Pesquisadores têm feito progressos significativos no estudo dos efeitos terapêuticos de substâncias psicodélicas, como LSD e psilocina, com destaque para o potencial desses compostos em tratamentos para depressão e transtorno de estresse pós-traumático. O estudo mais recente, liderado pela Universidade de Helsinque, na Finlândia, traz uma descoberta que pode transformar a forma como essas drogas são vistas e usadas. O estudo foi publicado no Nature Neuroscience.
No cerne dessa pesquisa está o potencial de se dissociar os efeitos antidepressivos e promotores de plasticidade dos psicodélicos de seus efeitos alucinógenos. Simplificando, isso significa que pode ser possível aproveitar os benefícios terapêuticos desses medicamentos sem que os pacientes experimentem as conhecidas “viagens psicodélicas”.
Os pesquisadores focaram nos efeitos dos psicodélicos sobre o receptor TrkB (receptor de tirosina quinase neurotrófico), descobrindo que LSD e psilocina se ligam a este receptor com uma força mil vezes maior do que outros antidepressivos, como a fluoxetina e a ketamina. Esse vínculo intensificado impulsiona um elemento-chave para a saúde cerebral, o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que controla a plasticidade e a aprendizagem no cérebro.
A melhoria da plasticidade cerebral, facilitada pelos psicodélicos, auxiliou na formação de novas conexões neurais e na extinção de uma resposta condicionada ao medo em camundongos utilizados na pesquisa. Essa observação sugere que essas substâncias podem auxiliar pessoas a desaprender comportamentos prejudiciais e desenvolver novas formas de enxergar o mundo, especialmente quando combinadas com terapias adequadas.
Entretanto, uma questão interessante levantada pela pesquisa é que, apesar do receptor TrkB ser crucial para os efeitos antidepressivos dos psicodélicos, ele não parece estar envolvido na indução de alucinações, o que sugere a existência de mecanismos separados para esses dois efeitos.
As descobertas apontam que os efeitos alucinógenos dos psicodélicos são mediados pela ativação de receptores de serotonina no cérebro. Isso indica um possível caminho para que pesquisas futuras desenvolvam versões desses medicamentos que preservem seus efeitos antidepressivos, mas que minimizem ou eliminem completamente seus efeitos alucinógenos.
Essa possibilidade de utilização mais ampla dos psicodélicos na prática clínica ganha ainda mais relevância quando consideramos que, somente em fevereiro, a Austrália se tornou o primeiro país do mundo a permitir que psiquiatras prescrevam psilocibina (que é convertida em psilocina no corpo) e MDMA para tratamento de doenças mentais resistentes ao tratamento.
A pesquisa revela um avanço notável na busca por novos tratamentos para doenças psiquiátricas como a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático. O uso de psicodélicos, antes comumente associados à recreação e ao uso ilícito, pode ser repensado à luz desses achados, abrindo caminho para novas formas de tratamento e uma nova perspectiva sobre esses compostos químicos.
Com o avanço contínuo das pesquisas, os próximos anos podem trazer ainda mais descobertas excitantes sobre os mecanismos de ação desses psicodélicos e sua aplicação potencial no campo da psiquiatria e da saúde mental. O objetivo último seria o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, personalizados e com menos efeitos colaterais, o que poderia resultar em melhores resultados para pacientes ao redor do mundo.
As descobertas realizadas até agora são promissoras, mas ainda há muito trabalho a ser feito. Os psicodélicos podem vir a representar uma revolução no tratamento de doenças mentais, mas, como sempre, a cautela e a ética devem orientar a maneira como esses tratamentos são desenvolvidos e aplicados.