Primeiramente, tenho de usar um raciocínio semelhante ao introduzido pelo geneticista Eli Vieira em seu site. Para iniciarmos um debate sobre a neutralidade da ciência, precisamos definir bem sobre o que estamos falando: 1) Tecnologia; 2) O órgão ciência e; 3) Os cientistas.
Caso escolhamos o primeiro tópico, é fundamental fazer uma dissociação clara entre ciência e tecnologia. Embora a descrição em itens dê uma ideia de ramificações de um mesmo conceito, hei de dizer que tal foi feita apenas por fins práticos, afinal, muitos fazem a confusão entre esses dois conceitos quando vão tratar do assunto descrito neste texto.
A ciência é a busca pelo conhecimento da realidade a partir de um conjunto de métodos científicos e do fiel seguimento ao caminho pelo qual as evidências apontam, não entrando necessariamente em compromisso às expectativas da sociedade. A tecnologia, por outro lado, é a aplicação de tal conhecimento em prol das necessidades de uma sociedade. Por exemplo, enquanto a ciência descobre que a fusão nuclear ocorre no Sol ou que o decaimento radioativo ocorre em núcleos atômicos instáveis, a tecnologia aplica essa informação para a construção de bombas. Ela, pois, como podemos ver, é movida pelos interesses, sendo corrompida por preconceitos e ideologias pessoais.
Se o tópico escolhido for o segundo, é importante ressaltar que o órgão científico é neutro, movido por evidências (como citado no parágrafo anterior) e tendo, como base, as normas éticas de Merthon: universalismo, comunicação, desinteresse (busca pelo interesse coletivo em detrimento dos interesses pessoais) e ceticismo. Muitos partem do seguinte raciocínio lógico para negar a neutralidade da ciência: (P1): O homem é subjetivo, não é neutro; (P2): A ciência foi feita pelo homem; (C) Logo, a ciência é subjetiva e não-neutra. No entanto, vale dizer que o “método científico” é aplicado a todos os homens que desejam produzir o conhecimento científico, não importando qual a forma que eles usem para chegar a tal. Sendo assim, torna-se ululante que o método é imparcial, um padrão ao qual os cientistas devem se adequar (não o contrário).
Se escolhermos o terceiro tópico, temos uma explicação semelhante ao que foi dito para o primeiro, no entanto, enquanto a tecnologia consiga ir para a frente baseando-se nos interesses do tecnólogo, a ciência, muitas vezes, não consegue seguir em função dos interesses do cientista. No entanto, mesmo que o cientista faça uma pesquisa baseada em seus interesses, porém, forneça evidências cabíveis ao que está sendo dito, o conhecimento é válido até que novas evidências sejam apresentadas como forma de refutação.
Mesmo assim, conspirar contra o conhecimento científico tendo, como base, o argumento de que a ciência pode ser construída baseada em interesses não é saudável. Quando um artigo é construído a partir disso, há de se refutá-lo não pela essência do que o escreveu, mas pelas falhas metodológicas que o texto, provavelmente, tem.
Um bom exemplo disso é o caso de Andew Wakefield, um ex-médico que propôs que a vacina tríplice viral (contra o sarampo e outras doenças causadas por vírus e infectocontagiosas) problemas inflamatórios no intestino de quem a tomasse. A pesquisa teve, como universo amostral, 12 crianças e foi publicada em uma das revistas científicas mais conceituadas no campo da medicina, a The Lancet. No entanto, havia gravíssimas falhas metodológicas (a qual uma foi citada: o pequeno universo amostral). Esse artigo publicado serviu como fonte de irracionalidade para movimentos anti-vacina. Os níveis de vacinação no Reino Unido e em algumas outras partes do mundo caiu drasticamente, embora muitos órgãos tenham alertado para a segurança da imunização. A taxa de pessoas com sarampo também aumentou de forma considerável.
Alguns anos depois da publicação, investigações foram feitas para buscar a motivação de Wakefield para elaborar tal atrocidade. Eis a resposta: Richard Barr, advogado específico em negligência clínica o contratara dois anos antes da emissão do artigo. Ele queria levantar um processo contra a VASPR (que produzia as vacinas tríplice), mas, para isso, precisava de provas. Eis que surge Wakefield e o plano deu totalmente certo. Devido à ignorância da população e aos inescrúpulos da mídia, o lucro com a publicação da fraude “científica” chegou a 150 libras por hora.
