Traduzido por Julio Batista
Original de Ewen Callaway para a Nature
No auge da pandemia, pesquisadores correram para desenvolver alguns dos primeiros tratamentos eficazes contra a COVID-19: moléculas de anticorpos isoladas do sangue de pessoas que se recuperaram da doença.
Agora, os cientistas mostraram que a inteligência artificial (IA) generativa pode fornecer um atalho por meio desse processo trabalhoso, sugerindo sequências que aumentam a potência dos anticorpos contra vírus como SARS-CoV-2 e ebolavírus. Um estudo publicado na semana passada na Nature Biotechnology faz parte de esforços crescentes para aplicar ‘redes neurais’ semelhantes àquelas por trás da plataforma de IA ChatGPT para o design de anticorpos.
Anticorpos para doenças como câncer de mama e artrite reumatoide geram mais de US$ 100 bilhões em vendas mundiais a cada ano. Os pesquisadores esperam que a IA generativa – redes neurais que podem criar texto, imagens e outros conteúdos com base em padrões aprendidos – acelere o desenvolvimento e ajude a desvendar fórmulas de drogas de anticorpos para alvos que resistiram às abordagens convencionais.
“Existe um grande interesse em descobrir e projetar anticorpos, e como produzir anticorpos melhores”, disse Peter Kim, bioquímico da Universidade de Stanford, na Califórnia, EUA, que co-liderou o paper da Nature Biotechnology.
Armas da imunização
Os anticorpos estão entre as principais armas do sistema imunológico contra infecções. As proteínas se tornaram uma queridinha da indústria de biotecnologia, em parte porque podem ser projetadas para se ligar a quase qualquer proteína imaginável para manipular sua atividade. Mas gerar anticorpos com propriedades úteis e melhorá-los envolve “muita triagem de força bruta”, disse Brian Hie, biólogo computacional de Stanford, que também co-liderou o estudo.
Para ver se as ferramentas de IA generativas poderiam eliminar parte do trabalho pesado, Hie, Kim e seus colegas usaram redes neurais chamadas modelos de linguagem de proteínas. Estes são semelhantes aos ‘grandes modelos de linguagem’ que formam a base de ferramentas como o ChatGPT. Mas, em vez de serem alimentados com grandes volumes de texto, os modelos de linguagem de proteínas são treinados em dezenas de milhões de sequências de proteínas.
Outros pesquisadores usaram esses modelos para projetar proteínas completamente novas e para ajudar a prever a estrutura das proteínas com alta precisão. A equipe de Hie usou um modelo de linguagem de proteína – desenvolvido por pesquisadores da Meta AI, uma parte da gigante de tecnologia Meta com sede na cidade de Nova York – para sugerir um pequeno número de mutações para anticorpos.
O modelo foi treinado em apenas algumas milhares de sequências de anticorpos, das quase 100 milhões de sequências de proteínas com as quais aprendeu. Apesar disso, uma proporção surpreendentemente alta das sugestões do modelo aumentou a capacidade dos anticorpos contra SARS-CoV-2, ebolavírus e influenza de se ligarem a seus alvos.
Alterações em uma terapia aprovada para tratar o ebola e um tratamento com COVID-19 melhoraram a capacidade dessas moléculas de reconhecer e bloquear as proteínas que esses vírus usam para infectar as células. Porém, o anticorpo contra COVID-19 não é eficaz contra Omicron e suas subvariantes, e é improvável que as alterações guiadas por IA restaurem a eficácia, disse Hie.
Muitas das mudanças sugeridas nos anticorpos ocorrem fora das regiões da proteína que interagem com seu alvo, que geralmente são o foco dos esforços de engenharia, disse Kim. “O modelo está chegando a informações que são completamente, ou em grande parte, não óbvias até mesmo para os especialistas em engenharia de anticorpos”, acrescentou ele. “Para mim, isso me faz dizer ‘caramba, o que está acontecendo aqui?'”
Proteínas completamente novas
“Esta é uma ferramenta que as pessoas usarão para melhorar seus anticorpos”, disse Charlotte Deane, pesquisadora de imunoinformática da Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Acho muito legal.” Mas ela acrescenta que muitos pesquisadores esperam que, em vez de simplesmente melhorar os anticorpos existentes, a IA generativa seja capaz de criar anticorpos totalmente novos que se liguem a um alvo de sua escolha.
Essa capacidade pode ajudar os pesquisadores a desenvolver medicamentos para alvos moleculares que resistem a outras abordagens de design de anticorpos, disse Surge Biswas, cofundador da Nabla Bio, uma empresa de Boston, Massachusetts, EUA, que está comprometida no desafio.
Por exemplo, a IA pode ajudar a combater os receptores acoplados à proteína G, uma família de proteínas inseridas nas membranas celulares que estão envolvidas em distúrbios neurológicos, doenças cardíacas e inúmeras outras condições. A IA generativa também pode ajudar no design de drogas de anticorpos capazes de se prender a vários alvos, como uma proteína tumoral e uma célula imunológica que pode matar esse tumor, disse Biswas.
Possu Huang, um bioengenheiro de Stanford, diz que os modelos de linguagem de proteínas são poderosos e muito bons para otimizar proteínas existentes, incluindo anticorpos. Mas os modelos treinados apenas em sequências de proteínas podem ter dificuldades para criar anticorpos verdadeiramente novos que reconheçam uma proteína específica.
Os pesquisadores dizem que estão progredindo. Em março, cientistas da Absci, uma empresa de biotecnologia em Vancouver, Washington, EUA, relataram o que dizem ser um primeiro passo para produzir novos anticorpos com IA, em uma pré-publicação no servidor bioRxiv. Usando um modelo que incorpora sequências de proteínas, bem como dados experimentais, eles geraram novos designs para várias regiões importantes de uma droga de anticorpos usada para tratar o câncer de mama.
Um desafio fundamental na concepção de anticorpos completamente novos é que sua capacidade de reconhecer um alvo específico depende de ciclos flexíveis na estrutura do anticorpo. Essas interações se mostraram difíceis de modelar com IA, disseram os pesquisadores.
No ano passado, a equipe de Huang desenvolveu uma ferramenta de IA generativa que pode criar proteínas capazes de se ligar fortemente a um alvo específico – em um caso, venenos de cobra – usando esses ciclos. A mesma abordagem pode ajudar a criar novos anticorpos, disse Huang, mas pode exigir mais dados do que os atualmente disponíveis sobre como os anticorpos interagem com seus alvos.
“Acho que ninguém realmente descobriu isso”, acrescentou Biswas.