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A descoberta das ondas gravitacionais. Uma entrevista com Lawrence Krauss

Por Felipe Nogueira

Em Fevereiro deste ano, cientistas do LIGO anunciaram a descoberta das ondas gravitacionais*. Eu tive a oportunidade de conversar sobre a descoberta com Lawrence Krauss, físico teórico e cosmologista da Universidade do Arizona e autor do livro Um Universo Que Veio do Nada.

Nogueira: Poderia explicar brevemente a relatividade geral e ondas gravitacionais? 

Krauss: A relatividade geral é uma teoria do espaço e tempo. Einstein mostrou que a matéria afeta a propriedade do espaço e tempo ao seu redor; o espaço se curva, expande e contrai por causa de massa. Como afeta o espaço ao seu redor, um corpo massivo ao se mover produz um distúrbio no espaço que pode se propagar, como uma onda quando jogamos uma pedra na água. Em 1916, Einstein mostrou que esse distúrbio iria se propagar e seria uma onda, uma onda gravitacional. Assim como ondas eletromagnéticas são criadas quando agitamos uma carga, uma onda gravitacional é um distúrbio do espaço. Isso quer dizer que as propriedades do espaço são modificadas na presença de uma onda gravitacional. Se ondas gravitacionais estivessem passando nesse quarto agora, a distancia entre minhas mãos seria menor, mas minha altura seria maior. Instantes depois, isso muda: minha altura seria menor e a distância entre minhas mãos ficaria maior. Einstein pensou que as ondas gravitacionais nunca seriam observadas. Ele também retraiu a existência das ondas mais tarde em 1937, quando ele tentou resolver as equações das ondas gravitacionais e achou uma resposta que não fazia sentido. Ele submeteu o artigo para a revista Physical Review e foi rejeitado. Ele ficou chateado, porque que ele nunca havia sido revisado por pares antes. Einstein disse que ele havia enviado o artigo para ser publicado e não para ser revisado. Mas isso foi benéfico para ele, porque, antes de submeter para outra revista, ele e outra pessoa identificaram o erro no artigo e a versão final publicada está correta. Então, por um pequeno período, Einstein achou que as ondas gravitacionais não existiam.

Nogueira: Einstein também mudou de ideia sobre a constante cosmológica, certo? 

Krauss: Ele introduziu a constante cosmológica, porque ele pensou que o universo fosse estático e pensou que a constante cosmológica faria o universo ser estático. Na verdade, ele errou nos dois casos. O universo não é estático e por caso disso Einstein disse que incluir a constante cosmológica foi um grande erro dele. Mas foi um grande erro de qualquer maneira, porque a constante cosmológica não resulta em universo estático. Geralmente resulta em um universo como o nosso, que está expandindo exponencialmente.

Nogueira: Há cinco anos descobrimos o bóson de Higgs. Foi uma grande descoberta, assim como essa descoberta das ondas gravitacionais. Mas eu tenho a impressão de que as pessoas ficaram mais empolgadas com a descoberta atual. O que você acha?

Krauss: Tudo relacionado a Einstein de alguma forma captura a imaginação do público.  Einstein previu as ondas gravitacionais 100 atrás e Higgs previu a partícula de Higgs há 50 anos. A diferença real é que a descoberta do bóson de Higgs foi uma grande descoberta de algo muito importante no Modelo Padrão, mas não garante que haverá mais descobertas ou que novas janelas se abrirão além disso. A descoberta das ondas gravitacionais foi algo equivalente a termos acabado de ligar o telescópio: foi a primeira vez que tivemos uma máquina capaz de detectar ondas gravitacionais e estamos bem confiantes que vamos conseguir usá-las para explorar o universo. É bem possível que a máquina que descobriu o Higgs faça novas descobertas, mas não é garantido. Em contraste, sabendo que ondas gravitacionais existem, significa que seremos capazes de ver mais sobre o universo do que vimos anteriormente.

Nogueira: Quais ideias podem ser testadas com as ondas gravitacionais?

Krauss: Nunca medimos a relatividade geral em um regime forte perto de um horizonte de eventos, onde o espaço é bastante curvo. Nunca medimos gravidade com alta intensidade, gravidade sempre foi fraca. Com esses resultados, parece que a relatividade geral se aplica nesses domínios. Então, podemos extrapolar para domínios onde o espaço é curvo e bastante ondulado como um mar em ebulição, e não como “ondas suaves”. Isso será um bom teste da relatividade. Quando explorarmos a física próxima a um horizonte de eventos, aprenderemos sobre a natureza de buracos negros. E quem sabe o que vamos aprender? Sempre que abrimos uma janela, nós ficamos surpresos. Ficarei surpreso se não ficarmos surpresos.

Nogueira: Uma matéria circulou em um jornal brasileiro dizendo que essa descoberta tornaria viagem no tempo possível em 100 anos. Kip Thorne comentou sobre viagem no tempo na conferência de imprensa no dia da descoberta. O que você pode falar sobre isso? 

