Traduzido por Julio Batista
Original Matthew Daly et. al. (AP) para o Phys.org
Cientistas anunciaram na terça-feira que pela primeira vez produziram mais energia em uma reação de fusão do que foi usada para iniciá-la – um grande avanço na busca de décadas para aproveitar o processo que alimenta o Sol.
Pesquisadores do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, EUA, alcançaram o resultado na semana passada, disse o Departamento de Energia dos EUA. Conhecido como ganho líquido de energia, o objetivo tem sido ilusório porque a fusão ocorre em temperaturas e pressões tão altas que é incrivelmente difícil de controlar.
A descoberta abrirá caminho para avanços na defesa nacional e no futuro da energia limpa, disseram a secretária de Energia, Jennifer Granholm, e outras autoridades.
“A ignição nos permite replicar pela primeira vez certas condições que são encontradas apenas nas estrelas e no Sol”, disse Granholm em entrevista coletiva em Washington. “Este marco nos move um passo significativo mais perto” de ter energia de fusão de carbono zero “alimentando nossa sociedade”.
A ignição por fusão é “uma das façanhas científicas mais impressionantes do século 21”, disse Granholm, acrescentando que o avanço “ficará nos livros de história”.
Comparecendo com Granholm, a consultora científica da Casa Branca, Arati Prabhakar, chamou a ignição por fusão alcançada em 5 de dezembro de “um tremendo exemplo do que a perseverança realmente pode alcançar” e “uma maravilha inacreditável da engenharia”.
Os defensores da fusão esperam que um dia ela substitua os combustíveis fósseis e outras fontes de energia tradicionais. A produção de energia livre de carbono que alimenta casas e empresas a partir da fusão ainda está a décadas de distância. Mas os pesquisadores disseram que o anúncio marcou um avanço significativo.
“É quase como se fosse um tiro de partida”, disse o professor Dennis Whyte, diretor do Centro de Ciência e Fusão de Plasma do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e líder em pesquisa de fusão. “Devemos estar empenhados em disponibilizar sistemas de energia de fusão para enfrentar as mudanças climáticas e a segurança energética”.
Kim Budil, diretor do Laboratório de Livermore, disse que há “obstáculos muito significativos” para o uso comercial da tecnologia de fusão, mas os avanços nos últimos anos significam que a tecnologia provavelmente será amplamente utilizada em “algumas décadas”, em vez de 50 ou 60 anos como anteriormente esperado.
A fusão funciona pressionando os átomos de hidrogênio uns nos outros com tanta força que eles se combinam em hélio, liberando enormes quantidades de energia e calor. Ao contrário de outras reações nucleares, esta não cria resíduos radioativos.
O presidente dos EUA Joe Biden classificou a descoberta de um bom exemplo da necessidade de continuar investindo em pesquisa e desenvolvimento. “Veja o que está acontecendo com o Departamento de Energia no campo nuclear. Há muitas boas notícias no horizonte”, disse ele na Casa Branca.
Bilhões de dólares e décadas de trabalho foram investidos em pesquisas de fusão que produziram resultados empolgantes — em frações de segundo. Anteriormente, pesquisadores do National Ignition Facility, a divisão do Lawrence Livermore onde ocorreu o avançço, usaram 192 lasers e temperaturas várias vezes mais altas que o centro do Sol para criar uma reação de fusão extremamente breve.
Os lasers concentraram uma enorme quantidade de calor em uma cápsula esférica em miniatura, disse Marvin Adams, vice-administrador da Administração Nacional de Segurança Nuclear, uma agência do Departamento de Energia dos EUA. O resultado foi um ambiente de plasma superaquecido onde uma reação gerou cerca de 1,5 vezes mais energia do que a contida na luz usada para produzi-la.
Riccardo Betti, professor da Universidade de Rochester e especialista em fusão a laser, disse que há um longo caminho pela frente antes que o ganho líquido de energia leve à eletricidade sustentável.
Ele comparou o avanço a quando os humanos aprenderam pela primeira vez que refinar óleo em gasolina e tacar fogo poderia produzir uma explosão. “Você ainda não tem o motor e ainda não tem os pneus”, disse Betti. “Você não pode dizer que tem um carro.”
A conquista de ganho de energia líquida é aplicada à própria reação de fusão, não a quantidade total de energia necessária para operar os lasers e executar o projeto. Para que a fusão seja viável, ela precisará produzir significativamente mais energia e por períodos mais longos.
Budil disse que às vezes as pessoas brincam que o laboratório de Livermore, conhecido como LLNL, “significa ‘Lasers, Lasers, Nada Além de Lasers'”. Mas ela disse que o lema do laboratório “resume bem nossa abordagem: ciência e tecnologia em uma missão”.
É incrivelmente difícil controlar a física das estrelas. Whyte disse que o combustível tem que ser mais quente que o centro do Sol. O combustível não quer ficar quente – ele quer vazar e esfriar. Contê-lo é um desafio, disse ele.
Os resultados do laboratório da Califórnia superaram as expectativas, disse Jeremy Chittenden, professor do Imperial College de Londres especializado em física de plasma.
Embora haja um longo caminho a percorrer para transformar a fusão em uma fonte de energia utilizável, disse Chittenden, a conquista do laboratório o deixa otimista de que algum dia ela poderá ser “a fonte de energia ideal que pensávamos que seria” – uma que não emite carbono e funciona em uma fonte abundante de hidrogênio que pode ser extraída da água do mar.
Uma abordagem para a fusão transforma o hidrogênio em plasma, um gás eletricamente carregado, que é então controlado por enormes ímãs. Esse método está sendo explorado na França em uma colaboração entre 35 países chamada International Thermonuclear Experimental Reactor, bem como por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e uma empresa privada.
No ano passado, as equipes que trabalham nesses projetos em dois continentes anunciaram avanços significativos nos ímãs necessários para seu trabalho.
Carolyn Kuranz, professora da Universidade de Michigan, EUA, e física experimental de plasma, esperava que o resultado ajudasse a trazer “maior interesse e vigor” para a pesquisa de fusão – inclusive da indústria privada, que ela e outros disseram que serão necessários para obter energia de fusão para a rede.
“Se quisermos evitar mais mudanças climáticas nocivas, vamos precisar de diversas opções de produção de energia para implantar”, disse Kuranz. “E a energia nuclear – tanto de fissão, quanto de fusão – realmente deve fazer parte dessa equação. Não vamos chegar lá apenas com energias renováveis.”