No entanto, embora tenha havido uma motivação ideológia por trás do que Wakefield proferiu, os cientistas não refutaram o que ele falou por isso. O que eles fizeram foi reproduzir o que foi discorrido pelo médico, fornecendo o argumento de que as evidências que ele forneceu eram, na verdade, falsas e não refletiam a realidade. É assim que se faz ciência! Conspirar contra os artigos publicados nas revistas científicas a partir do pensamento de que os cientistas foram financiados ou movidos pelos próprios interesses não é saudável para a comunidade, já que abre brechas para dar críticas pedantes a qualquer artigo baseando-se unicamente na conspiração da motivação ideológica.
Isso nos recorre a vários assuntos, como os transgênicos. Várias pessoas insistem em afirmar que os cientistas e as associações que endossam o consenso de que tais não trazem consequência nefasta alguma que os alimentos normais não trariam são financiadas por grandes corporações. Em primeiro lugar, há de se fornecer evidências para essa afirmação. Em segundo lugar, mesmo que as pesquisas sejam mesmo financiadas por tais “grandes corporações”, elas fornecem evidências tão claras que nem as organizações de medicina e saúde mais renomadas do mundo (como a Organização Mundial da Saúde) se atrevem a negá-las. Alguns outros dizem que os cientistas são financiados para não fazer pesquisas que fazem dos malefícios dos transgênicos. No entanto, acho muito difícil que as grandes agências consigam rastrear todos os cientistas do mundo que tentam provar isso e os paguem um valor consideravelmente grande para fazê-los sucumbir à moral ao próprio dinheiro.
Outros muitos acusam as revistas científicas de trabalharem tal qual a mídia, fornecendo as evidências a favor de determinado assunto e ocultando as que são contra. A afirmação seria até verdadeira se não existissem várias e várias revistas científicas no mundo, nem mesmo várias e várias universidades. Também acho muito difícil que as grandes corporações venham a financiar todas elas. O que, na verdade, prejudica, muitas vezes, a ciência é a própria mídia. Às vezes, ela trata a ciência como se fosse uma ideologia, em que deve-se apresentar argumentos “a favor” e “contra” em suas notícias. Na verdade, o que deve ser apresentado são as evidências (principalmente, porque a mídia tem, como principal público, as pessoas leigas). Divulgar argumentos “a favor” e “contra” prejudica, muitas vezes, o conhecimento científico. Um bom exemplo é o consenso do aquecimento global, que é de 97%, mas, do modo que muitos veículos de comunicação expõem, ele parece ser de 50%, havendo, ainda, um debate sobre se o evento realmente existe e se é causado por ações antrópicas. Isso estimula a negação da ciência. Isso é terrível!
E não é apenas a conspiração de que a ciência pode ser movida por interesses que ajuda em sua negação. O fato da superposição de alguns paradigmas também é mixado a isso. Muitos alegam que determinado artigo é falso tomando como base a sobreposição de ideias que a ciência possui. Alegam que, só por causa disso, qualquer artigo torna-se, necessariamente, falso. Aliás, qualquer artigo não, já que o argumento é utilizado apenas para aquelas publicações que não entram em consonância com as opiniões de quem fala.
Em suma, é visível a influência pós-moderna que tais argumentos possuem. Nota-se, com facilidade, que eles possuem um leve ou grave caráter irracional (fáceis, portanto, de serem adotados por aqueles que não possuem um conhecimento epistemológico apurado). Não sei como posso combater tais discursos senão escrevendo refutações para eles, já que eles são, muitas vezes, ensinados nas próprias academias, então, agradeço se alguém puder compartilhar este texto.
É notória a explicação do por quê de tais discursos de negação da ciência abordados serem tão disseminados: é mais fácil conspirar contra os cientistas do que produzir evidências bem corroboradas que vão contra as que eles alegam. Em suma, os argumentos não são sequer razoáveis, porque, como supracitado, abrem brechas para um ceticismo arbitrário e não possuem evidências que os sustentem.