Traduzido por Julio Batista
Original de Davide Castelvecchi para a Nature
A primeira imagem de um buraco negro impressionou o mundo em 2019. Novos dados agora podem ajudar a explicar o que exatamente os radioastrônomos estavam observando – incluindo detalhes do redemoinho turbulento que o buraco negro cria. E em uma imagem atualizada, o anel laranja original do buraco negro agora parece mais fino, cortesia de uma nova maneira de analisar os dados existentes.
A imagem que enfeitou as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo em 2019 mostrava o buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, chamado M87*. Por si só, os buracos negros não emitem nenhuma radiação, então essa rosquinha laranja (representando as emissões de comprimento de onda de rádio) que vemos deve ter sido produzida não diretamente pelo buraco negro, mas pela matéria em sua vizinhança que é ‘superaquecida’ e torcida por campos magnéticos. “Sem qualquer matéria por perto, você nem veria um anel”, disse Thomas Krichbaum, um radioastrônomo do Instituto Max Planck de Radioastronomia em Bonn, Alemanha. “Algo tem que irradiar.”
A gravidade do buraco negro curvou os raios de luz para produzir a forma de anel, como esperado da teoria da relatividade geral de Albert Einstein. Mas, embora os astrofísicos tivessem teorias, não havia nenhuma indicação clara — com base apenas nessa imagem — quanto à origem da radiação. A explicação mais provável é que o brilho resultou do mesmo mecanismo que faz com que um jato estupendamente brilhante de matéria superaquecida se projete para longe da galáxia hospedeira. A existência deste jato era conhecida muito antes de obtermos a imagem do buraco negro, e foi capturado com instrumentos mais convencionais, incluindo o Telescópio Espacial Hubble.
A figura maior
A imagem original do M87* estava embaçada e mostrava apenas a vizinhança imediata do horizonte de eventos do buraco negro, a superfície esférica que envolve seu interior. Qualquer material que cruza o horizonte de eventos cai para dentro, para nunca mais voltar. Foi um desafio vincular a imagem às imagens em escala maior do jato.
Em um paper publicado na Nature em 26 de abril, radioastrônomos, incluindo Krichbaum, examinaram um conjunto de dados separado e encontraram um cone de emissões de rádio emanando do buraco negro na mesma direção do jato.
A imagem M87* original usou dados de 2017 do Telescópio do Horizonte de Eventos (EHT), uma rede de observatórios espalhados por quatro continentes que examinou o buraco negro em um comprimento de onda de 1,3 milímetros. O paper mais recente usou dados obtidos em 2018 com o Global Millimeter VLBI Array (GMVA), uma rede separada e mais antiga que compartilha muitos colaboradores com o EHT e usa algumas das mesmas instalações, mas observa em um comprimento de onda de 3,5 milímetros.
Ambas as redes usam uma técnica chamada interferometria, que combina dados coletados simultaneamente em vários locais. Quanto maior a separação entre os observatórios envolvidos, melhor a resolução e mais detalhes os astrônomos podem discernir; ir para comprimentos de onda mais curtos tem o mesmo efeito. Com sua resolução mais baixa, o GMVA não pode ver o anel com tanta nitidez quanto o EHT e precisa de um input extra de dados. Mas o GMVA é capaz de ver uma imagem mais ampla. “Pela primeira vez, vemos como o jato se conecta ao anel”, disse Krichbaum.
Uma perspectiva diferente
Em um paper separado, publicado no The Astrophysical Journal Letters em 13 de abril, a astrofísica Lia Medeiros do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, EUA, e seus colaboradores reanalisaram os dados do EHT de 2017 usando um novo algoritmo de aprendizado de máquina.
Os algoritmos que processam os dados do telescópio devem superar uma limitação intrínseca da interferometria: mesmo com observatórios em lados opostos do planeta, a matriz não coleta dados verdadeiramente com um prato de antena do tamanho da Terra, mas com fragmentos de um. “Existe uma infinidade de imagens que condizem com nossos dados”, disse Medeiros. “Você precisa fazer uma escolha sobre qual você acha que é mais provável.”
Nos resultados de 2019, a equipe do EHT usou algoritmos para estimativas conservadoras que embaçam a imagem artificialmente. A equipe de Medeiros desenvolveu um algoritmo baseado em uma técnica chamada aprendizado de dicionário que maximiza a resolução – e produz um anel substancialmente mais fino. Medeiros está ansioso para aplicar a técnica aos dados de Sagitário A*, o buraco negro no centro da nossa galáxia. O EHT divulgou uma imagem de Sagitário A* no ano passado.
O EHT também produziu várias versões das imagens do M87*, incluindo uma que mostra assinaturas de campos magnéticos, e usou dados mais antigos para mostrar como o anel evoluiu ao longo dos anos, em imagens que podem ser combinadas em um filme. A colaboração realizou campanhas de observação em 2018 e uma vez por ano entre 2021 e 2023, mas ainda não concluiu a análise desses dados. O mais intrigante é que a campanha de 2023 incluiu observações no desafiador comprimento de onda de 0,87 milímetros, o que deve melhorar ainda mais a resolução.