Traduzido por Julio Batista
Original de Universidade Friedrich Schiller de Jena
Pela primeira vez, os pesquisadores registraram ao vivo e em detalhes atômicos o que acontece com o material em um impacto de asteroide. A equipe de Falko Langenhorst, da Universidade de Jena, e Hanns-Peter Liermann, do DESY, simulou um impacto de asteroide com o mineral quartzo no laboratório e o acompanhou em câmera lenta em uma célula de bigorna de diamante, enquanto o monitorava com a fonte de raios-X do DESY, PETRA III.
A observação revela um estado intermediário no quartzo que resolve um mistério de décadas sobre a formação de lamelas (camadas finas de material mantidas adjacentes umas às outras, em uma estrutura em formato de guelras) característicos em materiais atingidos por um asteroide. O quartzo é onipresente na superfície da Terra e é, por exemplo, o principal constituinte da areia. A análise ajuda a entender melhor os vestígios de impactos passados e também pode ter significado para materiais totalmente diferentes. Os pesquisadores apresentam suas descobertas na Nature Communications.
Impactos de asteroides são eventos catastróficos que criam enormes crateras e, às vezes, derretem partes da rocha da Terra. “No entanto, as crateras costumam ser difíceis de detectar na Terra, porque a erosão, o intemperismo e as placas tectônicas fazem com que desapareçam ao longo de milhões de anos”, explicou Langenhorst.
Portanto, os minerais que sofrem alterações características devido à força do impacto costumam servir como evidência de um impacto. Por exemplo, areia de quartzo (que quimicamente é dióxido de silício, SiO2) é gradualmente transformada em vidro por esse impacto, com os grãos de quartzo sendo cruzados por lamelas microscópicas. Essa estrutura só pode ser explorada em detalhes sob um microscópio eletrônico. Foi algo que pôde ser visto em material da relativamente recente e proeminente cratera Barringer no Arizona, EUA, por exemplo.
“Por mais de 60 anos, essas estruturas lamelares serviram como um indicador do impacto de um asteroide, mas ninguém sabia até agora como essa estrutura foi formada”, disse Liermann. “Agora resolvemos esse mistério de décadas.”
Para isso, os pesquisadores passaram anos modificando e avançando técnicas que permitem estudar materiais sob alta pressão em laboratório. Nesses experimentos, as amostras são geralmente comprimidas entre duas pequenas bigornas de diamante em uma chamada célula de bigorna de diamante (DAC, na sigla em inglês). Ela permite que pressões extremas – como as predominantes no interior da Terra ou no impacto de um asteroide – sejam geradas de maneira controlada.
Lamelas características
Para seus experimentos, a equipe usou uma célula dinâmica de bigorna de diamante (dDAC, na sigla em inglês), na qual a pressão pode ser alterada muito rapidamente durante a medição. Com este dispositivo, os cientistas comprimiram pequenos cristais individuais de quartzo cada vez mais fortes, enquanto brilhavam a intensa luz de raios-X do PETRA III através deles para investigar as mudanças em sua estrutura cristalina.
“O truque é deixar que o impacto do asteroide simulado prossiga devagar o suficiente para poder acompanhá-lo com a luz de raios-X, mas não muito devagar, para que os efeitos típicos de um impacto de asteroide ainda possam ocorrer”, disse Liermann. Experimentos na escala de segundos provaram ser a duração certa.
“Observamos que, a uma pressão de cerca de 180.000 atmosferas, a estrutura de quartzo repentinamente se transformou em uma estrutura de transição mais compacta, que chamamos de rosiaíta”, relatou o autor principal Christoph Otzen, que está escrevendo sua tese de doutorado sobre esses estudos. “Nessa estrutura cristalina, o quartzo encolhe um terço de seu volume. As lamelas características se formam exatamente onde o quartzo se transforma nessa chamada fase metaestável, que ninguém foi capaz de identificar no quartzo antes de nós.”
A rosiaíta é um mineral oxídico e o homônimo da estrutura cristalina conhecida de vários materiais. Não consiste em sílica, mas é um antimonato de chumbo (um composto de chumbo, antimônio e oxigênio).
Colapso em desordem
“Quanto mais alta a pressão, maior a proporção de sílica com uma estrutura semelhante à rosiaíta na amostra”, explicou Otzen. “Mas quando a pressão cai novamente, as lamelas do tipo rosiaita não se transformam de volta na estrutura original de quartzo, mas colapsam em lamelas de vidro com uma estrutura desordenada. Também vemos essas lamelas em grãos de quartzo de depósitos de impactos de asteroides.”
A quantidade e a orientação das lamelas permitem tirar conclusões sobre o impacto. Por exemplo, elas indicam quão alta foi a pressão de impacto. “Durante décadas, essas lamelas foram usadas para detectar e analisar impactos de asteroides”, apontou Langenhorst, “mas só agora podemos explicar e entender com precisão sua formação”.
Para o estudo, os pesquisadores não usaram as pressões mais altas tecnicamente viáveis. “Na faixa das pressões mais altas, tanto calor é gerado que o material derrete ou vaporiza”, explicou Langenhorst. “O material fundido que se solidifica de volta à rocha não nos dá muitas informações úteis por enquanto. O importante, porém, é justamente a faixa de pressão na qual os minerais sofrem mudanças características no estado sólido, e é isso que estudamos neste caso.”
Modelo para formação de vidro?
Os resultados podem ter significado além do estudo de impactos de asteroides. “O que observamos pode ser um estudo modelo para a formação de vidro em materiais completamente diferentes, como o gelo”, apontou Langenhorst. “Pode ser o caminho genérico que uma estrutura de cristal se transforma em uma fase metaestável em uma etapa intermediária durante a compressão rápida, que então se transforma na estrutura de vidro desordenada. Planejamos investigar isso mais a fundo, porque pode ser de grande importância para a pesquisa de materiais.”
Com a transformação planejada do PETRA III no DESY no melhor microscópio de raios X do mundo, o PETRA IV, tais estudos serão ainda mais realisticamente possíveis no futuro. “Uma intensidade de raios-X 200 vezes maior nos permitirá executar esses experimentos 200 vezes mais rápido, para que possamos simular um impacto de asteroide de forma ainda mais realista”, disse Liermann.