Krauss: Não tem nada a ver com viagem no tempo. A existência das ondas gravitacionais implica que poderemos explorar a relatividade geral em um regime onde a gravidade é forte e os campos são bastante massivos. Mas não quer dizer que poderemos viajar no tempo; quem disse isso não sabe do que está falando. Kip Thorne esteve em um evento na minha universidade chamado ‘Legado de Einstein’, que pode ser visto online. Thorne deixou claro que ele acredita que a viagem no tempo não é possível, por mais que ele tenha investido tempo escrevendo artigos para ver se realmente seria possível.

Nogueira: E para as pessoas que não são cientistas, como essa descoberta pode ter algo impacto ou ter alguma relevância para eles? 

Krauss: Esses dois buracos negros colidiram em um segundo e eles emitiram uma energia equivalente a três vezes a massa do Sol. Isso é mais do que a energia emitida por todas as estrelas no universo visível durante esse momento. Coisas desse tipo podem impressionar você. Como eu digo, isso nos diz um pouco de onde viemos e para onde estamos indo; aumenta o nosso lugar no universo. De uma perspectiva cultural, faz parte da beleza de ser humano. A existência das ondas não fará uma torradeira melhor, mas a tecnologia usada no experimento pode ser usada em outras coisas.

Nogueira: Como o experimento LIGO foi feito? 

Krauss: O experimento é impressionante. Para detectar ondas gravitacionais, o detector possui dois braços perpendicular um ao outro. Se uma onda gravitacional estiver passando, um braço ficara menor e o outro ficará maior e isso se alternará. Um raio laser é emitido e viaja até o final do braço. Se um braço for menor que o outro, o laser gastará menos tempo para percorrê-lo em comparação com o outro. Isso parece fácil, mas eles precisaram projetar um detector capaz de medir a diferença no comprimento entre dois túneis de quatro quilômetros por uma distância 10 mil vezes menor que o tamanho de um próton. Isso é tão pequeno que as vibrações quânticas dos espelhos utilizados são muito maiores. É como medir a distância da Terra e a estrela mais próxima com a acurácia equivalente a largura de um fio de cabelo humano. É um fantástico exemplo de ingenuidade, perseverança, e tecnologia; é realmente bonito!

Uma das instalações LIGO vista do ar.
Uma das instalações LIGO vista do ar.

Nogueira: Essa é a ultima previsão que faltava ser descoberta na relatividade geral? Mas porque sabemos que não temos a resposta final?  

Krauss: As ondas gravitacionais eram o último aspecto da relatividade geral que precisava ser testado diretamente; está completamente certa. Assim como a mecânica quântica; foi testada tantas vezes que é uma teoria fundamental. Mas sabemos que a mecânica quântica e a gravidade não funcionam juntas. Em escalas muito pequenas, onde as ideias da mecânica quântica são importantes e a gravidade é forte, a relatividade geral não combina com a mecânica quântica. Então, sabemos que algo irá ter que ceder.

Nogueira: Para você qual seria a próxima descoberta mais empolgante na física? 

Krauss: As ondas que foram descobertas são interessantes, mas para mim ondas de momentos iniciais do Big Bang são ainda muito mais interessantes. Podemos procurar pela assinatura dessas ondas na radiação cósmica de fundo em micro-ondas, que veio do Big Bang. Se pudermos detectar a assinatura dessas ondas do Big Bang, poderemos explorar a física do universo quando foi bem jovem – a natureza da gravidade quântica. Sabemos que o detector do LIGO não é sensível a essas ondas, mas podemos construir detectores maiores no espaço que podem ser sensíveis. Escrevi um artigo com o vencedor do prêmio Nobel Franck Wilczek mostrando que a mensuração de ondas gravitacionais do Big Bang provará que a gravidade é uma teoria quântica.

Nogueira: O que você pode comentar a respeito do seu próximo livro de divulgação científica? 

Krauss: O livro é chamado  The Greatest Story Ever Told So Far (“A Maior História Já Contada Até Agora”, em tradução livre) e provavelmente sairá em Março de 2017 nos Estados Unidos. É a história da maior jornada intelectual que a humanidade já percorreu, todo caminho a partir de Platão até a partícula de Higgs. Meu último livro discutiu a pergunta “por que há alguma coisa ao invés do nada?” e o próximo discutirá “por que estamos aqui?”. O novo livro foi construído com base numa palestra com o mesmo título disponível online, mas é claro que há mais no livro do que na palestra. O livro também discute sobre o futuro baseado no que sabemos com a descoberta da partícula de Higgs.

Notas:

* Ondas gravitacionais foram detectadas novamente em 15 de Junho, conforme abordado no Universo Racionalista. No entanto, essa entrevista foi realizada antes da segunda detecção.

Esta entrevista foi publicado com uma introdução diferente na Skeptical Briefs (vol. 26, n. 2, 2016).

Felipe Nogueira

Felipe Nogueira

Doutor em ciências médicas pela Universidade do Estado do Rio Janeiro. Mestre em ciência da computação. Divulgador da ciência no seu blog, além de ter publicado nas revistas Skeptical Inquirer e Skeptic