Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Quando os buracos negros engolem grandes quantidades de matéria do espaço ao seu redor, eles não são exatamente sutis. Eles emitem tremendas erupções de raios-X, gerados pelo aquecimento do material a temperaturas intensas enquanto este é sugado para o buraco negro, tão brilhante que podemos detectá-los da Terra.
Este é o comportamento normal de um buraco negro. O que não é normal é que essas erupções de raios-X ocorram com a regularidade de um relógio, um comportamento intrigante relatado em 2019 por um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia a 250 milhões de anos-luz de distância. A cada nove horas, boom! – um sinal de raio-X.
Após um estudo cuidadoso, o astrônomo Andrew King, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, identificou uma causa potencial – uma estrela morta que passou por um buraco negro, presa em uma órbita elíptica de nove horas ao seu redor. A cada passagem próxima, ou periastro, o buraco negro absorve mais do material da estrela.
“Esta anã branca está presa em uma órbita elíptica perto do buraco negro, orbitando a cada nove horas”, explicou King em abril de 2020.
“Em sua maior aproximação, cerca de 15 vezes o raio do horizonte de eventos do buraco negro, o gás é puxado da estrela para um disco de acreção ao redor do buraco negro, liberando raios X, que duas sondas estão detectando.”
O buraco negro é o núcleo de uma galáxia chamada GSN 069 e é bastante leve no que diz respeito aos buracos negros supermassivos – apenas 400.000 vezes a massa do Sol. Mesmo assim, ele está ativo, rodeado por um disco quente de material de acreção, alimentando e crescendo no buraco negro.
De acordo com o modelo de King, este buraco negro estava apenas de boas, fazendo sua coisa de acreção ativa, quando uma estrela gigante vermelha – os estágios evolutivos finais de uma estrela parecida com o Sol – passou a vagar um pouco perto demais.
O buraco negro prontamente eliminou a estrela de suas camadas externas, acelerando sua evolução em uma anã branca, o núcleo morto que permanece depois que a estrela exauriu seu combustível nuclear (anãs brancas brilham com calor residual, não os processos de fusão de estrelas vivas).
Mas ao invés de continuar em sua jornada, a anã branca foi capturada em órbita ao redor do buraco negro e continuou sendo devorada por ele.
Com base na magnitude das erupções de raios-X e em nossa compreensão das erupções que são produzidas pela transferência de massa do buraco negro e pela órbita da estrela, King foi capaz de restringir a massa da estrela também. Ele calculou que a anã branca tem cerca de 0,21 vezes a massa do Sol.
Embora esteja na extremidade mais leve da escala, é uma massa bastante padrão para uma anã branca. E se assumirmos que a estrela é uma anã branca, também podemos inferir – com base em nossa compreensão de outras anãs brancas e da evolução estelar – que a estrela é rica em hélio, pois há muito tempo ficou sem hidrogênio.
“É incrível pensar que a órbita, a massa e a composição de uma pequena estrela a 250 milhões de anos-luz de distância possam ser inferidas”, disse King.
Com base nesses parâmetros, ele também previu que a órbita da estrela oscila ligeiramente, como um pião girando e perdendo velocidade. Essa oscilação deve se repetir a cada dois dias ou mais, e podemos até ser capazes de detectá-la, se observarmos o sistema por tempo suficiente.
Este poderia ser um mecanismo pelo qual os buracos negros crescem mais e mais em massa com o tempo. Mas precisaremos estudar mais esses sistemas para confirmar isso, e eles podem não ser fáceis de detectar.
Por um lado, o buraco negro do GSN 069 tem massa baixa, o que significa que a estrela pode viajar em uma órbita mais próxima. Para sobreviver a um buraco negro mais massivo, uma estrela teria que estar em uma órbita muito maior, o que significa que qualquer periodicidade na alimentação seria mais fácil de passar batida. E se a estrela se aproximasse demais, o buraco negro a destruiria.
Mas o fato de um ter sido identificado oferece esperança de que não seja o único sistema desse tipo por aí.
“Em termos astronômicos, este evento só é visível para nossos telescópios atuais por um curto período de tempo – cerca de 2.000 anos, então, a menos que tenhamos tido uma sorte extraordinária de capturá-lo, pode haver muitos mais que estaremos perdendo em outros lugares do Universo”, disse King.
Quanto ao futuro da estrela, bem, se nada mais mudar, a estrela ficará exatamente onde está, orbitando o buraco negro e continuando a ser lentamente despida por bilhões de anos. Isso fará com que ela cresça em tamanho e diminua em densidade – as anãs brancas são apenas um pouco maiores que a Terra – até que atinja uma massa planetária, talvez até mesmo se transformando em um gigante gasoso.
“Vai se esforçar muito para fugir, mas não há como escapar”, disse King. “O buraco negro vai comê-la cada vez mais devagar, mas nunca irá parar.”
A pesquisa foi publicada nos Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.