Traduzido por Julio Batista
Original de Virginia Morell para a Science
No verão de 2013, a pesquisadora de golfinhos Nicole Danaher-Garcia avistou algo raro e notável no mundo animal. Enquanto ela estava em um iate de pesca esportiva perto de Bimini, nas Bahamas, ela avistou 10 golfinhos-pintados-do-atlântico adultos que ela nunca tinha visto antes – nadando nas águas de outro grupo de golfinhos.
A maioria dos mamíferos ataca intrusos, mas a guerra não estava no cardápio naquele dia. Em vez disso, os recém-chegados – eventualmente 46 ao todo – juntaram-se aos golfinhos residentes, cerca de 120 em número. Hoje, os dois grupos de golfinhos-pintados-do-atlântico (Stenella frontalis) se integraram parcialmente, mergulhando e nadando juntos, formando amizades rápidas e provavelmente até acasalamento.
É uma demonstração “impressionante” de tranquilidade entre animais que os cientistas geralmente consideram rivais, disse Richard Wrangham, primatologista da Universidade Harvard (EUA) que não esteve envolvido no estudo. A maioria dos mamíferos luta para proteger parceiros e outros recursos se encontrar estranhos entrando em seu território, observou ele. Esta pesquisa, disse ele, pode levar a uma melhor compreensão da evolução da paz.
Danaher-Garcia, ecologista comportamental, e seus colegas do Dolphin Communication Project observaram os dois grupos de golfinhos em Bimini por 5 anos, realizando cerca de 300 pesquisas. No início, os cientistas viram apenas um pequeno grupo de golfinhos de Bimini combinando residentes e recém-chegados. Mas no ano seguinte, os cientistas avistaram um grupo maior de machos e fêmeas de todas as idades de ambas as comunidades misturando-se sem “nenhum sinal de agressão”, disse ela. Os golfinhos continuaram seus comportamentos amigáveis até 2018, levando a equipe a suspeitar que os dois grupos estavam se fundindo. (Devido às preocupações com a COVID-19, os cientistas suspenderam seus estudos em 2020.)
Os cientistas descobriram que os recém-chegados haviam migrado do Little Bahama Bank, uma área cerca de 160 quilômetros ao norte conhecida por seus mares rasos, recifes de coral e bancos de areia. Eles faziam parte da comunidade de golfinhos-pintados de White Sand Ridge (WSR) que outra equipe científica vem estudando desde meados da década de 1980.
Sempre que um membro da equipe via os golfinhos de WSR maiores com os moradores de Bimini, ela entrava na água para filmá-los. Os cientistas registraram quais golfinhos passaram mais tempo juntos, se tocando, se esfregando e de namoricos – todos sinais de amizades florescentes. Em pouco tempo, os machos de WSR estavam cortejando as fêmeas Bimini, nadando de barriga para cima embaixo delas na posição de acasalamento dos golfinhos. Os cientistas suspeitam que algumas dessas interações levaram a acasalamentos reais, mas estão esperando por provas genéticas. Os machos de Bimini menores não foram vistos cortejando as fêmeas WSR; os cientistas não sabem por quê.
Ao todo, as duas comunidades estavam se tornando bem integradas, relatam os pesquisadores essa semana na Royal Society Open Science.
“É um estudo fascinante” que mostra como os golfinhos são socialmente adaptáveis, disse Peter Corkeron, biólogo marinho e especialista em cetáceos do Aquário da Nova Inglaterra. Ele espera que as descobertas sejam uma indicação de que os golfinhos podem “encontrar maneiras de lidar com as mudanças sociais” que provavelmente ocorrerão à medida que os oceanos aquecerem.
Outras espécies de golfinhos, como os golfinhos nariz-de-garrafa do Indo-Pacífico da Baía dos Tubarões, na Austrália, são notórios por suas batalhas pelas fêmeas. No entanto, os golfinhos machos de Bimini se comportaram mais como bonobos, primatas que são conhecidos por suas relações geralmente pacíficas com os vizinhos. Não só os golfinhos machos e fêmeas dos dois grupos se davam bem, como os machos locais tornaram-se amigos dos forasteiros. As amizades entre machos são fundamentais para a sociedade dos golfinhos, e os cientistas observaram a variedade de comportamentos táteis que sinalizam as amizades dos golfinhos machos: tocar as barbatanas peitorais, nadar e mergulhar juntos, nadar na posição de mãe-filhote, tocar uns aos outros com seus rostros, e engajar-se em sexo homossexual, comportamentos de ligação comuns a golfinhos e botos.
Normalmente, os golfinhos jovens e subadultos formam essas amizades, mas os de Bimini e os machos recém-chegados eram adultos. “Você pensaria que os machos de Bimini não iriam querer esses outros adultos simplesmente por causa da competição por parceiras”, disse Danaher-Garcia. Mas eles estavam “quase se esforçando para fazer amizade” com os novatos, disse ela. Os cientistas especulam em seu estudo que esses machos fortemente ligados podem unir forças para se defender contra predadores e caçar presas em águas profundas.
Esse tipo de sociabilidade entre grupos não relacionados é raro em aves e mamíferos. E “a imigração pacífica de grupos inteiros é ainda mais rara”, disse Elizabeth Lonsdorf, primatologista da Universidade Emory. Algumas espécies de golfinhos podem ser mais propensas a se dar bem com estranhos porque não têm territórios definidos e não guardam recursos, como presas, disse ela.
De qualquer forma, os cientistas agora têm outra espécie (além dos bonobos) para investigar à medida que começam a lidar com a noção de relações pacíficas entre grupos, disse Wrangham. Como esta é uma área tão nova de pesquisa, observou ele, os cientistas ainda não têm uma “teoria geral” para explicar a paz. Mas ao entender essas tendências em outras espécies, completou ele, podemos com o tempo começar a entender como a paz evoluiu também nos humanos.