroína e a morfina fazem nas pessoas. Além disso, o estudo conclui que se esfregar nas plantas protege os felinos contra picadas de mosquitos.
“Este estudo revelou essencialmente um novo repelente de mosquitos em potencial” ao examinar o “conhecimento farmacêutico” dos gatos, disse Jacobus de Roode, biólogo da Universidade Emory (EUA), que não participou do estudo.
A erva-dos-gatos (Nepeta cataria) e a videira-de-prata (Actinidia polygama) contêm compostos químicos chamados iridoides que protegem as plantas contra pulgões e são conhecidos por serem a razão da euforia produzida em gatos. Para determinar o efeito fisiológico desses compostos, o biólogo da Universidade de Iwate (Japão), Masao Miyazaki, passou 5 anos fazendo diferentes experimentos usando as plantas e seus produtos químicos.
Primeiro, sua equipe extraiu substâncias químicas presentes nas folhas da erva-dos-gatos e da videira-de-prata e identificou o componente mais potente que produz o efeito nos felinos: uma substância química da videira-de-prata chamada nepetalactol, que não demonstrou afetar gatos até este estudo. (A substância é semelhante à nepetalactona, o iridoide-chave da erva-dos-gatos.) Em seguida, eles colocaram 10 folhas de nepetalactol em bolsas de papel e as deram, junto com bolsas contendo apenas uma substância salina, para 25 gatos domésticos a fim de avaliar suas respostas. A maioria dos animais mostrou interesse apenas nas bolsas com nepetalactol.
Para ter certeza de que esse era o objeto de atração dos felinos, eles repetiram o experimento com 30 felinos selvagens – e um leopardo, dois linces e duas onças que viviam nos zoológicos japoneses Tennoji e Oji. Grandes ou pequenos, os felinos se renderam à substância, esfregando a cabeça e o corpo nas bolsas por uma média de 10 minutos (ver vídeo abaixo). Em contraste, os cães e ratos que foram testados não mostraram interesse no composto.
Em seguida, os pesquisadores mediram as betaendorfinas – um dos hormônios que naturalmente alivia a dor e induz prazer ao ativar os receptores opioides do corpo – na corrente sanguínea de cinco gatos, 5 minutos antes e depois da exposição. Os pesquisadores descobriram que os níveis desse “hormônio da felicidade” aumentaram significativamente após a exposição ao nepetalactol em comparação com outros do grupo de controle. Cinco gatos que tiveram seus receptores opioides bloqueados não se esfregaram nas bolsas com nepetalactol.
Mas os pesquisadores queriam saber se havia um motivo para os gatos ficarem “doidões”, além do puro prazer. Foi quando um dos cientistas ouviu sobre as propriedades repelentes de insetos da nepetalactona, que há cerca de 2 décadas se mostrou tão boa quanto o famoso repelente de mosquitos DEET. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que quando os felinos na natureza se esfregam na erva-dos-gatos ou na videira-de-prata, eles estão essencialmente aplicando um repelente de insetos.
Eles primeiro mostraram que os gatos podem transferir o produto químico para a pele e, em seguida, os cientistas fizeram um experimento vivo com mosquitos – semelhante a quando os braços das pessoas são usados para avaliar repelentes de insetos. Eles colocaram as cabeças de gatos sedados e com nepetalactol no corpo em câmaras cheias de mosquitos e contaram quantos pousaram sobre eles – cerca de metade do número que pousou em cabeças de felinos com uma substância neutra no corpo, com o relataram na Science Advances.
A maioria dos cientistas e donos de animais presumiram que a única razão pela qual os gatos rolam na erva-dos-gatos é a experiência eufórica, diz Miyazaki. “Nossas descobertas sugerem que, em vez disso, rolar é um comportamento funcional”.
Os pesquisadores especulam que os ancestrais dos gatos podem ter esfregado seus corpos contra as plantas por acaso, gostado da sensação e continuado fazendo isso. Não está claro, entretanto, se foi a resposta eufórica – ou as propriedades repelentes de insetos da planta – que os manteve fazendo isso. “Qualquer pessoa que já observou animais emboscando suas presas sabe como é difícil para eles ficarem parados quando há muitos mosquitos que picam por perto”, diz Miyazaki. “Não parece irracional, portanto, argumentar que existe uma forte pressão da seleção” para evitar insetos irritantes.
A equipe, que já patenteou um repelente de insetos à base de nepetalactol, planeja continuar identificando os genes do gato envolvidos na resposta da erva-dos-gatos e examinar a ação da substância contra outras pragas e insetos. De Roode, que está impressionado com o quão minuciosos os experimentos foram, diz que o trabalho fornece um exemplo “realmente interessante” de como os insetos podem moldar o comportamento animal. “É incrível o quanto podemos aprender com os animais”.