Dezenas de peças quebradas de cerâmica datadas entre 2.000 e 3.000 anos foram desenterradas em uma ilha varrida pelo vento na Grande Barreira de Corais – a cerâmica mais antiga já descoberta na Austrália.
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Os vestígios, encontrados a menos de um metro abaixo da superfície por proprietários tradicionais e arqueólogos, marcam uma prática milenar dos povos das Primeiras Nações que fabricam cerâmica em Jiigurru (Ilha do Lagarto).
Feita com argila e areia de origem local, a cerâmica foi cozida milhares de anos antes dos colonos britânicos invadirem a Austrália em 1788, numa época em que outras comunidades insulares da região também fabricavam cerâmica.
“Essas descobertas não apenas abrem um novo capítulo na arqueologia australiana, da melanésia e do Pacífico, mas também desafiam os estereótipos colonialistas, destacando a complexidade e a inovação das comunidades aborígines”, diz o autor sênior Ian McNiven, arqueólogo da Universidade Monash, na Austrália.
Trabalhando durante dois anos sob o sol escaldante, coberto de sal, maresia e suor, a equipe de pesquisadores e membros da comunidade aborígine Dingaal e Ngurrumungu escavaram continuamente um ‘monte’ de conchas com cerca de 2,4 metros de profundidade para encontrar peças de cerâmica entre restos de mariscos, ossos de peixes e tartarugas e materiais vegetais carbonizados.
Pedaços de cerâmica quebrados, também conhecidos como cacos, já foram encontrados em Jiigurru, em 2006, em uma lagoa entre marés. Mas os arqueólogos não sabiam quantos anos eles tinham ou quem os fez. As marés diárias corroeram os fragmentos e a datação foi inconclusiva, deixando os investigadores com nada mais do que um palpite tentador de que a cerâmica produzida localmente poderia um dia ser encontrada em Jiigurru.
McNiven e a equipe continuaram cavando, não conseguindo encontrar quaisquer outros sinais de cerâmica em outro ‘monte’ próximo, datado de 4.000 anos atrás.
Então, em 2017, a sorte deles mudou. Um estudante de arqueologia da equipe encontrou a primeira peça de cerâmica, apenas 40 centímetros abaixo da superfície.
“Lembro-me de que Ian e eu nos entreolhamos com espanto”, disse o arqueólogo da Universidade James Cook, Sean Ulm, ao ScienceAlert.
“Paramos a escavação e documentamos a descoberta com muito cuidado. Houve discussões profundas noite adentro sobre o que a descoberta poderia significar e como deveríamos progredir na escavação a partir daqui.”
A datação por radiocarbono revelou que as camadas mais profundas do ‘monte’ escavado foram depositadas entre 6.510 e 5.790 anos atrás, tornando Jiigurru a primeira ilha offshore ocupada no norte da Grande Barreira de Corais.
A ocupação do local aumentou dramaticamente há cerca de 3.000 anos, descobriram os investigadores, quando as conchas marinhas começaram a acumular-se e as primeiras cerâmicas encontradas no ‘monturo’ caíram para o seu local de descanso final.
Durante mais ou menos mil anos, até cerca de 2.000 anos atrás, a cerâmica foi feita, usada e descartada pela população local, sugere a datação da equipe. Isso torna a cerâmica Jiigurru a cerâmica mais antiga já descoberta na Austrália.
São várias centenas de anos mais antigos do que duas dúzias de fragmentos de cerâmica descobertos numa ilha mais a norte, no Estreito de Torres, entre a ponta do continente australiano, Cabo York, e Papua Nova Guiné, que McNiven e colegas descreveram em 2006.
As cerâmicas Jiigurru também foram fabricadas localmente. As análises revelaram que os fragmentos eram feitos de argila e continham quartzo, areia calcária e feldspato semelhantes às areias de praia amostradas na ilha. Os pesquisadores também determinaram que os fragmentos eram de vasos pequenos e de paredes finas, com menor probabilidade de rachar do que potes mais grossos e mais leves para transportar.
“Pensamos que os antepassados dos proprietários tradicionais contemporâneos [de Jiigurru] estavam envolvidos num sistema comercial muito difundido” que incluía intercâmbios culturais com comunidades produtoras de cerâmica da Papua Nova Guiné”, disse Ulm.
O povo de Jiigurru eram marinheiros que “sabiam fazer cerâmica e faziam-na localmente”, explica Ulm, provavelmente trocando conhecimentos tecnológicos, bens e ideias com outras comunidades insulares.
Desde então, esse conhecimento sobre a produção de cerâmica foi perdido, quer por razões desconhecidas antes da colonização britânica, quer devido à deslocação e fragmentação das comunidades.
Mas encontrar estas cerâmicas habilmente confeccionadas há milhares de anos poderia ajudar as comunidades locais a revitalizar a prática e a proteger Jiigurru no futuro, fornecendo provas tangíveis da sua ocupação da ilha, de outra forma registrada em histórias orais.
A escavação foi a primeira vez que o povo indígena local de Jiigurru trabalhou com arqueólogos para se reconectar com a história incorporada em suas terras ancestrais.
“Cada conhecimento que adquirimos nos ajuda a contar a história do país”, disse o Élder Ngurrumungu, Brian Cobus, em um comunicado. “Projetos de investigação como este ajudam a nós todos a compreender melhor o País e ajudam a compreender como cuidar do País.”
A pesquisa foi publicada na Quaternary Science Reviews.
Traduzido de ScienceAlert