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A maior fusão de buracos negros ainda mexe com a cabeça dos astrônomos

Por Daniel Clery
Publicado na Science

Bem longe, nas profundezas do espaço, dois buracos negros espiralaram um em direção ao outro e se fundiram. Ondas gravitacionais poderosas daquela dança da morte correram pelo cosmos até que suas ondas alcaçaram três detectores gigantes na Terra: dois do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (em inglês: Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory – LIGO) dos Estados Unidos e o detector europeu do Virgo na Itália.

Os detectores captaram dezenas desses cataclismos nos últimos 5 anos, mas um desses de 21 de maio de 2019 foi diferente. Não foi apenas a fusão mais poderosa e distante já vista, mas o buraco negro resultante também pertence a uma classe de buracos negros médios que os cientistas por anos procuram, relataram membros da colaboração LIGO-Virgo na quarta em dois novos estudos. Surpreendentemente, no entanto, os dois buracos negros que se fundiram são mais pesados ​​do que o esperado: suas massas estão em uma lacuna da ciência na qual os teóricos acreditavam ser impossível de se formar um buraco negro pela rota usual de uma estrela em colapso.

Buracos negros estelares são normalmente criados quando uma grande estrela fica sem seu combustível nuclear e a força motriz de luz e calor para. Sem essa pressão externa, as camadas externas da estrela entram em colapso sob a gravidade, desencadeando uma supernova colossal e deixando um buraco negro. Mas nas estrelas maiores, o colapso é ainda mais catastrófico, causando uma explosão termonuclear descontrolada que destrói a estrela e não deixa nada para trás. Teoricamente, isso significa que deveria haver uma  reação de eliminação da massa do buraco negro equivalente a cerca de 65 massas solares.

Até maio de 2019, as fusões de buracos negros detectadas por LIGO e Virgo sustentavam amplamente essa eliminação de massa. Então veio o evento conhecido como GW190521, que durou apenas um décimo de 1 segundo. Não foi detectado pelos algoritmos usuais que procuram fusões binárias (que geralmente duram muito e muito mais), mas foi detectado por um canal separado que procura “coisas que explodem”, disse Nelson Christensen, físico do Observatório Cote d’Azur em Nice, França e membro da equipe LIGO-Virgo.

Embora o sinal seja curto – apenas quatro ciclos de ondas para cima e para baixo – a equipe ainda pode analisá-lo, examinando sua amplitude, sua forma e como sua frequência muda com o tempo. “Foi muito difícil de interpretar”, disse a integrante da equipe Alessandra Buonanno, diretora do Instituto Max Planck de Física Gravitacional (Instituto Albert Einstein). “Passamos muito tempo nos convencendo a confiar no que encontramos”.

Em dois artigos publicados na quarta – um descrevendo a detecção no Physical Review Letters e outro interpretando os dados no The Astrophysical Journal Letters – a equipe conjunta LIGO-Virgo diz que o modelo que melhor se ajusta aos dados é de dois buracos negros – com peso de cerca de 66 e 85 massas solares – fundindo-se em um buraco negro de 142 sóis. As oito massas solares restantes teriam sido convertidas em energia das ondas gravitacionais. “Era substancialmente maior do que qualquer coisa que tínhamos visto”, diz Christensen.

Um buraco negro com 142 massas solares o coloca instantaneamente em uma classe própria. Enquanto os astrônomos há muito conhecem buracos negros menores e gigantes em centros galácticos compostos por milhões ou bilhões de sóis, os de tamanho médio – de 100 a 100.000 massas solares – estão visivelmente ausentes. Os astrônomos acreditam que eles são necessários como blocos de construção para os buracos negros supermassivos, e há evidências indiretas de sua existência, mas este pode ser o avistamento mais convincente até agora, embora com um alcance bem baixo. “Isso é apenas uma dica de que há algo nessa faixa de massas”, diz o astrofísico Avi Loeb, da Universidade de Harvard, Estados Unidos, que não esteve envolvido no estudo.

Talvez mais interessante para os astrofísicos sejam as origens dos dois buracos negros que se fundiram. O mais leve está bem no ponto culminante da lacuna da ciência sobre a massa de um buraco negro, então pode muito bem ter se formado a partir de uma única estrela gigantesca. Mas 85 massas solares é difícil de explicar. “É emocionante porque foi inesperado”, diz Loeb. “A lacuna da ciência sobre a massa era robusta, mas agora a porta está aberta para novos modelos”.

Em seu artigo interpretativo, a equipe olhou para muitas explicações possíveis. Os buracos negros podem ser primordiais, pois existem desde a desordem do universo primordial, antes do nascimento das primeiras estrelas. Ou poderiam ser pequenos buracos negros, com uma fusão ampliada por lentes gravitacionais. Ou talvez – de forma mais exótica – as ondulações vieram de cordas cósmicas, defeitos hipotéticos no vácuo que sobrou do Big Band. Mas nenhuma dessas explicações se encaixava nos dados tão bem quanto uma dupla de pesos pesados ​​que se fundiram. Então, a equipe recorreu à “navalha de Occam”, diz Christensen: a explicação mais simples provavelmente é a correta.

Loeb acredita que os pesos pesados ​​são provavelmente “multigeracionais”, nos quais buracos negros menores em áreas de formação estelar densa se fundem várias vezes para produzir massas acima do esperado pela reação de eliminação. As galáxias são frequentemente cercadas por densos aglomerados de estrelas chamados aglomerados globulares. Eles podem conter centenas de milhares de estrelas antigas: criadouros ideais para os buracos negros. À medida que os buracos negros afundam em direção ao centro do aglomerado globular, é mais provável que se fundam com outros. “Esses ambientes são específicos, por isso só os encontramos agora”, diz ele após o LIGO e Virgo detectarem mais de 60 fusões.

Mas é provável que os aglomerados contenham buracos negros de massas variadas, e as fusões desequilibradas produzem explosões assimétricas que podem expulsar o novo buraco negro do aglomerado a até 1.000 quilômetros por segundo. Para que os aglomerados sejam berçários de buracos negros na lacuna da ciência sobre a massa, os recuos devem ser baixos e os aglomerados devem ser maciços o suficiente para impedi-los de escapar, diz Loeb.

O LIGO e o Virgo estão sendo atualizados e devem reiniciar as observações em 2022 com maior sensibilidade, permitindo que eles façam um levantamento três vezes maior do cosmos. Descobrir mais fusões de peso nos “ensinará sobre a astrofísica desses berçários estelares”, diz Loeb. “Quanto mais eventos tivermos, mais pistas sobre suas origens”.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.