Traduzido por Julio Batista
Original de para a Live Science
Cerca de 20.000 anos atrás, em uma caverna de uma parede de penhasco no Grand Canyon, duas chitas-americanas lutaram dentes contra dentes e garras contra garras. O vencedor está perdido na história, mas um dos grandes felinos, um jovem que foi mordido na espinha, provavelmente morreu lá mesmo no chão da caverna, deixando para trás ossos e pedaços de tecido mumificado.
Agora, os restos deste azarado felino, juntamente com fósseis de duas outras cavernas do Grand Canyon, revelaram que a extinta chita-americana (Miracinonyx trumani) pode não ter sido velozes velocistas de planícies como as chitas modernas da África (Acinonyx jubatus). Em vez disso, esses gatos podem ter sido mais parecidos com os leopardos-das-neves (Panthera uncia) de hoje, rondando penhascos e regiões rochosas e comendo principalmente cabras-da-montanha e carneiros selvagens.
Os cientistas encontraram os fósseis décadas atrás e identificaram os ossos na época como pertencentes a leões-da-montanha (Puma concolor), conhecidas no Brasil como onças-pardas. Mas uma reanálise recente dos ossos revelou que eles pertencem à chita-americana, que é conhecido de outros sítios fósseis. As chitas-americanas estavam intimamente relacionadas com os leões-da-montanha, mas tinham o focinho curto e as proporções esguias das chitas africanas de hoje.
Gatinhos do penhasco
A chita-americana foi extinta há cerca de 10.000 anos. Antes do final da última Idade do Gelo, ela vivia em toda a América do Norte – seus ossos foram encontrados por todo os Estados Unidos, da Virgínia Ocidental ao Arizona, e até o norte de Wyoming. Acredita-se que a velocidade deste gato extinto explique por que os antilocapras modernos (Antilocapra americana) podem correr a 96,5 km/h. Nenhum dos predadores vivos do antilocapra corre tão rápido, mas a chita-americana provavelmente poderia.
Mas a nova pesquisa sugere que as chitas-americanas não caçavam principalmente antilocapras – ou pelo menos, não exclusivamente. Enquanto alguns fósseis de chitas foram encontrados em vales abertos onde os antigos antilocapras vagavam, muitos outros fósseis foram descobertos em pontos rochosos e íngremes, onde as cavernas forneciam tocas aconchegantes, disse John-Paul Hodnett, paleontólogo da Comissão de Planejamento e Parques Nacionais das Capitais – Maryland e principal autor do estudo que reexaminou os espécimes do Grand Canyon.
Hodnett encontrou os fósseis pela primeira vez há quase 20 anos, como estudante de graduação na Universidade do Norte do Arizona em Flagstaff (EUA), disse ele à Live Science. Um estudante de pós-graduação com quem Hodnett trabalhava na época estava identificando fósseis da Caverna Rampart, uma pequena câmara baixa no oeste do Grand Canyon que estava atapetada com ossos fósseis e camadas de cocô de preguiça gigante fossilizado.
Entre os fósseis catalogados estavam alguns que haviam sido rotulados como pertencentes a leões-da-montanha. Mas Hodnett, que estava estudando fósseis de chitas-americanas do sul do Arizona, reconheceu que os ossos eram na verdade os de uma chita. O conselheiro de Hodnett providenciou acesso a um punhado de ossos adicionais de “leão-da-montanha” de duas outras cavernas do Grand Canyon: a Caverna Vizinha no centro do Grand Canyon e a Caverna de Stanton no leste do Grand Canyon. Esses ossos também pertenciam a chitas-americanas e não a leões da montanha, descobriu Hodnett. Existem certas características nos ossos, como a forma de uma estrutura de tornozelo, que podem distinguir as chitas dos leões da montanha, e alguns de seus ossos são de tamanhos diferentes, disse Hodnett.
Uma luta de gato pré-histórica
Ocupado com outras pesquisas e projetos, Hodnett deixou essa descoberta de lado por anos sem publicar o que havia aprendido. Mas em 2019, ele e seus colegas estavam trabalhando em um inventário do registro fóssil conhecido no Parque Nacional do Grand Canyon, o que o estimulou a retirar e atualizar sua pesquisa de chitas-americanas.
O osso da Caverna Vizinha era um osso do calcanhar, enquanto Caverna de Stanton mantinha uma parte de uma pata com uma bainha de garra intacta. Os achados mais intrigantes vieram da Caverna Rampart e representaram dois indivíduos de chitas-americanas. Um era um subadulto – o equivalente felino de um adolescente – enquanto o outro era um filhotinho de cerca de seis meses de idade, disse Hodnett. O jovem adulto havia sido atacado, com perfurações no crânio e na coluna que eram do tamanho dos dentes de uma chita-americana adulto. Essas feridas foram provavelmente fatais.
“Você vê uma perfuração muito afiada na coluna e isso teria sido debilitante logo de cara”, disse Hodnett. “Não parece ter se curado.”
Não está claro se os dois felinos jovens na caverna estavam relacionados, mas alguns tecidos moles semi-mumificados ainda se agarram aos ossos, então os pesquisadores podem recuperar e analisar DNA suficiente para descobrir isso, disse Hodnett. As feridas podem ser o resultado de uma batalha territorial, acrescentou. Ou talvez uma chita macho estivesse tentando matar os filhotes de outra, um comportamento visto hoje em leões-africanos.
Seja qual for o caso, os achados revelam que as chitas-americanas caçavam além das pastagens. Fósseis de chita encontrados em cavernas são frequentemente associados aos ossos de carneiro selvagem e um herbívoro extinto conhecido como cabra-da-montanha-de-harrington (Oreamnos harringtoni). Isso sugere que esses moradores de penhascos podem ter sido as principais presas da chita-americana.
“Esta descoberta, ou reidentificação, desses fósseis classicamente chamados de ‘leões da montanha’ nos dá a ideia de que esse felino extinto em particular, Miracinonyx, pode ter sido um pouco mais diversificado em termos de sua ecologia preferida”, disse Hodnett.
As descobertas foram publicadas na edição de maio do New Mexico Museum of Natural History and Science Bulletin.