Artigo traduzido de Quanta Magazine. Autor: Natalie Wolchover.
Embora as galáxias pareçam maiores do que os átomos e os elefantes pareçam mais pesados que formigas, alguns físicos começaram a suspeitar que as diferenças de tamanho são ilusórias. Talvez a descrição fundamental do Universo não inclua os conceitos de “massa” e “comprimento”, o que implica que em sua essência, a natureza não tem um senso de escala.
Esta ideia pouco explorada, conhecida como simetria de escala, constitui uma mudança radical em suposições duradouras sobre como as partículas elementares adquirem suas propriedades. Mas surgiu recentemente como um tema comum de inúmeras palestras e trabalhos de físicos de partículas respeitados. Com seu campo preso em um impasse desagradável, os pesquisadores voltaram às equações mestras que descrevem as partículas conhecidas e suas interações, e estão perguntando: o que acontece quando você apaga os termos que têm a ver com a massa e comprimento nas equações?
Natureza, no nível mais profundo, não diferencia escalas. Com a simetria de escala, os físicos começam com uma equação básica que apresenta uma coleção de partículas sem massa, cada uma com uma única convergência de características, tal como se é matéria ou antimatéria e se tem carga elétrica positiva ou negativa. Como essas partículas se atraem e se repelem e os efeitos de suas interações estão em cascata, como dominós, através dos cálculos, a escala de simetria “quebra”, e massas e comprimentos surgem espontaneamente.
Efeitos dinâmicos similares geram 99% da massa do universo visível. Prótons e nêutrons são amálgamas – cada um é um trio de partículas elementares leves chamadas quarks. A energia utilizada para manter esses quarks unidos lhes dá uma massa combinada que é cerca de 100 vezes mais do que a soma das partes. “A maior parte da massa que vemos é gerada dessa maneira, por isso estamos interessados em ver se é possível gerar toda a massa desta forma”, disse Alberto Salvio, um físico de partículas da Universidad Autónoma de Madrid e co-autor de um artigo recente sobre a teoria da escala de simetria da natureza.
Nas equações do “modelo padrão” da física de partículas, apenas uma partícula descoberta em 2012, chamada de bóson de Higgs, vem equipado com massa e com a capacidade de dar-receber massa. De acordo com uma teoria desenvolvida há 50 anos pelo físico britânico Peter Higgs e associados, esse bóson distribui massa para outras partículas elementares por meio de suas interações com elas. Elétrons, bósons W e Z, quarks individuais e assim por diante: acredita-se que a massa de todos derivam do bóson de Higgs – e, em um efeito de feedback, eles simultaneamente aumentam ou diminuem a massa do Higgs, também.
A nova abordagem da simetria de escala reescreve o início dessa história.
“A ideia é que, talvez, até mesmo a massa do Higgs não esteja realmente lá”, disse Alessandro Strumia, um físico de partículas da Università di Pisa, na Itália. “isso pode ser entendido com algumas dinâmicas”.
O conceito parece muito forçado, mas está ganhando interesse em um momento de ampla introspecção no campo. Quando o laboratório do Large Hadron Collider do CERN, em Genebra, foi fechado para atualizações no início de 2013, as suas colisões não conseguiram produzir qualquer uma das dezenas de partículas que muitos teóricos tinha incluído nas suas equações por mais de 30 anos. O grande fracasso sugere que os pesquisadores podem ter tomado um rumo errado décadas atrás em seu entendimento de como calcular as massas das partículas.
“Nós não estamos em uma posição em que podemos nos dar ao luxo de sermos arrogantes sobre nossa compreensão do que as leis da natureza devem parecer”, disse Michael Dine, um professor de física na University of California, em Santa Cruz, que tem seguido o novo trabalho sobre simetria de escala. “As coisas sobre as quais eu era cético antes estou disposto a cogitar”.
O Gigante Problema do Higgs
A abordagem da simetria de escala remonta a 1995, quando William Bardeen, um físico teórico do Fermi National Accelerator Laboratory, em Batavia, Illinois, mostrou que a massa do bóson de Higgs e das outras partículas do Modelo Padrão poderiam ser calculadas como consequências da quebra espontânea da simetria de escala. Mas, na época, a abordagem de Bardeen não conseguiu pegar. O delicado equilíbrio de seus cálculos parecia fácil de estragar quando os pesquisadores tentaram incorporar novas partículas desconhecidas, como as que têm sido postuladas para explicar os mistérios da matéria escura e da gravidade.
Em vez disso, os pesquisadores gravitavam em torno de outra abordagem chamada “supersimetria” que, naturalmente, previu dezenas de novas partículas. Uma ou mais dessas partículas poderia contar como matéria escura. E a supersimetria também forneceu uma solução simples para um problema de contabilidade que tem atormentado os pesquisadores desde os primeiros dias do Modelo Padrão.
