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A prática pseudocientífica de Paul Ekman e seus seguidores

Adriano Facioli

Os defensores do trabalho desses canais do YouTube, voltados para a análise do comportamento verbal ou não-verbal de pessoas para, em tese, reunir evidências de que estariam mentindo ou não, costumam defendê-los, dizendo que usam métodos que analisam vários canais de comunicação, e que esses métodos não trabalham somente com microexpressões.

Há, contudo, diversos problemas nas alegações que tentam defender o que esses canais do YouTube estão fazendo.

  1. Dizer que não trabalham somente com microexpressões não ajuda em nada, porque as microexpressões já foram refutadas por diversas revisões, citadas por Burgoon (2018) e Jordan et al (2019). Teriam de descartar as microexpressões e parar com essa palhaçada.
  2. Se observam mais canais, mais pistas, tanto verbais como não-verbais, isso também não resolve o problema, porque Bond e DePaulo (2006) revisaram mais de 200 estudos, mostrando que a detecção de mentiras é furada:

Em vez disso, limitamos a atenção aos receptores que devem julgar a mentira sem a ajuda de polígrafos, fMRIs ou outros dispositivos fisiológicos – receptores que avaliam a mentira a partir de um encontro com um remetente desconhecido em tempo real. Esses julgamentos de engano são baseados em conteúdo verbal e no comportamento do mentiroso. Aqui, revisamos os resumos anteriores desta pesquisa.

https://doi.org/10.1207%2Fs15327957pspr1003_2

Kraut (1980) ofereceu um resumo estatístico dos resultados de 10 desses experimentos. Encontrando uma taxa de precisão média de 57%, Kraut concluiu que a precisão de detectores de mentira humanos é baixa. Em um resumo de 39 estudos publicados após 1980, Vrij (2000) replicou a descoberta de Kraut, descobrindo que os receptores de pesquisas mais recentes alcançaram uma precisão média de 56,6%.

Jordan et al (2019) cita 4 metanálises. Bond e DePaulo (2006) fazem uma metanálise que cita outras tantas:

Junto com análises narrativas da literatura de pesquisa, esses resumos estatísticos inspiraram um consenso – ‘é considerado virtualmente axiomático … que os indivíduos são, na melhor das hipóteses, imprecisos na detecção de engano’ (Hubbell, Mitchell, & Gee, 2001, p. 115).

E os defensores de Ekman & Cia dizem: “Ele usa vários canais”. Não importa. A grande maioria das metanálises são com multicanais, e os resultados são desfavoráveis. Mas para os defensores o caso de Ekman seria diferente, porque ele usa o método SCAnS (Six Channel Analysis System). Mas, pelo visto, esse SCAnS ainda não foi devidamente testado. Encontrei um único artigo, publicado em uma revista de linguística, em 2015, o qual é citado repetidamente nos sites de Paul Ekman. E este artigo é somente de proposição desse método e não de testagem.

Enfim: há muitas características de pseudociência no que esses canais do YouTube fazem. Cada hora inventam uma nova história para justificar suas diversas contradições e há diferença entre o que dizem e a realidade das evidências atuais.

Há alguns sinais importantes de práticas pseudocientíficas. No caso desses canais do YouTube, os principais sinais de prática pseudocientífica são a divulgação dessas técnicas como uma espécie de panaceia e a reiterada produção de novas desculpas perante as contradições e a falta de evidências do que alegam.

Primeiro chegam com a bala de prata das microexpressões. Depois dizem que não é isso, que é isso e outras coisas, outros canais. Depois dizem que não têm acuidade de 100% – e nem se trata disso, porque ciência, indução, nunca é 100%. Depois dizem que não estão detectando mentiras, somente emoções. Convenhamos, isso é tudo nonsense, tudo conversa para boi dormir.

