Por Jose Manuel Nieves
Publicado na ABC
O emaranhamento é, sem dúvida, uma das previsões mais estranhas e surpreendentes da mecânica quântica. É um fenômeno pelo qual duas partículas distantes se tornam “emaranhadas” de uma forma que desafia tanto o bom senso quanto as leis da física clássica. Não importa o quão longe essas duas partículas estejam uma da outra. Se estiverem emaranhadas, qualquer variação em um delas afetará imediatamente a outra, mesmo que ambas estejam em extremos opostos do Universo. Em 1935, Albert Einstein expressou preocupação com esse conceito, referindo-se a ele como “ação fantasmagórica à distância“.
Hoje, no entanto, essa propriedade fundamental da matéria é considerada um elemento-chave no desenvolvimento de novas tecnologias, tanto na computação quanto nas telecomunicações.
O que não quer dizer que o emaranhamento seja fácil de “domar”. É, de fato, um fenômeno extremamente frágil, observado até agora em sistemas microscópicos entre fótons ou átomos, e mais recentemente em circuitos elétricos supercondutores, mas que se dissolve e desaparece quando aplicado a objetos maiores.
Agora, e em um trabalho que conseguiu ir além das limitações impostas pela mecânica quântica, dois estudos recentemente publicados na Science (aqui e aqui) conseguiram emaranhar objetos milhares de vezes maiores do que uma simples partícula, especificamente dois osciladores mecânicos ‘macroscópicos’ que, embora pequenos (apenas 10 milésimos de milímetro de diâmetro), são muito mais massivos do que qualquer objeto emaranhado até agora.
Objetos indistinguíveis
O emaranhamento quântico de sistemas mecânicos surge quando dois objetos separados e diferentes se movem e se comportam com um grau de similaridade tão alto que não podem mais ser descritos como distintos ou separados um do outro.
Anteriormente, as observações desta propriedade fascinante eram limitadas a escalas quânticas microscópicas, como pequenas quantidades de íons individuais, átomos e fótons. No entanto, pelo menos em teoria, a mecânica quântica e suas regras podem ser aplicadas a objetos de todos os tamanhos. Nos dois estudos da Science, Shlomi Kotler e Laure Mercier de Lépinay relatam a observação direta de fenômenos quânticos em escala macroscópica e demonstram a capacidade de estender as medições do estado quântico a sistemas compostos de milhares de átomos individuais.
No primeiro dos dois estudos, Kotler e seus colegas apresentam evidências de emaranhamento quântico usando um par de membranas vibratórias em macroescala. Embora sejam aparentemente minúsculas (as membranas tinham cerca de 10 mícrons de diâmetro e pesavam cerca de 100 picogramas cada), elas são muito mais massivas do que qualquer objeto anteriormente emaranhado em outros experimentos.
Por sua vez, Mercier de Lépinay e sua equipe usaram osciladores mecânicos macroscópicos semelhantes para mostrar como o emaranhamento pode ser medido sem perturbar o momento mecânico quântico.
Os resultados impressionantes de ambos os trabalhos demonstram, sem dúvida, que o emaranhamento quântico conseguiu deixar o reino subatômico e deu um salto para a nossa realidade macroscópica. A conquista não apenas abre as portas para novos tipos de tecnologias quânticas, mas também permite novos estudos em física fundamental, incluindo a ainda pouco compreendida relação entre gravidade e mecânica quântica.