Na abordagem padrão para fazer cálculos, as interações do bóson de Higgs com outras partículas tendem a elevar sua massa em direção às maiores escalas presentes nas equações, arrastando as massas das outras partículas com ele. “A mecânica quântica tenta tornar todas iguais”, explicou o físico teórico Joe Lykken, vice-diretor do Fermilab e um colaborador de Bardeen. “As partículas serão iguais através dos efeitos da mecânica quântica”.
Esta tendência de igualdade não importaria se as partículas do Modelo Padrão fossem o fim da história. Mas os físicos supõem que muito além do Modelo Padrão, a uma escala cerca de um bilhão de bilhões de vezes mais pesado conhecida como “massa de Planck”, existem gigantes desconhecidos associados à gravidade. Esperava-se que estes pesos pesados aumentariam a massa do bóson de Higgs – um processo que puxaria a massa de todas as outras partículas elementares até a escala de Planck. Isso não aconteceu; em vez disso, uma hierarquia anormal parece separar as partículas leves do Modelo Padrão e a massa de Planck.
Com a sua abordagem da simetria de escala, Bardeen calculou as massas do modelo padrão de uma nova forma que não envolvesse espalha-las em direção às maiores escalas. De sua perspectiva, o peso leve do Higgs parecia perfeitamente natural. Ainda assim, não estava claro como ele poderia incorporar os efeitos gravitacionais na escala de Planck em seus cálculos.
Enquanto isso, a supersimetria usou técnicas matemáticas padrões, e lidou com a hierarquia entre o Modelo Padrão e a escala de Planck diretamente. A supersimetria postula a existência de uma partícula gêmea faltando para todas as partículas encontradas na natureza. Para cada partícula bóson de Higgs encontrada (como um elétron) também temos a partícula gêmea ligeiramente mais pesada (o hipotético “selectron”), e os efeitos combinados seriam quase cancelados, impedindo que a massa do Higgs inflasse em direção às maiores escalas. Como o equivalente físico de x + (-x) ≈ 0, a supersimetria teria que incluir a pequena massa diferente de zero do bóson de Higgs. A teoria parecia ser o ingrediente perfeito que faltava para explicar as massas do Modelo Padrão – tão perfeita que, sem ela, alguns teóricos dizem que o universo simplesmente não faz sentido.
No entanto, após décadas de predição, nenhuma das partículas supersimétricas foram encontradas. “Isso é o que o LHC tem procurado, mas nunca encontrou”, disse Savas Dimopoulos, professor de física de partículas na Stanford University que ajudou a desenvolver a hipótese da supersimetria no início de 1980. “De alguma maneira, o Higgs não está protegido”.
O LHC vai continuar investigando versões complicadas da supersimetria quando voltar a ativa no próximo ano, mas muitos físicos estão cada vez mais convencidos de que a teoria falhou. Apenas no mês passado, na Conferência Internacional de Física de Altas Energias, em Valência, Espanha, pesquisadores analisaram o maior conjunto de dados do LHC e não encontraram nenhuma evidência de partículas supersimétricas. (Os dados também desfavorecem fortemente uma proposta alternativa chamada “technicolor”).
As implicações são enormes. Sem a supersimetria, a massa do bóson de Higgs parece ser reduzida não por efeitos imagem-espelho, mas por cancelamentos aleatórios e improváveis entre números não relacionados – essencialmente, a massa inicial do Higgs parece equilibrar precisamente as enormes contribuições para a massa de glúons, quarks, estados gravitacionais e todo o resto. E se o universo é improvável, então, muitos físicos dizem que ela deve ser um universo de muitos: apenas uma bolha rara em um interminável e espumoso “multiverso”. Nós observamos esta bolha particular não porque suas propriedades fazem sentido, mas porque seu peculiar bóson de Higgs propicia a formação de átomos e, portanto, o surgimento de vida. Outras bolhas típicas, com seus bósons de Higgs na escala de Planck, são inabitáveis.
“Não é uma explicação muito satisfatória, mas não há muita coisa lá fora”, disse Dine.
Como a conclusão lógica de hipóteses vigentes, a hipótese do multiverso subiu em popularidade nos últimos anos. Mas para muitos o argumento parece uma desculpa, ou pelo menos uma grande decepção. Um universo em forma de anulações casuais escapa a compreensão, e a existência de universos alienígenas inalcançáveis pode ser impossível de provar. “E é muito insatisfatório usar a hipótese do multiverso para explicar só coisas que não entendemos”, disse Graham Ross, professor emérito de física teórica na University of Oxford.
O aborrecimento do multiverso não pode durar para sempre.
