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A arqueologia pós-colonial é ciência?

Por Michael E. Smith
Publicado na Publishing Archaeology

Não simpatizo com a teoria pós-colonial e a arqueologia pós-colonial. Não fiquei emocionado ao ver que uma edição da World Archaeology havia sido dedicada a esse tema. O editor Peter van Dommelen (2011) contribuiu com uma introdução aos trabalhos pós-coloniais. As perspectivas pós-coloniais talvez estejam contribuindo com algo para entender o contexto atual e recente da pesquisa arqueológica em algumas partes do mundo. Digo “talvez”, porque não estou convencido de uma forma e nem de outra. Contudo, penso eu, a teoria pós-colonial não contribuiu em nada para a nossa compreensão das sociedades passadas através de evidências arqueológicas.

Tenho três principais objeções à teoria pós-colonial:

(1) A teoria pós-colonial é anticientífica. É um exemplo do que o sociólogo e filósofo das ciências sociais Lars Mjøset chama de teoria “construtivista” (Mjøset 2001), ou teoria com uma “atitude sociofilosófica” (Mjøset 2009). Ela não tenta explicar o passado, mas interpretar através de uma lente política. Por outro lado, as abordagens científicas nas ciências sociais investigam mecanismos causais e fazem generalizações empíricas para construir um corpo de conhecimento empírico e teórico sobre a sociedade. Veja Hedström (2005) ou outras fontes que cito sobre a teoria de médio alcance em Smith (2011).

(2) A teoria pós-colonial é antimaterialista. O foco principal é a representação e o discurso (Van Dommelen 2011:2), uma abordagem teórica que Benita Parry (2004) chama de “idealismo textual” (veja também Robinette 2006). Nas palavras de Ilan Kapoor (2002:661), “A ênfase do pós-colonialismo em questões culturais e representacionais leva a ignorar importantes preocupações materiais (por exemplo, pobreza, saúde etc.)”. No entanto, essas preocupações materiais devem estar entre os principais alvos da investigação arqueológica.

(3) Os estudiosos pós-coloniais distorcem os estudos acadêmicos para reforçar seus argumentos. Por exemplo, os pós-colonialistas estão particularmente preocupados em atacar o “essencialismo” do conhecimento anterior. Nas palavras de Chris Gosden (2001:242), “No cerne da teoria pós-colonial existe um ataque a qualquer visão do essencialismo na cultura”. No entanto, muitos antropólogos se opõem à caracterização do conhecimento anterior como essencialista. Jonathan Friedman (2002:32), por exemplo, observa que “Sahlins sugere que o essencialismo almejado pelos antropólogos pós-coloniais é sua própria construção contemporânea” (ele cita Sahlins 1999). Veja também Lewis (1998) ou Friedman (2009).

Contudo, esses argumentos não convencerão os pós-modernos, pós-colonialistas, pós-estruturalistas ou outros pós-acadêmicos a abandonarem seus projetos. Acabo ficando farto dessas abordagens, cuja a visão da natureza da história e da sociedade – incluindo da natureza e do propósito dos estudos acadêmicos -, acabam sendo radicalmente diferentes da abordagem científica. Alguns colegas insistem que essas são visões marginais, que não precisamos perder tempo com elas. Porém, então, por que a World Archaeology dedicou todo um volume às “arqueologias pós-coloniais”? Se você não está familiarizado com a arqueologia pós-colonial, não tome a minha palavra. Leia os trabalhos originais (por exemplo, Gosden 2001; Leone 2009; Meskell 2002; Van Dommelen 2006, 2011; Webster e Cooper 1996) e veja o que você pensa.

Referências

  • Friedman, Jonathan. (2002). From Roots to Routes: Tropes for Trippers. Anthropological Theory 2:21-36.
  • Friedman, J. (2009). Occidentalism and the categories of hegemonic rule. Theory, Culture & Society, 26(7-8), 85-102.
  • Gosden, C. (2001). Post-colonial Archaeology: Issues of Culture, Identity, and Knowledge. Archaeological Theory Today. I. Hodder.
  • Hedstrom, P. (2005). Dissecting the social: On the principles of analytical sociology. Cambridge University Press.
  • Kapoor, I. (2002). Capitalism, culture, agency: dependency versus postcolonial theory. Third World Quarterly, 23(4), 647-664.
  • Leone, M. P. (2009). Making historical archaeology postcolonial. In International handbook of historical archaeology (pp. 159-168). Springer, New York, NY.
  • Lewis, H. S. (1998). The misrepresentation of anthropology and its consequences. American Anthropologist, 100(3), 716-731.
  • Meskell, L. (2002). The intersections of identity and politics in archaeology. Annual review of anthropology, 31(1), 279-301.
  • Mjøset, L. (2001). Theory: Conceptions in the Social Sciences. In International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences, edited by Neil J. Smelser and Paul B. Baltes, pp. 15641-15647. Elsevier, New York.
  • Mjøset, L. (2009). The contextualist approach to social science methodology. The Sage handbook of case-based methods, 39-68.
  • Parry, B. (2004). Postcolonial studies: A materialist critique. Routledge.
  • Robinette, N. (2006). Review of Postcolonial Studies: A Materialist Critique, by Parry. Cultural Critique 62:207-209.
  • Sahlins, M. (1999). Two or Three Things That I Know About Culture. Journal of the Royal Anthropological Institute 5:399-421.
  • Smith, M. E. (2011). Empirical urban theory for archaeologists. Journal of Archaeological Method and Theory, 18(3), 167-192.
  • Van Dommelen, P. (2006). Colonial matters: material culture and postcolonial theory in colonial situations. Handbook of material culture, 104-124.
  • Van Dommelen, P. (2011). Postcolonial archaeologies between discourse and practice. World archaeology, 43(1), 1-6.
  • Webster, J., & Cooper, N. J. (1996). Roman imperialism: Post-colonial perspectives. School of Archaeological Studies, University of Leicester.
Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.