Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Era uma vez, quando nosso planeta Terra era muito jovem e muito novo, não havia um único fragmento de vida nele.
Então, em algum lugar, de alguma forma, alguma peculiaridade da química aconteceu, e os blocos de construção molecular de nossos primeiros ancestrais unicelulares emergiram: os aminoácidos e ácidos nucleicos que se juntaram da maneira certa para continuar uma reação em cadeia que deu origem a vida.
Não temos certeza dos detalhes desse surgimento, que ocorreu há bilhões de anos e não deixou vestígios no registro fóssil. Mas usando o que sabemos da química da Terra primitiva, cientistas descobriram uma nova série de reações químicas que poderiam ter produzido esses blocos de construção biológicos na Terra, há muito tempo.
“Nós criamos um novo paradigma para explicar essa mudança da química prebiótica para a química biótica”, disse o químico Ramanarayanan Krishnamurthy, do Instituto de Pesquisa Scripps. “Achamos que o tipo de reação que descrevemos é provavelmente o que poderia ter acontecido na Terra primitiva”.
Reconstruir como a química biótica poderia ter se desdobrado é em grande parte experimental. Os cientistas pegam o que sabem dos processos biológicos atuais e tentam recriá-los em ambientes de laboratório usando a química da Terra primitiva, anterior a 3,7 bilhões de anos atrás.
Evidências sugerem que uma das moléculas presentes era o cianeto; mortal para consumir, mas possivelmente instrumental para o surgimento da vida na Terra. O papel do cianeto no processo foi explorado por várias equipes ao redor do mundo; no início deste ano, Krishnamurthy e seus colegas mostraram como o cianeto pode facilmente produzir moléculas orgânicas básicas à temperatura ambiente e em uma ampla gama de condições de pH. Com um pouco de dióxido de carbono, essa reação realmente ganha velocidade.
Isso levou os pesquisadores a se perguntarem se poderiam replicar seu sucesso tentando criar moléculas orgânicas mais complexas – aminoácidos, dos quais consistem todas as proteínas nas células vivas.
Hoje, os precursores de aminoácidos são moléculas chamadas α-cetoácidos, que reagem com nitrogênio e enzimas para produzir os aminoácidos. Embora os α-cetoácidos provavelmente existissem na Terra primitiva, as enzimas não existiam, o que levou os cientistas à conclusão de que os aminoácidos devem ter se formado a partir de precursores chamados aldeídos. No entanto, isso levanta várias outras questões, como quando os α-cetoácidos tomaram conta.
Krishnamurthy e seus colegas pensaram que pode haver um caminho pelo qual os α-cetoácidos podem formar aminoácidos sem a presença de enzimas. Eles começaram com α-cetoácidos, é claro, e adicionaram cianeto, já que seus experimentos anteriores mostraram que é um condutor eficaz de reações químicas que produzem moléculas orgânicas.
A amônia, um composto de nitrogênio e hidrogênio também presente na Terra primitiva, foi adicionada em seguida, para contribuir com o nitrogênio necessário. Demorou um pouco de tentativa e erro para descobrir a parte final, mas, assim como os pesquisadores descobriram em seu trabalho anterior, a chave acabou sendo o dióxido de carbono.
“Estávamos esperando que fosse muito difícil descobrir isso, e acabou sendo ainda mais simples do que imaginávamos”, disse Krishnamurthy. “Se você misturar apenas o cetoácido, cianeto e amônia, ele simplesmente aparece lá. Assim que você adiciona dióxido de carbono, mesmo pequenas quantidades, a reação ganha velocidade.”
Combinados, os resultados gerais da equipe sugerem que o dióxido de carbono foi um ingrediente vital para o surgimento da vida na Terra – mas apenas quando combinado com outros ingredientes. A equipe também descobriu que um subproduto de suas reações é uma molécula semelhante a um composto produzido em células vivas chamado orotato. Este é um dos blocos de construção dos ácidos nucleicos, incluindo DNA e RNA.
E os resultados da equipe são muito semelhantes às reações que ocorrem em células vivas hoje, o que significa que a descoberta negaria a necessidade de explicar por que as células mudaram de aldeídos para α-cetoácidos. A equipe, portanto, acredita que sua descoberta representa um cenário mais provável para o surgimento de moléculas prebióticas do que a hipótese do aldeído.
O próximo passo é realizar mais experimentos com sua sopa química para ver quais outras moléculas prebióticas podem surgir. Por sua vez, isso ajudará a estabelecer a plausibilidade e a implausibilidade dos vários cenários que descrevem os humildes começos de toda a vida na Terra.
A pesquisa foi publicada na Nature Chemistry.