“As pessoas são obrigadas a adaptar”, disse Manfred Lindner, um professor de física e diretor do Max Planck Institute for Nuclear Physics em Heidelberg, que é co-autor de vários novos trabalhos sobre a abordagem da simetria de escala. As equações básicas da física de partículas precisam de algo extra para controlar o bóson de Higgs, e a supersimetria não pode ser isso. Teóricos como Lindner começaram perguntando: “existe outra simetria que poderia fazer o trabalho, sem a criação de uma enorme quantidade de partículas que não vemos?”.
Luta de Fantasmas
Começando de onde Bardeen parou, pesquisadores como Salvio, Strumia e Lindner agora pensam que a simetria de escala pode ser a melhor esperança para explicar a pequena massa do bóson de Higgs. “Para mim, fazer cálculos reais é mais interessante do que fazer filosofia do multiverso”, disse Strumia, “mesmo que seja possível que esse multiverso esteja certo”.
Para uma teoria de simetria de escala funcionar, ela deve levar em conta tanto as pequenas massas do Modelo Padrão quanto as massas gigantescas associadas à gravidade. Na forma comum de fazer os cálculos, as duas escalas são escritas à mão, no início, e quando elas se conectam nas equações, elas tentam se igualar umas às outras. Mas na nova abordagem, as duas escalas devem decorrer de forma dinâmica – e separadamente – a partir do nada.
“A afirmação de que a gravidade pode não afetar a massa do Higgs é muito revolucionária”, disse Dimopoulos.
A teoria chamada “agravidade” (para “gravidade adimensional”), desenvolvida por Salvio e Strumia, pode ser a realização mais concreta da ideia de simetria de escala até agora. A agravidade entrelaça as leis da física em todas as escalas numa só imagem, coesa, em que a massa de Higgs e a massa de Planck surgem através de efeitos dinâmicos separados. Conforme detalhado em junho no Journal of High-Energy Physics, a agravidade também oferece uma explicação do por que o universo inflacionário existe em primeiro lugar. De acordo com a teoria, a quebra da simetria de escala teria causado uma expansão exponencial do tamanho do espaço-tempo durante o Big Bang.
No entanto, a teoria tem o que a maioria dos especialistas considera uma falha grave: é necessária a existência de estranhas entidades semelhantes a partículas chamadas “fantasmas”. Os fantasmas tanto têm energias negativas como probabilidades negativas do existir – sendo que ambas causam estragos nas equações do mundo quântico.
“As probabilidades negativas descartam a interpretação probabilística da mecânica quântica, de modo que é uma opção terrível”, disse Kelly Stelle, um físico teórico de partículas do Imperial College, de Londres, que mostrou pela primeira vez em 1977 que certas teorias de gravidade dão origem a fantasmas. Tais teorias só podem funcionar, disse Stelle, se os fantasmas de alguma forma dissociar-se das outras partículas e mantiver-se para si. “Muitas tentativas têm sido feitas ao longo destas linhas; não é um assunto morto, é apenas bastante técnico e sem muita alegria”, disse ele.
Strumia e Salvio pensam que, tendo em conta todas as vantagens da agravidade, os fantasmas merecem uma segunda chance. “Quando as partículas de antimatéria foram incluídas pela primeira vez nas equações, elas pareciam como energia negativa”, disse Strumia. “Elas pareciam um absurdo. Talvez esses fantasmas pareçam bobagem, mas podemos encontrar alguma interpretação sensata”.
Enquanto isso, outros grupos estão desenvolvendo suas próprias teorias de simetria de escala. Lindner e seus colegas propuseram um modelo com um novo “setor oculto” de partículas, enquanto Bardeen, Lykken, Marcela Carena e Martin Bauer do Fermilab e Wolfgang Altmannshofer do Perimeter Institute for Theoretical Physics em Waterloo, no Canadá, afirmam em um trabalho de 14 de agosto que as escalas do Modelo Padrão e gravidade são separadas como se fossem fases de transição. Os pesquisadores identificaram uma escala de massa onde o bóson de Higgs deixa de interagir com outras partículas, fazendo com que suas massas caiam para zero. É neste ponto livre de escala que uma alteração do tipo de passagem de fase ocorre. E assim como a água líquida se comporta de forma diferente da água sólida, diferentes conjuntos de leis independentes operam acima e abaixo deste ponto crítico.
Para contornar a falta de escalas, os novos modelos exigem uma técnica de cálculo que alguns especialistas consideram matematicamente duvidosa e, em geral, alguns vão dizer o que realmente pensam de toda a abordagem. É muito diferente, muito novo. Mas a agravidade e os outros modelos e simetria de escala preveem a existência de novas partículas além do modelo padrão, e as futuras colisões no LHC atualizado vão ajudar a testar as ideias.
Nesse meio tempo, há uma sensação de reacender a esperança.
“Talvez a nossa matemática esteja errada”, disse Dine. “Se a alternativa é o multiverso, que representa um passo muito drástico, com certeza vamos ver o que mais pode ser”.