Pesquisas sobre a precisão da detecção de mentiras têm encontrado resultados decepcionantes: em uma metanálise de mais de 200 estudos, Bond e DePaulo (2006) descobriram que as pessoas alcançam em média 54% de precisão na detecção de mentiras. Em outra metanálise sobre diferenças individuais na capacidade de detecção de mentiras, Bond e DePaulo (2008) descobriram que a variação nas taxas de precisão não excede o que seria esperado apenas pelo acaso (ou seja, 50%). Ambas as metanálises incluíram estudos que testaram especialistas, mentiras de alto e baixo risco, interação com o mentiroso e exposição ao comportamento básico dos mentirosos. Nenhum desses fatores teve um efeito na precisão. Dado que a suposição por si só produz uma taxa de precisão de 50%, o achado estável de 54% de precisão, combinado com pouco desvio entre os estudos, indica que a precisão da detecção de mentiras em humanos é pobre (para um exame das causas disso, consulte Hartwig & Bond, 2011) Assim, no presente estudo, buscamos responder à pergunta importante: é possível melhorar a precisão da detecção de mentiras com treinamento?

E não há diferenças entre experts e não experts:

Receiver expertise. In most research, college students function as the judges of deception. Perhaps people who had more experience would be better at judging deceit. To assess this possibility, we identified studies of deception experts. These are individuals whose occupations expose them to lies. They include law enforcement personnel, judges, psychiatrists, job interviewers, and auditors-anyone whom deception researchers regard as experts.

In 19 studies, expert and nonexpert receivers judged the veracity of the same set of messages. From these studies, we extracted 20 independent expert-nonexpert comparisons and expressed each as a standardized mean difference. This cumulation yields no evidence that experts are superior to nonexperts in discriminating lies from truths; weighted mean d = -.025, 95% confidence interval = -.105 to.055.

https://doi.org/10.1002/jip.1532

Segundo Bond (2008), Ekman escondeu e manipulou dados. Teria testado 23 oficiais federais estadunidenses, que teriam acertado 73% das vezes em um teste. Mas depois viu-se que acertaram 63,4% e 48,2% em outros dois testes.

Isso Ekman divulgou em 1999. Bond desmascarou em 2008.

E há outras evidências do comportamento manipulador de Paul Ekman e seus seguidores. Em uma reportagem da revista Nature, o autor relatou que Paul Ekman alegou que não publicava em revistas científicas revisadas por pares, para não divulgar dados sigilosos para países espiões (China, Rússia e cia). Mas Ekman sempre publicou best-sellers, e ganhou milhões de dólares com a venda de cursos, para os quais qualquer leigo no mundo tem fácil acesso. Não faltam contradições.

https://doi.org/10.1038/465412a

Sejamos sinceros: os maiores mentirosos dessa história são Paul Ekman e seus seguidores, que transformaram essa fraude da observação de comportamento verbal e não-verbal, para a detecção de mentiras, em um meio lucrativo de vida.

E para finalizar as citações desse texto, leiam a excelente reportagem da BBC, de maio deste ano, que acaba de vez com essa história:

https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-56799659

A revisão, liderada pela pesquisadora Maria Hartwig, de 2019, bota uma pedra em cima desse assunto:

https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-103135

Resumindo

Não existe método comprovadamente eficaz para se saber se alguém está mentindo ou não, somente por meio da observação do comportamento da pessoa, seja ele verbal ou não-verbal.

É necessário interagir com a pessoa que está sendo investigada. É necessário interrogá-la, pedindo para que ela descreva e narre, repetidamente, tudo o que supostamente ocorreu, em seus mínimos detalhes.

Há evidências de que os mentirosos fornecem descrições e narrativas com muito menos detalhes, e mais contradições, do que a pessoa que está dizendo a verdade. Os mentirosos acabam tendo problemas de sobrecarga cognitiva.

As microexpressões não são frequentes o suficiente, e é possível controlá-las. Então, elas têm de ser completamente descartadas.

E também não faz o menor sentido dizer que se faz uso de um método com multicanais. Primeiramente porque o método SCAnS (a vedete de Ekman & Cia), por exemplo, tem como um de seus seis canais de análise as expressões faciais, por meio de microexpressões.

Se incluir então microexpressões, já está errado, porque isso tinha de ser totalmente descartado, pois induz ao erro.

Fora o fato de que esse método SCAnS ainda não foi devidamente testado.

Virou um negócio muito lucrativo, milionário. Quem entrou nessa história dificilmente irá largar o osso, porque é muito dinheiro envolvido.

Adriano Facioli

Adriano Facioli

Adriano Facioli (também conhecido como Frank Jaava) é psicólogo pela USP, mestre e doutor em Psicologia pela UnB. Professor na Escola Superior de Ciências da Saúde-DF.